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O procedimento da cobrança executiva do crédito hipotecário vinculado ao SFH - Código de Processo Civil ou legislação especial?

24/05/2005
 
Arnoldo Camanho de Assis



É comum, na Justiça, o devedor argüir a impossibilidade de se ver executado, para cobrança do crédito hipotecário vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, pelo procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente, disciplinado no Código de Processo Civil. O argumento é o seguinte: se a Lei no. 5.471/71 cuida especificamente do procedimento para a cobrança executiva do crédito hipotecário vinculado ao SFH, a execução não pode, assim, seguir a trilha procedimental prevista no CPC. O caso seria de error in procedendo, com o que o devedor busca a anulação do processo e a repetição dos atos processuais, desde a citação, a fim de que seja observado o procedimento correto, previsto na legislação de regência ? especial em relação ao CPC ?, sobretudo no que se refere à exigência de a petição inicial vir acompanhada de dois avisos de cobrança, conforme entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça.

A argumentação impressiona, é certo, mas jamais a ponto de se poder afastar a aplicação das regras de procedimento previstas no CPC, apesar da legislação especial.

De início, pede-se vênia para enfocar o tema sob o aspecto eminentemente histórico. A esse propósito, ressalte-se que a Lei no. 5.471 data de 1º de dezembro de 1971, quando, como se sabe, ainda não tinha entrado em vigor o Código de Processo Civil de 1973. Vigia, à época, pois, o velho CPC de 1939, com todas as suas peculiaridades, sendo de se notar que uma delas era a falta de reconhecimento, na lei processual, acerca da eficácia executiva de títulos extrajudiciais. No revogado Código de 39, o Livro VIII cuidava da execução — mas da execução de sentença, apenas. E, mesmo assim, a doutrina não dava à execução o status de processo autônomo, destacado do processo de conhecimento, sobretudo diante da redação do art. 196, que sugeria a existência de uma “fase de execução” no processo de conhecimento (o que, de resto, acabou superado pelo Código atual, que consagrou a autonomia do processo executivo).

De outro lado, havia a possibilidade de propositura do que o Código de 39 chamava de “ação executiva” para a cobrança de alguns créditos especiais, como, por exemplo, o crédito hipotecário (art. 298, inciso VI). Mas o rito procedimental desse feito era bem diferente do que hoje se conhece para a execução por quantia certa contra devedor solvente. Naquela época, o devedor era citado para pagamento em 24 horas, sob pena de penhora. Após a penhora, e nos termos do que preceituava o art. 301, “o réu terá dez dias para contestar a ação, que prosseguirá com o rito ordinário”, o que deixava transparecer a absoluta impossibilidade de haver execução de título extrajudicial, da forma como hoje se procede.

Em outras palavras: não havia a presunção de liquidez, certeza e executividade própria dos títulos executivos. Não se partia, como hoje se faz, da certeza de que o autor da ação de execução é o credor e de que o réu é o devedor. Isso, ao contrário, devia ser objeto de prova em processo de conhecimento, pelo rito ordinário.

Nesse cenário, foi notável a inovação introduzida pela Lei no. 5.471/71, que, trilhando o bom caminho, aberto, já àquela altura, pela Exposição de Motivos do que viria a ser o novo Código de Processo Civil — apresentada ao Ministro da Justiça pelo Prof. Alfredo Buzaid em 8 de janeiro de 1964 —, permitia a cobrança executiva do crédito hipotecário independentemente de prolação de sentença condenatória e fugia ao procedimento comum ordinário, definitivamente reservado ao Processo de Conhecimento. A cobrança do crédito hipotecário tornou-se, assim, bem mais ágil, já que prescindia da necessidade de demonstração da eficácia executiva do instrumento por meio do qual se instituiu a hipoteca. Além disso, e como se afirmou, deixou de ser necessária a prolação de sentença condenando o devedor hipotecário ao pagamento para, somente ao depois, vir a ser instaurada a execução do julgado.

Tempos depois, em 1973, o novo Código reformou definitivamente as bases da execução, introduzindo a possibilidade de cobrança executiva de créditos constantes de títulos extrajudiciais e fazendo com que a execução por quantia certa seguisse, de modo praticamente igual, as bases do que havia sido inaugurado com a Lei no. 5.471/71 com relação à cobrança executiva de crédito hipotecário. A diferença mais sensível entre um e outro procedimentos é que, no primeiro, previsto na Lei no. 5.471/71, os embargos do devedor nem sempre suspendiam a execução. Só o faziam quando o executado alegasse e provasse que depositou por inteiro a importância reclamada na inicial ou que resgatou a dívida, oferecendo desde logo a prova da quitação (art. 5º, incisos I e II). No CPC, ao contrário, os embargos do devedor sempre suspendem o curso do processo executivo (art. 739, § 1º).

Ou seja, os procedimentos para a execução previstos na Lei no. 5.471/71 e no CPC são praticamente idênticos. A única parte em que há diferença visível é a referente aos efeitos do oferecimento dos embargos do devedor. Tal diferença é de fundamental importância, já que a execução prevista no CPC acaba sendo a mais vantajosa para o devedor. Nela, repita-se, caso oferecidos embargos, paralisa-se o curso do processo de execução, o que nem sempre acontecia na outra.

Com tais afirmações, pode-se concluir que a execução para a cobrança de crédito hipotecário vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação regulado pela Lei no. 5.471/71 tem o seu curso procedimental em tudo idêntico ao da execução por quantia certa prevista no CPC. Mas esta última se mostra menos gravosa ao devedor, daí porque, caso o credor hipotecário opte por cobrar seu crédito por meio da execução regulada no CPC, estará prestando expressiva homenagem ao princípio da menor onerosidade previsto no art. 620, do CPC.

Ora, se os procedimentos são em tudo iguais e se a única diferença entre um e outro favorece o devedor, pergunta-se: qual o prejuízo que a execução de crédito hipotecário vinculado ao SFH perseguido pelo procedimento previsto no CPC traz ao devedor? Responde-se: nenhum! Muito ao contrário, o procedimento previsto no CPC culmina por até mesmo beneficiar o devedor, que vê o processo executivo ficar paralisado enquanto aguarda o julgamento dos embargos que ofereceu, o que não aconteceria caso o rito procedimental fosse o da Lei no. 5.471/71.

Ora, se, à luz dos princípios que informam o sistema das nulidades processuais, somente se pode proclamar a nulidade se houver prejuízo e se, além disso, a parte não pode se beneficiar de sua própria torpeza — brocardos que vêm expressos em termos de direito positivo nos arts. 243, última parte, e 249, § 1º, ambos do CPC —, há de se concluir que o fato de a execução de crédito hipotecário vinculado ao SFH processar-se na forma prevista no CPC, e não pela via traçada na Lei no. 5.471/71, não é causa suficiente nem eficiente para se anular qualquer processo, nem há de se falar em impossibilidade jurídica do pedido que eventualmente conduza à extinção do processo sem avanço sobre o tema de mérito.

No que se refere à impossibilidade de se ajuizar ação de execução para a cobrança do crédito hipotecário sem que a petição inicial esteja acompanhada de dois avisos de cobrança, como exigido pela letra do art. 2º, inciso IV, da Lei no. 5.471/71, há de se rememorar, aqui, o que se disse pouco antes sobre as diferenças entre o rito procedimental da Lei no. 5.471/71 e o previsto no CPC. Caso tenha sido eleita a via procedimental regulada pela Lei no. 5.471/71, é imprescindível que a petição inicial da execução regulada por esse diploma legal seja instruída com “cópia dos avisos regulamentares reclamando o pagamento da dívida, expedidos segundo instruções do Banco Nacional da Habitação”, na forma do que estabelece o art. 2º, inciso IV, da multicitada lei. Tal recomendação acabou sendo referendada pela súmula da jurisprudência dominante do egrégio Superior Tribunal de Justiça, que, em seu enunciado 199, proclama textualmente que “na execução hipotecária de crédito vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, nos termos da Lei n. 5.471/71, a petição inicial deve ser instruída com, pelo menos, dois avisos de cobrança”. Isso servia para caracterizar a mora do devedor, diante da inexistência de presunção quanto à exigibilidade do débito, em face dos princípios que regiam as ações executivas, à época.

Quando, entretanto, a execução se afastar da trilha procedimental prevista na Lei no. 5.471/71, mas, ao contrário, seguir o procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente previsto no CPC, basta que a inicial seja instruída com o título executivo e com o demonstrativo do débito, como querem os artigos 583 e 614, incisos I e II, do Código. No sistema do CPC, e nos moldes da definição constante do art. 580, parágrafo único, “considera-se inadimplente o devedor, que não satisfaz espontaneamente o direito reconhecido pela sentença, ou a obrigação, a que a lei atribuir a eficácia de título executivo”. Ora, a presunção do inadimplemento do devedor pode ser afastada mediante prova inequívoca em sentido contrário — o recibo de pagamento, por exemplo. A mora do devedor resta definitivamente constituída pela sua citação no processo executivo, na forma do que estabelece o art. 219, do CPC.

Com tais fundamentos, há de se proclamar a concreta desnecessidade de serem juntados os avisos de cobrança, se a execução de crédito hipotecário vinculado ao SFH seguir o curso procedimental previsto no CPC.

Diga-se, em conclusão, que o credor hipotecário pode optar por cobrar seu crédito pela via da execução por quantia certa contra devedor solvente prevista no Código de Processo Civil, sobretudo porque, por ser mais vantajosa para o devedor, presta-se expressiva homenagem ao princípio da menor onerosidade, que informa o processo executivo. Por isso, e desde que esse seja o procedimento eleito, não se há de exigir que a petição inicial seja instruída com dois avisos de cobrança.

Fonte: Escritório Online


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