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Juizados Especiais Cíveis: a exata compreensão de seus princípios fundamentais

27/05/2005
 
Arnoldo Camanho de Assis



Os Juizados Especiais Cíveis, instituídos juntamente com os Juizados Especiais Criminais pela Lei no. 9.099/95, foram criados não com o propósito de desafogar a chamada Justiça Tradicional[1] , mas, ao contrário, para que fosse aberta mais uma via de acesso ao Poder Judiciário. Assim, e como demonstram as estatísticas, o volume de processos que tramitam perante as Varas Cíveis não diminuiu com a instalação da Justiça Especial — em vez disso, o que se fez foi garantir ao cidadão mais uma porta para que pudesse chegar à Justiça, para a solução de problemas que, pelo seu valor, em princípio jamais chegariam ao conhecimento de um juiz.

A Lei no. 9.099/95 fixou os princípios que informam o sistema dos Juizados Especiais no seu art. 2º. De acordo com essa disposição legal, “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”. Bem se vê, daí, que a legislação pretendeu criar sistema novo, diferente do tradicional, prestigiando a rapidez e a simplicidade, renunciando às fórmulas sacramentais e ao rigor formal. Aqui, o que importa é a transação, o acordo, e tudo deve ser pensado e feito à luz desse conjunto de princípios. Segundo Nelson Nery Júnior, há diferença entre princípios informativos e princípios fundamentais. Os princípios informativos são quase como que axiomas, já que, para sua aceitação, dispensam maiores indagações e não necessitam ser demonstrados. Não possuem conteúdo ideológico. São os princípios lógico, jurídico, político e econômico. Nery Júnior acrescenta, fazendo a diferenciação, que “os princípios fundamentais são aqueles sobre os quais o sistema jurídico pode fazer opção, considerando aspectos políticos e ideológicos e, por isso, dependem dos critérios do sistema que os está adotando”[2] .

Assim, e como o legislador elegeu tais princípios como norteadores da atividade jurisdicional nos Juizados Especiais, optando por lhes dar prevalência sobre vários outros que poderia ter escolhido, certo é que, como princípios fundamentais, devem orientar o desenvolvimento da atividade jurisdicional na Justiça Especial.

Por isso é que, nos Juizados Especiais, deve-se dar menos valor às formalidades, prestigiando-se mais o conteúdo em detrimento da forma; deve-se valorizar a celeridade, a simplicidade, a oralidade e a economia processual. À luz de tais princípios, e sempre levando em consideração que o processo é simples meio e não fim em si mesmo e que, segundo o processualista uruguaio Eduardo Couture, “o processo pelo processo não existe”[3] , não deve haver mesmo dúvida de que é preciso atender aos fins e às idéias normativas do legislador histórico[4] , transformando o processo que tramita nos Juizados Especiais em meio ágil e eficiente em busca da prestação jurisdicional justa.

Se tudo isso é certo, por um lado, não é menos correto, por outro, que não se deve levar isso tudo a extremos. Transformar princípios fundamentais em objetivos únicos a serem atingidos, dissociando-os do todo em que devem ser aplicados, é atitude que culmina por descaracterizar a instrumentalidade que há de servir, sempre, como norte de interpretação das normas processuais. E isso se traduz, em outras palavras, no que Cândido Rangel Dinamarco chama de “aspecto negativo da instrumentalidade”[5] , fazendo com que se desvirtue o princípio em si, afastando o processo do seu fim último, que é a justiça na prestação da tutela jurisdicional.

Dinamarco, a esse propósito, leciona, litteris:

“Não se trata de ‘desprocessualizar’ a ordem jurídica. É imenso o valor do processo e nas formas dos procedimentos legais estão depositados séculos de experiência que seria ingênuo querer desprezar. (...) Por outro lado, a observância empírica da ordem processual e das formas do procedimento, com prevalência da cláusula ‘due process of law’ [N. do A.: “devido processo legal”], é reconhecidamente penhor de segurança para os contendores”[6] .

Nelson Nery Júnior, a seu turno, reforça a lição de Dinamarco e faz o seguinte comentário sobre o exato alcance da cláusula “due process of law”, verbis:

“Resumindo o que foi dito sobre esse importante princípio, verifica-se que a cláusula ‘procedural due process of law’ nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter ‘his day in Court’ [N. do A.: “seu dia no tribunal”], na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos”[7] .

Além disso, e como se disse antes, não se pode erigir valores proclamados em princípios fundamentais como metas a serem alcançadas, desprestigiando o próprio sistema em que se encontram inseridos. A finalidade última do processo é a prestação jurisdicional justa e eficaz[8] e, para tanto, é obrigatório prestigiar determinadas formalidades, sem que, com tal atitude, se esteja contrariando o sistema dos Juizados Especiais. Por isso é que, segundo o processualista francês Gérard Couchez, professor da Universidade de Paris, “se o formalismo é coisa indispensável, convém lutar contra o seu excesso, sem perder de vista, notadamente, que a forma deve ser respeitada não por ela mesma, mas na medida em que ela constitua garantia de boa justiça”[9] . Alcalá-Zamora Y Castillo, em memorável debate realizado na Faculdade de Direito da Universidade do México em 1947, assinalou que “os princípios que devem reger a interpretação da norma processual são os de justiça, eficácia, rapidez e economia, devendo, em caso de choque entre os quatro, prevalecer os dois primeiros”[10] .

Isso significa, em outras palavras, que o juiz não está autorizado a passar por cima de regras elementares de processo ao argumento de estar pretendendo prestigiar os princípios que informam o sistema dos Juizados Especiais. Ou seja, não se pode pretender transformar princípios que servem a orientar a atividade processual nos Juizados Especiais na finalidade última do processo que ali se desenvolve, como se fosse possível desprezar todo o resto e sustentar determinadas atitudes por vezes ilegais, ou, até mesmo, inconstitucionais, no argumento simplista de “estar aplicando os princípios fundamentais do sistema”. Tal comportamento, em última análise, e ao invés de merecer elogios, presta notável desserviço ao processo e à Ciência Processual.

Como se viu, os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade devem ser aplicados à luz dos princípios constitucionais de processo, daí porque se deve buscar a interpretação da lei em conformidade com a Constituição[11] e não o contrário. É essa a exegese que prestigia o querer constitucional, sem o que não se alcança a realização concreta do princípio do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, da Constituição da República).


Notas do texto:


[1] Neste estudo, optou-se pelas expressões “Justiça Especial”, toda vez que se fizer referência ao sistema instituído pela Lei no. 9.099/95, e “Justiça Tradicional” quando se tratar da Justiça comum, organizada antes do advento desse diploma legal e submetida às regras processuais tradicionais.

[2] Nelson Nery Júnior, in “Recursos no Processo Civil: Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos”, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2ª edição, 1993, pág. 243.

[3] Essa é, em todas as letras e no original em Espanhol, a lição de Couture: “la idea de proceso, decíamos, es necesariamente teleológica, pues sólo se explica por su fin. El processo por el processo no existe” (in “Fundamentos de Derecho Procesal Civil”, Ediciones Depalma, Buenos Aires, 3ª edição, 1990, pág. 145.

[4] Karl Larenz, in “Metodologia da Ciência do Direito”, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Coimbra, Portugal, 2ª edição, 1989, pág. .

[5] Cândido Rangel Dinamarco, in “A instrumentalidade do processo”, Malheiros Editores, São Paulo, 8ª edição, 2000, pág. 267.

[6] Dinamarco, op. cit., págs. 268/269.

[7] Nelson Nery Júnior, in “Princípios do Processo Civil na Constituição Federal”, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 5ª edição, 2ª tiragem, 1999, pág. 40.

[8] Ainda segundo Couture, “o fim da jurisdição é assegurar a efetividade do direito” (op. cit., pág. 44).

[9] Em tradução livre do original em Francês: “(...) si le formalisme est chose indispensable, il convient de lutter contre ses excès et ne point perdre de vue, notamment, que la forme ne doit pas être respectée pour elle-même, mais en tant qu’elle constitue une garantie de bonne justice” (Gérard Couchez, in “Procedure Civile”, Éditions Dalloz-Sirey, Paris, 7ª edição, 1992, pág. 04.

[10] A referência encontra-se na obra “Interpretação das Leis Processuais”, de Eduardo Couture (Editora Forense, Rio de Janeiro, 3ª edição, 1993, pág. 64), que inclui a transcrição dos debates que se seguiram às conferências que o notável processualista uruguaio proferiu na Universidade do México em 1947. Participaram do debate, além de Couture, Niceto Alcalá-Zamora Y Castillo, José Castillo Larañaga, Roberto Estevam Ruiz, Eduardo Garcia Maynez, Gabriel Garcia Rojas, Ignacio Medina, Emílio Pardo Aspe, Rafael de Pina, Luís Recaséns Siches, Alberto Trueba Urbina e Virgílio Dominguez, que presidiu a Mesa Redonda.

[11] Sobre o critério da interpretação conforme à Constituição, vejam-se os ensinamentos de Karl Larenz (“Metodologia da Ciência do Direito”, págs. 410 a 414), José Joaquim Gomes Canotilho (“Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador”, págs. 404 a 406) e Karl Engisch (“Introdução ao Pensamento Jurídico”, págs. 147 e 148). Inocêncio Mártires Coelho, a respeito desse tema, observa que “em face de normas infra-constitucionais polissêmicas ou plurissignificativas, deve-se dar prevalência à interpretação que lhes confira sentido compatível e não conflitante com a Constituição, não sendo permitido ao intérprete, no entanto — a pretexto de conseguir essa conformidade — contrariar o sentido literal da lei e o objetivo que o legislador, inequivocamente, pretendeu alcançar com a regulamentação” (“Interpretação Constitucional”, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1998, pág. 92).

Fonte: Escritório Online


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