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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Civil


Execução de crédito hipotecário pela Lei 5.471/71: o mandado para a desocupação do imóvel pelo terceiro adquirente e o devido processo legal

27/05/2005
 
Arnoldo Camanho de Assis



Nas transações imobiliárias, é freqüente que o mutuário negocie o imóvel com um terceiro, sem o conhecimento da instituição financeira, sobretudo para ver preservadas as bases do contrato de mútuo. A operação se dá apenas entre o mutuário originário e o terceiro adquirente, à revelia da instituição mutuante ? e é por isso que tal operação acabou ficando conhecida como “contrato de gaveta”. Com isso, mantêm-se inalteradas as prestações e, por igual forma, o saldo devedor. O terceiro paga ao mutuário uma espécie de ágio e assume as prestações daí para a frente. O negócio é arriscado, como se sabe, para ambas as partes. Para o mutuário, porque continua como obrigado perante a instituição financeira; para o terceiro, porque pode honrar pontualmente o pagamento das obrigações em nome de outrem e, ao final, ver frustrada a pretensão de ter o imóvel registrado em seu nome, diante da negativa do verdadeiro mutuário.

Em geral, acaba acontecendo de o terceiro simplesmente parar de efetuar o pagamento das prestações vincendas e, apesar disso, continuar a residir no imóvel hipotecado. Como conseqüência, a instituição financeira credora ajuíza ação de execução, valendo-se do procedimento especial previsto na Lei no. 5.471/71. Um dos artigos desse diploma legal, o art. 4o, em seu parágrafo 1o, permite a expedição de mandado de desocupação ao terceiro ocupante, quando o executado não estiver na posse direta do imóvel, para que o entregue ao exeqüente no prazo de dez dias. Eis a redação do dispositivo em comento:

“Art. 4o. – Se o executado não pagar a dívida indicada no inciso II do art. 2o., acrescida de custas e honorários de advogado ou não depositar o saldo devedor, efetuar-se-á a penhora do imóvel hipotecado, sendo nomeado depositário o exeqüente ou quem este indicar.
§ 1o. – Se o executado não estiver na posse direta do imóvel, o juiz ordenará a expedição de mandado de desocupação contra a pessoa que o estiver ocupando, para entregá-lo ao exeqüente no prazo de 10 (dez) dias. (...)”.


Quando isso acontece, ou seja, quando o exeqüente pede a expedição do mandado de desocupação ao terceiro adquirente, é comum pretender obstaculizar o cumprimento de tal ordem ao argumento de que o art. 4o, § 1o, da Lei no. 5.471/71, não teria sido recepcionado pela ordem constitucional inaugurada em 1988, sobretudo porque estaria a malferir o princípio do devido processo legal, insculpido no art. 5o, inciso XXXV, da Constituição Federal, a garantir que “ninguém será privado da liberdade, ou de seus bens, sem o devido processo legal”.

Tal argumentação impressiona, à primeira análise, uma vez que não há, com efeito, como transigir com o princípio do devido processo legal. Entretanto, não se pode proclamar a incompatibilidade vertical do art. 4o, § 1o, da Lei no. 5.471/71, com o Texto Constitucional.

Com efeito, note-se que a garantia constitucional refere-se à impossibilidade de se privar alguém de bens de sua propriedade (“... seus bens...”) sem que, para tanto, se desenvolva, de forma válida e regular, a relação de direito processual, nos moldes do que estabelece a lei. Assim, ninguém poderá vir a perder a propriedade de seus bens sem que tenha tido acesso ao processo, com as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição, da proibição de produção de prova ilícita e outros. Tal princípio (“due process of law”) foi imposto pelos camponeses ao Rei João Sem Terra, para que fosse possível conter a sanha da Monarquia pelas terras. O Rei, que tudo podia e que nada fazia de errado (“the king can do no wrong”), simplesmente se assenhoreava das terras que lhe aprouvessem, sem maiores formalidades. Assim, revoltados, os lavradores impuseram sua vontade no documento escrito que passou a ser chamado de Magna Carta, obrigando o Rei João Sem Terra a assiná-la (1215) e garantindo minimamente seus direitos ? e suas propriedades.

Esse foi, em brevíssima síntese, o contexto histórico em que surgiu a famosa Magna Carta – imposta pelo povo contra o poder absoluto do Monarca. Depois, esse bordão (“due process of law”) passou a ser adotado em outros textos de índole constitucional, como a Constituição de Virgínia de 1776, chegando mesmo à Constituição Brasileira, com o que se garante que ninguém se veja demitido de sua propriedade sem processo.

A inequívoca admissão desse importantíssimo princípio no sistema constitucional-processual brasileiro não significa, entretanto ? e no que diz respeito ao caso em exame ?, que a possibilidade cogitada pelo art. 4o., § 1o., da Lei no. 5.471/71, tenha ficado à margem da ordem constitucional.

Veja-se que, em boa verdade, não se trata de se desrespeitar o direito à propriedade. Aliás, nem se discute propriedade aqui. O ocupante do imóvel não é o proprietário que venha, eventualmente, a ficar privado de bem de sua propriedade sem o devido processo legal. Cuida-se, antes, de mera posse, de simples detenção, que não tem o condão de se sobrepor ao direito do credor com direito real de garantia. Mais: mesmo se se admitir a possibilidade de haver defesa da posse, por meio dos interditos possessórios, resta induvidoso, aqui, que a origem da posse do ocupante do imóvel é viciada, vez que adquirida clandestinamente ? à revelia do conhecimento do credor hipotecário, o que é expressamente vedado pelo contrato em que se instituiu a garantia real.

Por outro lado, a circunstância de as determinações judiciais em processos envolvendo partes A e B alcançarem um terceiro C não infirma nem desautoriza o princípio do devido processo legal. Outro exemplo bastante significativo de uma ordem judicial alcançar alguém que não faça parte do processo é a que se lê no art. 42, § 3o., do CPC. No caput desse artigo, se lê que “a alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade de partes”. E tanto não altera que, como diz o § 3o., “a sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário”. O que se tem, aqui, é, até mesmo, mais interessante, na medida em que culmina por relativizar o princípio (absoluto) segundo o qual “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros” (art. 472, do CPC). Ora, se até mesmo os chamados “limites subjetivos da coisa julgada” podem ser estendidos ao adquirente, a fim de se permitir o cumprimento da sentença, com mais razão se há de entender possível a flexibilização do alcance dos comandos judiciais decorrentes de simples decisões interlocutórias, como é a que determina a desocupação do imóvel hipotecado por quem não prova, por meio de justo título, que é o seu vero proprietário.

Os dispositivos legais ora referidos (art. 4o., § 1o., da Lei no. 5.471/71, e o art. 42, § 3o., do CPC), ao contrário do que possa parecer, estão em perfeita harmonia com o querer constitucional, uma vez que prestigiam o processo ? e não a força física (autocomposição) ? como instrumento de solução de litígios. Aliás, somente pode haver desapossamento de bens, em um e outro casos, se houver determinação judicial emanada de processo regular. Eis aí o prestígio ao princípio do devido processo legal, do que decorre a inequívoca constitucionalidade do artigo em comento.

Este egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal vem entendendo possível a aplicação do dispositivo em análise, como se vê dos seguintes arestos, litteris:

“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MANDADO DE DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL DECORRENTE DE PROCESSO DE EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. LEI NO. 5.471/71. LEGALIDADE. (...) 2. Não há injustiça, arbitrariedade ou unilateralidade na decisão que ordena a desocupação de imóvel, objeto da execução hipotecária, tratando-se, apenas, da exata aplicação do disposto no § 1o., do art. 4o., da Lei no. 5.471/71 (...)” (TJDF, 3a. Turma Cível, APC 52.471/99, Rel. Des. Campos Amaral, julgado em 25.10.99, unânime).
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“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL – MANDADO DE DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL DECORRENTE DE PROCESSO DE EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA – LEI NO. 5.471/71 – LEGALIDADE – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO À UNANIMIDADE. I – O art. 4o., § 1o., da Lei no. 5.471/71, autoriza a expedição de mandado de desocupação contra terceiro ocupante irregular. II – Tal preceito foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (...)” (TJDF, 3a. Turma Cível, AGI no. 2002.00.2.005294-4, Rel. Des. Wellington Medeiros, julgado em 07.10.02, unânime)
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O precedente do colendo Supremo Tribunal Federal, a que se referiu este último julgado, é o RE no. 102.522-1/SP (RT 607/238), sendo certo que, do voto do eminente Ministro Aldir Passarinho se extrai o seguinte trecho, verbis:

“Entretanto, no caso, o que a rigor se há de verificar é se o aludido § 1o. do art. 4o. da Lei no. 5.471/71 ? cuja constitucionalidade não mais se discute ? permite o procedimento adotado” (grifou-se).

Se não há, assim, e como se vê, nenhum vício de constitucionalidade no dispositivo que dá suporte à pretensão do agravante ? e se, além disso, a desocupação pretendida ainda enfatiza outro princípio processual, o da efetividade ?, há de se proclamar a tranqüila possibilidade de expedição de mandado de desocupação contra o terceiro ocupante do imóvel hipotecado, sem que, com isso, se esteja violando aquele que talvez seja a matriz dos demais princípios constitucionais processuais, qual seja o princípio do devido processo legal.

Fonte: Escritório Online


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