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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Civil


A instrumentalidade do processo e as tutelas de urgência

01/06/2005
 
José de Ribamar Castro



INTRODUÇÃO


Indubitavelmente, o maior problema que assola a Justiça de nosso país é a sua reconhecida “morosidade”. Esta se observa não somente pela pequena quantidade de juízes, ou deficiência no aparelhamento do Poder Judiciário, porque, talvez, o ponto mais culminante em que os cidadãos concebam a “morosidade da Justiça” resida na falta de instrumentos hábeis a realizar todas as pretensões de direito material, dada a universalização do procedimento ordinário.

A partir de uma perspectiva legal e axiológica, tem-se no princípio da instrumentalidade do processo e no princípio constitucional da inafastabilidade meios que obrigam o legislador a adotar novos mecanismos para a solução dos conflitos, em todos os seus aspectos.


O PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE E A NECESSIDADE DE TUTELAS DE URGÊNCIA


O princípio da instrumentalidade do processo revela as formas pré-dispostas da legislação processual atinentes à realização do direito material das partes. Em outras palavras, referido princípio indica a prévia existência de normas processuais a assegurar e realizar todas as relações jurídicas de direito material. O princípio da instrumentalidade, segundo RUI PORTANOVA, mantém o processo preocupado com a lógica do procedimento e sua celeridade, mas, também, busca ser mais acessível, mais público e mais justo[1].

Segundo HORÁCIO WANDERLEI RODRIGUES[2], “para que o Estado possa fazer valer o seu direito, quando não é ele cumprido espontaneamente, é necessária a existência de um segundo nível de normas gerais estatais: o direito processual”.

Na última década, houve um relevante progresso no direito processual civil brasileiro. No entanto, este progresso não significou o mesmo avanço na Justiça em si considerada, que tem por escopo e fim último a pacificação social. O processo sempre foi instrumental. Agora, porém, vigorando como princípio, o instrumentalismo se impõe de forma radicalmente diferente de outrora, pois antes havia apego às formas e era concebida a idéia de universalização do procedimento ordinário como solução para todos os males. Como afirma RUI PORTANOVA, “O instrumentalismo não é mais tão nominal e formal, é instrumentalismo a serviço do material e do substancial ”[3].

Atualmente, a tendência é a de se firmar tutelas hábeis a solucionar – assegurando e realizando – todos os conflitos suscitados pelas partes. A relação jurídica de direito material deve ser assegurada de modo a não haver a perda do direito pela inexistência ou ineficiência das normas processuais, em razão do apego às suas formalidades.

As modernas tendências sobre o processo civil brasileiro têm demonstrado que o legislador há de se afastar da tradicional universalização do procedimento ordinário, a fim de se colmatar várias lacunas no sistema processual de tutela de direitos. Nesse pormenor, LUIZ GUILHERME MARINONI afirma que “em determinada época, a instrumentalidade do processo foi confundida com a sua neutralidade em relação ao direito material; seria necessária apenas uma espécie de procedimento e este, acreditou-se, teria aptidão para propiciar tutela adequada às diversas situações de direito material ”[4].

Nesse aspecto, notou-se que o procedimento ordinário não se apresentava adequado e hábil à solução de todas as pretensões de direito material propostas pelos cidadãos perante o Judiciário. Há situações de perigo que não são protegidas pelas normas processuais – razão pela qual, em muitos casos, o processo civil pátrio não atende às suas finalidades, porque deixa periclitar direito pela falta de efetividade, ou seja, pela falta de meios hábeis à realização eficaz do provimento judicial, que somente teria utilizado se fosse urgentemente realizado no plano dos fatos.

Ademais, há de se lembrar que o processo civil brasileiro, em seu atual estágio, tende a superar o mito da “nulla executio sine titulo”: A vetusta sistemática processual civil de nosso país exigia um juízo de certeza para o reconhecimento de uma afirmação de direito, ou seja, mesmo diante de provas eloqüentes e convincentes, o litigante somente alcançava a almejada prestação jurisdicional após longa marcha processual. Todavia, proferida a sentença (juízo de certeza), com o seu trânsito em julgado, o demandante vitorioso obtinha não o bem da vida pretendido (consideradas algumas exceções, como as ações declaratórias), mas tão-somente um título executivo, cabendo-lhe novamente provocar o Poder Judiciário para executar o seu direito.

Percebe-se, desse modo, que, com a velha sistemática processual, até o demandante vitorioso ter satisfeito o seu direito, era vítima de recursos e incidentes no processo de conhecimento e, após, na execução de sentença, teria que esperar pelo julgamento de embargos e outras impugnações.

Por isso é que SÉRGIO SAHIONE FADEL[5] afirma que, teoricamente, o autor começa a ação perdendo, pois a demora na obtenção do bem da vida pretendido significa a sua preservação ou manutenção no patrimônio do réu.

Com essas palavras, entende-se que o princípio da “nulla executio sine titulo”, que deve ser superado, significa que não é possível execução enquanto não houver sentença, tendo em vista o “juízo de certeza” formado e a “segurança jurídica” daí advinda.

Como cabalmente demonstrado por LUIZ GUILHERME MARINONI[6], “o procedimento ordinário, como é intuitivo, não é adequado à tutela de todas as situações de direito substancial e, portanto, a sua universalização é algo impossível”.

As novas exigências de uma sociedade urbana de massas, envolta em inúmeras novas situações de direito material, bem mais peculiares, amplas e constantes, além do relevo conferido a novos direitos, como o ambiental e o do consumidor, tornam inaceitável a morosidade da Justiça imposta pelo procedimento ordinário – que tem se revelado ineficiente para a tutela de direitos urgentes.

Assim, procuraram-se novos meios de cognição para a tutela de interesses que, caso não reconhecidos urgentemente, pereceriam. Desta feita, buscou-se outra forma de “conhecimento” e efetivação de direitos, mais célere e eficiente que a cognição exauriente.

Como exemplo, houve um grande avanço no direito processual brasileiro com a criação do instituto da antecipação de tutela, a fim de que, através de juízo de verossimilhança, aferível através de cognição sumária, possa se satisfazer o direito do autor no plano dos fatos, ficando para etapa posterior o reconhecimento em definitivo da afirmação de direito, revogando ou ratificando o juízo provisório.

A história da Justiça brasileira tem demonstrado que o apego ao formalismo exagerado e às técnicas tradicionais do procedimento ordinário tem deixado à margem da Justiça uma imensidão de direitos, os quais ficam desamparados pela ineficiência e inefetividade do processo civil, pois, como já se afirmou, a parte lesada que procura o Judiciário não obtém, de imediato, a realização da Justiça.

Por essas razões, é que MARIA ROSYNETE OLIVEIRA LIMA adverte que “a obediência cega a um ritual estabelecido, desprovido da necessária interação com a ordem constitucional em vigor e o caso concreto, pode resultar em uma justiça apenas aparente ”[7]. Logo, diante do princípio da instrumentalidade do processo, as regras atinentes à realização do direito (normas processuais) têm tido uma nova concepção do legislador, pois, ultimamente, tem se afastado do formalismo exagerado, bem como da universalização do procedimento ordinário, para conferir aos jurisdicionados meios hábeis à satisfação dos direitos urgentes.

Considerando essa problemática do direito processual civil brasileiro, há de se ressaltar a disposição do artigo 5º, inciso XXXV[8], da Constituição Republicana, como normas em que o Estado se compromete a assegurar e realizar todas as pretensões de direito material.

Todo cidadão tem direito à adequada tutela jurisdicional, o que, – pelo compromisso do Estado em fornecer Justiça, dizer o direito – exige-se a estruturação de procedimentos capazes de fornecê-la de forma adequada ao plano do direito material, ou seja, colocar à disposição instrumentos processuais hábeis a todas as situações de lesões a direito material, como nos casos dos direitos urgentes e em estado de periclitação, por exemplo.

No atual ordenamento jurídico brasileiro, em atenção à disposição do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal da República, revela-se inaceitável que o Estado não forneça ao cidadão provimentos e procedimentos adequados à afirmação de direito material, a ser realizado antecipadamente quando se encontrar em situação de perigo.

Tendo o Estado abolido a justiça por mãos próprias, certamente, obrigou-se a colocar à disposição da sociedade os mecanismos processuais (além de outros) para a solução hábil e eficaz de todos os conflitos. A negativa do Estado quanto a esse compromisso culmina no desprezo pelo Poder Judiciário, principalmente, pelos prejuízos causados às partes pela inefetividade do processo.

A respeito do princípio da inafastabilidade e o compromisso do legislador daí advindo, LUIZ GUILHERME MARINONI[9] explica que “Nessa perspectiva deve surgir, então, a resposta intuitiva de que a inexistência de tutela adequada a determinada situação conflitiva corresponde à própria negação da tutela a que o Estado se obrigou quando chamou a si o monopólio da jurisdição, pois o processo deve ser visto como uma espécie de contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela”.

Logo, uma afirmação de direito material considerada existente pelo Judiciário, em razão de uma situação de perigo e dano iminente, requer procedimento e provimento diferenciados, ou seja, normas processuais e decisões adequadas a essa particular situação de direito substancial, a fim de que possibilitem resultado igual ao que seria obtido se espontaneamente observados os preceitos legais.

Como conseqüência dessa obrigação, houve grande avanço com a consciência do acesso à Justiça, tais como a Lei dos Juizados Especiais, a Lei de Arbitragem, a Assistência Judiciária, a antecipação de tutela e as recentes alterações nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil com a promulgação da Lei nº 10.444/2002 etc.

Portanto, diante das falhas ainda existentes na legislação processual civil pátria, atinente aos casos em que não se assegura e nem se realiza de forma eficiente o direito material das partes, ainda há muito que se mudar para que o processo civil atenda às suas finalidades, muitas delas relacionadas à proteção excessiva da Fazenda Pública, por exemplo.


CONCLUSÕES


À guisa de conclusão, entende-se que não basta ao Poder Legislativo editar normas que reconheçam direitos aos cidadãos. Pelo princípio da instrumentalidade do processo e sua íntima relação com o princípio da inafastabilidade (Art. 5, XXXV, da CF/88), o Estado está obrigado a conferir aos jurisdicionados meios hábeis a solucionar, de forma eficaz, todas as tutelas pretendidas.

Por isso é que se deve superar a universalização do procedimento ordinário, bem como a ilusão de que somente através de “juízos de certeza” pode-se reconhecer e conferir o direito à parte lesada de forma efetiva e eficaz.


BIBLIOGRAFIA


FADEL, Sérgio Sahione. Antecipação da tutela no processo civil. São Paulo: Dialética, 1998.

LIMA, Maria Rosynete Oliveira. Devido processo legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994.

PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994.


Notas do texto:


[1] Princípios do processo civil. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 49.

[2] Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 25.

[3] Id. Ibid., ,p. 25.

[4] Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994, p. 14.

[5] Antecipação da tutela no processo civil. São Paulo: Dialética, 1998, p. 07.

[6] Efetividade, Op. cit., p. 4.

[7] Devido processo legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 244.

[8] CF/88, art. 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”;

[9] Efetividade, Op. cit., p. 66.

Fonte: Escritório Online


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