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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


A acareação no Código de Processo Penal

27/06/2005
 
Rômulo de Andrade Moreira



A acareação (também denominada de confrontação ou acareamento) é um meio de prova previsto expressamente no Código de Processo Penal, disciplinado nos arts. 229 e 230 e também referido no art. 6º., VI, segunda parte.

A palavra vem do verbo acarear que significa, segundo Aurélio, "pôr cara a cara, ou frente a frente" e consiste em submeter testemunhas, acusados e vítimas a novas inquirições, desta vez em relação a pontos divergentes detectados em seus anteriores depoimentos e que digam respeito a fatos e circunstâncias relevantes para a causa, ou seja, que possam, em tese, concorrer "diretamente para a condenação ou absolvição do acusado, e, no caso de condenação, para a maior ou menor gravidade da penal"[1] . Pressupõe, portanto, um anterior depoimento de uma daquelas pessoas, bem como a constatação de contradições, no todo ou em parte, nas respectivas declarações.

Pode ser realizada entre os próprios acusados, ofendidos ou testemunhas, como também entre uns e outros, ou seja, entre acusado e ofendido, entre ofendido e testemunha e entre testemunha e acusado. É, por isso, como bem definiu Frederico Marques, um depoimento em conjunto.[2]

Em relação à acareação entre acusados e testemunhas ou ofendidos já advertia Borges da Rosa que "deve ser feita com muita circunspecção, a fim de não revestir um aspecto irritantemente inquisitorial". Dizia o mestre, então, que nestes casos a acareação "só poderá versar sobre fatos ou circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade, porém, que não obriguem o acusado a depor contra si próprio, acusando-se e condenando-se de maneira direta".[3] Aliás, como veremos adiante, a ninguém é dado auto-acusar-se, nem tampouco a produzir qualquer prova que lhe seja desfavorável.

Talvez por isso alguns países como a Itália, a Alemanha e a Áustria só prevejam este tipo de prova entre as testemunhas, únicas que teriam o dever de dizer a verdade.[4]

Este meio de prova será produzido a partir do requerimento das partes, assim que surja a necessidade e até a fase do art. 499 do CPP, de ofício pela autoridade judiciária competente, ainda que em grau de recurso (CPP, arts. 156 e 616) ou, ainda, por iniciativa do Delegado de Polícia na fase do inquérito policial (art. 6º., VI, CPP), sempre que for necessário para o esclarecimento do thema probandum.

Evidentemente que o réu ou o indiciado não está obrigado a submeter-se a este meio de prova tendo em vista a proibição da auto-incriminação consagrada no art. 8º., 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969) e no art. 14, 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York (assinado em 19 de dezembro de 1966), ambos já incorporados ao nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente, do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.

Como se disse inicialmente, a acareação se procede a partir da constatação de ponto relevante sobre o qual as declarações anteriores foram divergentes. Os acareados serão notificados a comparecer e reperguntados para que esclareçam a divergência nas suas declarações, reduzindo-se a termo o ato de acareação. Este termo é fundamental para a validade da prova, servindo como um documento comprobatório da realização e da idoneidade da prova colhida.

Se um dos sujeitos da acareação (e não somente a testemunha como deixa entrever o art. 230) não estiver na comarca do juízo processante, ou seja, encontrar-se ausente do local onde tramita a ação penal, a outra pessoa que está presente na comarca será notificada e informada da divergência detectada nos dois depoimentos, lavrando-se um auto de tudo o que ocorrer. Se persistir a discordância, deverá ser expedida carta precatória à autoridade do lugar onde se encontre o outro sujeito, devendo ser transcritas as duas declarações nos pontos em que divergirem, bem como o texto daquele auto, complementando-se a diligência com a ouvida no Juízo deprecado do depoente ausente. Observa-se que esta diligência não se realizará quando significar injustificada dilação processual, mas, contrariamente, apenas será produzida quando a autoridade a entenda conveniente e necessária para a descoberta da "verdade real"[5] (art. 230, in fine). O indeferimento pode ser remediado mediante a interposição de habeas corpus (se a solicitação tem como escopo produzir prova favorável ao acusado ou ao indiciado), da correição parcial ou mesmo do mandado de segurança (nas demais hipóteses).

Como bem notou Camargo Aranha este tipo de acareação entre ausentes é de duvidosa utilidade (para ele, aliás, de nenhuma utilidade), visto que "o fator fundamental da acareação é o vínculo psicológico resultante das presenças, 'cara a cara', das pessoas cujos depoimentos foram conflitantes".[6]

É importante ressaltar a desnecessidade de se prestar novo compromisso quando da acareação, pois não se trata verdadeiramente de um novo depoimento, mas de uma mera complementação daquele que já foi prestado. O juramento feito anteriormente, portanto, é como se estendesse o seu efeito moral às declarações futuras.

Para finalizar, trazemos à colação a lição de Valentin Cortés Dominguez, Catedrático de Direito Processual na Universidade Autônoma de Madri, para quem "el careo, que etimológicamente significa colocar 'frente a frente' o 'cara a cara' a dos o más personas para la finalidad que sea, constituye un medio de prueba consistente en la confrontación de las declaraciones de los testigos o de los imputados entre sí, o de aquéllos con éstos, dirigido al esclarecimiento de la verdad de algún hecho o de alguna circunstancia que tenga interés para el proceso y sobre cuyo extremo las declaraciones prestadas con anterioridad por dichas personas fueron discordantes."[7]


Notas do texto:

[1] Inocêncio Borges da Rosa, Processo Penal Brasileiro, Porto Alegre: Globo, Vol. 2, 1942, p. 80.

[2] José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 1ª. ed., 2ª. tiragem, Campinas: Bookseller, Vol. II, 1998, p. 316.

[3] Inocêncio Borges da Rosa, ob. cit. p. 82.

[4] A respeito do dever de dizer a verdade confira-se os artigos sobre interrogatório, prova testemunhal e perguntas ao ofendido, nesta mesma obra.

[5] Aspeamos a expressão, pois, concordamos com Marco Antonio de Barros, no sentido de que "já não se atribui sentido lógico e útil ao emprego das expressões ´princípio da verdade material´ e ´princípio da verdade formal´, notadamente porque destituídas de base científica que justifique a distinção por elas enunciada. Tais princípios perderam aquele encanto que seduziu intensamente a doutrina antiga, pois, seja no processo civil, seja no processo penal, interessa hoje pura e simplesmente descobrir a verdade, atributo de um juízo racional no qual firma-se a certeza do julgador. E a verdade possível de ser descoberta na ação penal é apenas e tão-somente a ´verdade processual´". (A Busca da Verdade no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2002, p. 286).

[6] Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, Da Prova no Processo Penal, 5ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 130.

[7] Valentín Cortés Domínguez e outros, Derecho Procesal Penal, Madrid: Colex, 1999, p. 657.

Fonte: Escritório Online


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