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Escritório Online :: Artigos » Direito Constitucional


Federalização dos crimes contra os direitos humanos

23/05/2005
 
Paulo Alberto Carneiro da Costa Filho



Em dezembro de 2004 foi editada a Emenda Constitucional nº 45, que trouxe inúmeras modificações à Constituição, além também, de muita polêmica.

Uma dessas polêmicas, diz respeito à federalização dos crimes contra os direitos humanos, trazendo no bojo do artigo 109, o inciso V-A, e o parágrafo 5º, assim vejamos:

"Art.109...
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;...................................................................
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal."


A questão problema da federalização diz respeito ao incidente de deslocamento de competência da justiça comum para a justiça federal, nos casos de grave violação dos direitos humanos. Todavia, o legislador parece que não observou algumas questões jurídicas e fáticas para tal opção.

O primeiro enfoque a ser dado, diz respeito quanto ao sentido da expressão do que seja “grave violação aos direitos humanos”, haja vista, ser um conceito jurídico indeterminado, havendo, portanto, a necessidade de norma complementar para dizer efetivamente o que seja uma grave violação aos direitos humanos, porque em verdade, qualquer crime contra a pessoa já é por si uma grave violação aos direitos humanos fundamentais. A falta dessa definição, fere ainda direitos de defesa dos indiciados, como a ampla defesa, vez que nem mesmo indica quais crimes seriam conexos.

Outrossim, não elenca quais delitos deveriam ser equiparados com esta expressão para efeitos de incidente. Vale inferir ainda, a nova competência que a referida emenda deu à Justiça Federal, adotando critérios que não possuem um mínimo de clareza, objetividade e segurança jurídica.

Quanto a segurança jurídica, que é um dos argumentos fortes dos defensores da federalização, pois segundo o entendimento dessa corrente, e parece também que do legislador, as graves violações aos direitos humanos quando estão na esfera de competência da justiça comum não são devidamente julgados, e por conseqüência falta uma efetiva punição. Ora, com tal decisão, o governo federal deu um atestado de que a justiça comum é falha, e, portanto, não tem respaldo para processar e julgar tais ações.

Infeliz caminho adotado, pois, sabe-se, que o poder público em caráter geral, é o maior violador dos direitos humanos. A começar pela falta de uma política pública voltada para garantir direitos básicos de sobrevivência, educação, saúde dentre outros. Portanto, tal medida mostra-se no mínimo, estritamente política. Isso porque, a inclusão aqui analisada, vem para dar embasamento a introdução do parágrafo 3º do artigo 5º da Carta Magna[1] . Ainda que tal decisão vigore, caberia no mínimo uma reformulação da estrutura do poder público, no sentido de assegurar a proteção dos direitos humanos fundamentais no tocante àqueles violados pelo próprio poder público.

Além das violações a direitos constitucionalmente garantidos, há uma certa insegurança quanto às decisões proferidas pela justiça comum, criando um clima de suspense no processo penal, em virtude de a qualquer tempo o procurador geral da república suscitar o incidente. Aspecto importante é a violação, por exemplo, do princípio do Júri Popular, nos delitos dolosos contra a vida, ferindo clausula pétrea da Constituição.

Não é de hoje que os ilustres legisladores fogem a lógica e ao bom senso. Não há observância ao princípio da razoabilidade[2] , pois “é razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso”, assim, tal atribuição de competência para a Justiça Federal fere tal princípio[3] .

Não se quer negar aqui a importância dos Direitos Humanos e sua proteção, mas o caráter desprovido de qualquer fundamento da opção legislativa em inserir o inciso com a previsão do deslocamento. Como é observado, nos moldes de uma interpretação tanto gramatical quanto sistemática, oferece um tanto de discricionariedade para que o procurador geral da república suscite. Revela essa atitude do governo mais uma “canetada”, que aparentemente resolve o problema, mas, só aparentemente mesmo!

Renomados juristas e a imprensa teceram inúmeros elogios para tal medida, todavia, sabemos que isso somente aconteceu em virtude das pressões internacionais para que o governo federal punisse os responsáveis daqueles crimes de grande repercussão, inclusive internacional. Apesar do Brasil adotar o sistema federal, deve a união considerar que o problema em questão deve ser resolvido em conjunto, gestando uma política pública geral de combate a tais fatos, e não apenas com medidas aparentemente eficazes, levando ao pé da letra com um rigor descabido o sistema federal.

Para os que realmente não se ludibriam com falácias, a federalização é mais uma tentativa de enganar a mídia e opinião pública, além de acalmar os organismos internacionais de proteção aos direitos humanos. Vale novamente frisar: todos os delitos contra a pessoa, já são por si, uma grave violação aos direitos humanos, e a adoção da federalização vem criar dois tipos de justiça federal, uma que processa e julga aqueles crimes contra os direitos humanos e puni efetivamente os responsáveis, essa incumbida de dar uma resposta àqueles que interessam tê-la, e outra, que será reflexo do atual sucateamento enfrentado pelo judiciário estadual (mas que ainda é competente para aplicar a justiça!).

A desnecessidade da federalização frente ao parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição

O descompasso com que o sistema público brasileiro caminha, muitas vezes revela-se ilógico e hilário. Isto porque, a emenda nº 45 introduziu no artigo 5º da Constituição o parágrafo 3º, que dá status de emenda à constituição os tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil for signatário.

Desta forma, as graves violações aos direitos humanos ganham um importante instrumento de eficácia comprovada: o respaldo constitucional. Não observou o legislador, por exemplo, o principio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias individuais, que dará mais um suporte, de origem constitucional para a proteção aos direitos humanos fundamentais, consoante hermenêutica do parágrafo 1º, artigo 5º da Carta Magna.

Assim, a federalização como forma de garantia de aplicação e cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos, quando houver grave violação não tem razão de ser, pois, o direito aplicado na justiça federal será o mesmo aplicado na justiça comum, até porque a hermenêutica dos dispositivos é muito clara, não havendo necessidade de grandes analises[4] .

Portanto, a federalização dos crimes de grave violação aos direitos humanos revela-se um tanto merecedora de questionamentos. Ademais, ainda que o incidente mostre-se justificável, faltou ao poder público criar um plano com medidas capazes de tornar o judiciário como um todo mais célere e digno. Conforme exposto, a adoção da federalização é mais um atestado da inoperância dos aparatos administrativos, porém, parece que a própria União ainda não percebeu isso, assim como também, infelizmente, nossos ilustres deputados e senadores da república.

Então, o que fazer? Será que o problema foi resolvido?, ou seja, federaliza as violações, e acabou? Parece que para o executivo e o legislativo sim, mas, todavia, para a população que fica a mercê do caos social não. O Direito como importante instrumento de garantia vem sendo a cada dia “violentado” com ações que são um tanto revestidas de clamor nacional e internacional de alguns, mas que na prática continua deixando a população, bem como as vítimas desprotegidas.

A prova disso são dois casos que recentemente abalaram a opinião pública, o massacre em série dos mendigos em São Paulo, onde foi suscitado incidente, feito pela Fundação Interamericana de Direitos Humanos e pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, e o assassinato da missionária americana no Pará, suscitado pelo procurador geral da república.

Como era de esperar, o incidente de deslocamento dos mendigos foi negado, pois argumentou o procurador geral que o incidente deve apenas ser suscitado em casos excepcionais, porém, e o caso da missionária que foi deslocado? Qual critério adotado? O incidente não seria justamente para garantir a aplicação da lei? Houve rejeição só porque as vitimas são mendigos, e o poder público já deu inúmeras provas que não se importa com eles? Consoante exposto, o poder público é o maior violador dos direitos humanos fundamentais, e esta “opção”, em rejeitar o caso dos mendigos e deslocar o caso da missionária revela o caráter estritamente político do incidente.

Nada mais se pode fazer, haja vista a entrada em vigor da emenda nº 45. Quanto a ação direta de inconstitucionalidade impetrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), perante o Supremo Tribunal Federal, com pedido liminar de efeito retroativo, com certeza, o Supremo, como órgão essencialmente político que é, não fugirá a regra, e não acatará no mérito a ação.


Notas do texto:


[1] § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

[2] Luís Roberto Barroso, em seu livro “interpretação e aplicação da Constituição”, diz que “o principio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão em informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça”.

[3] “De fato a aferição da razoabilidade importa em um juízo de mérito sobre os atos editados pelo legislativo, o que interfere com o delineamento mais comumente aceito da discricionariedade do legislador. Ao examinar a compatibilidade entre meio e fim, e as nuances de necessidade-proporcionalidade da medida adotada, a atuação do Judiciário transcende à mero controle objetivo da legalidade”. Luís Roberto Barroso, em “Interpretação e aplicação da Constituição”, págs. 230 e 231.

[4] “Toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental”, Luis Roberto Barroso, em Interpretação e aplicação da Constituição, pág. 161. Assim, podemos inferir, consoante pensamento do autor, não só a idéia de supremacia constitucional, mas também, a idéia de aplicabilidade imediata e irrestrita de normas que sejam garantidoras de direitos humanos. Cabe ao poder público, estabelecer uma política que forneça a estrutura que o poder judiciário necessita como um todo, pois medidas como essa em questão, coloca cada vez mais em evidencia o despreparo dos políticos brasileiros em administrar.

Fonte: Escritório Online


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