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Da limitação dos juros no contrato de abertura de crédito em conta-corrente

17/08/2005
 
Gustavo Fuscaldo Couri



Prima Facie cabe destacar que a relação que advém do contrato de abertura de conta é de serviço de natureza bancária, portanto se submete a tutela da Lei 8078/90 (CDC), como orienta a redação do parágrafo 2º do art. 3º da referida lei, entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça através do verbete da súmula 297, in verbis, “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”, julgado em 12 de maio de 2004 e publicado no DJ de 9 de setembro de 2004 página 149. No STF a questão ainda não está pacificada, aguarda julgamento a ADIN 2591 que questiona a constitucionalidade do citado dispositivo.

A abertura de crédito, contrato bancário típico, consiste na disponibilização de um crédito pré-contratado pelo banco ao consumidor através de um contrato que fixa limites, prazos, acréscimos, número e periodicidade das prestações nos termos do art. 52 do CDC, estando o infrator sujeito às penalidades (detenção e multa) do art. 66 do mesmo diploma legal. A utilização da abertura de crédito se dá, geralmente, por meio de uma conta corrente. Enquanto os juros são o preço do produto “dinheiro”, ou seja, visa restituir ou compensar ao titular do bem móvel (dinheiro) pela sua utilização, que no caso da abertura de crédito visa remunerar a instituição fornecedora do crédito.

Após a breve conceituação vale destacar a evolução histórica atinente ao tema, trazendo a baila a Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1.916, Código Civil ab-rogado, artigos 1.062 ao 1.064 que tratavam sobre os juros legais de forma geral. Tal ordenamento tratava dos juros da mora ou ainda, os juros remuneratórios quando as partes deixassem de pactuar seu percentual. Em ambos os casos, a lei ab-rogada limitava tal percentual em 6% ao ano (ou 0,5% ao mês) possibilitando ainda no contrato de empréstimo de dinheiro, a estipulação de taxa superior à acima identificada, desde que existisse previsão contratual.

Em 7 de abril de 1.933, com a necessidade de melhor regulamentação foi editada a “Lei da Usura” (Decreto 22.626/33), que logo em seu primeiro artigo, estipulou punição àquele que cobrar juros acima do dobro do previsto no Código Civil (1.916) então vigente, vedou em seu artigo 4º a prática da cobrança de juros sobre juros (anatocismo), e admitiu em seu 5º artigo a elevação até o limite de 1% pela mora dos juros contratados.

Ocorre que, em 1.964, foi editada a Lei 4.595, que criou o Sistema Financeiro Nacional, este novo diploma legal determina através do inciso IX do art. 4º a competência do Conselho Monetário Nacional para limitar as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras. Essa lei confere às instituições financeiras um tratamento especial no que se refere à cobrança de juros, frente às limitações da “Lei da Usura”.

Nessa linha segundo entendimento firmado pelo BACEN (Banco Central do Brasil), na qualidade de membro do Sistema Financeiro Nacional, baseado no inciso I da Resolução 1.064, de 5.12.1985, de sua lavra, não vigora no Brasil limite máximo à contratação de juros nos empréstimos firmados no sistema financeiro nacional.

Com o advento do novo marco constitucional traçado pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, este assunto ganhou nova roupagem. O parágrafo 3º do art. 192 trazia a garantia de que a taxa máxima de juros poderia ser cobrada até o limite de 12% ao ano.

Este dispositivo constitucional configurou um garantia fundamental ao cidadão, como um limite máximo aplicado aos juros referentes à concessão de crédito, como forma de proteção aos abusos e incorreções do mercado. Constituiu um fundamento implícito do Estado democrático de direito por propiciar a cidadania, a dignidade da pessoa, a valorização da livre iniciativa, todos positivados no art. 1º da CRFB/1988, e ainda, compôs diretamente para o alcance dos objetivos fundamentais da República como a construção de uma sociedade justa e solidária, garantia do desenvolvimento nacional, redução das desigualdades sociais e regionais, constantes do art. 3º do mesmo diploma.

Logo, parece conflitar a existência do mencionado dispositivo da Lei 4.595/64, que deixa a limitação ao controle do Conselho Monetário, sendo tal competência extinta com o advento do novo marco constitucional disposto no §3º do art. 192, no qual ficou positivado o limite. Assim após a constituição de 1988, o inciso IX do art. 4º da Lei 4.595/64, não faz mais parte do ordenamento jurídico nacional, pela ocorrência do fenômeno da não recepção em face da nova ordem constitucional traçada.

Surge, em 11 de setembro de 1990, o vital instrumento para a promoção da cidadania e a redução das desigualdades, o Código de Defesa do Consumidor, que vem do reconhecimento da vulnerabilidade das pessoas em relação a sociedade de consumo em massa, traçando a Política Nacional das Relações de Consumo, os direitos básicos do consumidor, regras para a prestação de serviços e o fornecimento de produtos, responsabilidade dos fornecedores, o instrumental da desconsideração da personalidade jurídica, proteção contra práticas abusivas, proteção contratual, sanções civis, administrativas e penais; e por fim, defesa e prevenção no âmbito processual. Esse monumento legislativo inovou estabelecendo regras e limites para a relação sob exame, gerando uma igualdade contratual inter partes e uma real possibilidade de correção/reparação.

Na contra-mão do avanço legislativo, o Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4, data vênia, equivocadamente (vide o §1º do art 5º da CRFB/1988 – “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”), quanto à inaplicabilidade imediata do limite constitucionalmente previsto, necessitando este de regulamentação via lei complementar. Permissa vênia, a disposição quanto a limitação de 12% era auto-aplicável (§1º do art. 5º da CRFB/88), enquanto o que realmente carecia de complementação era a regulamentação das modalidades do crime de usura a qual ficou reservada à Lei Complementar.

Essa foi a posição do Ministro Carlos Velloso no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4 a respeito do juros reais contido no § 3º do artigo 192 da Constituição em que: " as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze pôr cento ao ano. Porque ela é uma norma proibitória ou vedatória, ela é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou é ela uma norma auto-aplicável. E porque confere ela, também, um direito aos que operam no mercado financeiro, também pôr isso a citada norma é de eficácia plena. Não me refiro, evidentemente, à segunda parte do § 3º do artigo 192, que sujeita a cobrança acima do limite a sanções penais, porque esse dispositivo não precisa ser trazido ao debate.As normas constitucionais são, de regra, auto-aplicáveis vale dizer, são de eficácia plena e aplicabilidade imediata".

Todavia tal discussão foi definitivamente sepultada em maio de 2003, com o advento da Emenda Constitucional nº 40, que derrogou o ordenamento constitucional, extraindo de seu texto as disposições específicas quanto ao sistema financeiro nacional, reservando a matéria a Lei Complementar. Ainda, com relação ao §3º do art. 192, em especial, a Emenda nº 40 é constitucionalmente nula, pois jamais poderia ter extraído do texto constitucional uma garantia do indivíduo, conforme taxa o inciso IV do §4º do art. 60 da CRFB/88.

O assunto veio a ser posteriormente sumulado pelo STF através do verbete da Súmula 648, que segue: “A NORMA DO § 3º DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO, REVOGADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 40/2003, QUE LIMITAVA A TAXA DE JUROS REAIS A 12% AO ANO, TINHA SUA APLICABILIDADE CONDICIONADA À EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR.”

A revogação do limite constitucional pela EC nº 40 também não propiciou o retorno da competência para o Conselho Monetário, como nos orienta a ideologia do §3º do art. 2º do Decreto-Lei 4657/42 (LICC).

Pois bem o atual Código Civil, em vigor desde 11.01.03, trouxe inovação no que se refere à taxa de juros. O seu artigo 406 - que trata dos juros legais - determina: "Art.406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional."

A nova lei ainda traz limitação da fixação de juros em caso de mútuo (empréstimo), consoante se infere do seu artigo 591: "Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual."

O Conselho da Justiça Federal se pronunciou quanto ao tema expedindo interpretação própria consolidada através do verbete do Enunciado nº. 34 do CEJ/CJF: “No novo Código Civil, quaisquer contratos de mútuo destinados a fins econômicos presumem-se onerosos (art. 591), ficando a taxa de juros compensatórios limitada ao disposto no art. 406, com capitalização anual.”; e do verbete do Enunciado nº. 20 do CEJ/CJF: "A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.“

O STJ ainda não se pronunciou especificamente sobre a conjugação do art. 591 com o 406 do Código Civil atual no caso da limitação dos juros para a espécie.

Alguns sustentam a aplicação da Taxa SELIC por força da conjugação do §1º do art. 161 CTN, que dispõe: “§1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.”, com o art. 13 da Lei 9065/95, que cuidava da cobrança específica do ITR nas formas que prescrevia e que perdeu eficácia face ao advento da Lei 9393/96.

O conceito mais compreensível da Taxa SELIC é o encontrado na Circular BACEN n. 2.868, e n. 2.900, ambas de 1999, e ambas no artigo 2º, § 1º, in verbis: “Define-se taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liqüidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais”. A Taxa SELIC é um indicador da taxa média de juros nas operações chamadas overnight e sua meta é a de, a um tempo, cobrir a defasagem da moeda ocasionada pela inflação e remunerar os investidores, a taxa reflete a liquidez dos recursos financeiros no mercado monetário.

O ilustre Ministro Francisco Peçanha Martins (STJ), em reiterados e respeitáveis votos vencidos, tem negado aplicação da Taxa SELIC em ações de repetição de indébito em matéria tributária, sob o fundamento central de inexistir disposição legal definido essa taxa, prevista em resoluções e circulares do Banco Central, lembrando que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já positivou a ilegalidade da Taxa ANDIB/CETIP na Súmula 176, que é similar à SELIC. Aduziu ainda que a Corte Também já estabeleceu a imprestabilidade da UFIR para medição da inflação passada (cf. os REsp’s ns. 198.450-RS; 198.489-PR; 200.255-PR; 202.633-PR; 203.315-PR; 210.645-PR; 202.035-PR).

Entendimento também corroborado pelo CJF: “A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano."

Disposição diferente da presente no §1º do art. 161 do CTN, sujeita a não aplicação do percentual de 1% para a cobrança da Fazenda Pública não há, pois o artigo 13 da Lei 9065/95 invocado por alguns como base referencial da cobrança não é geral para a fazenda e sim para o caso específico a qual remete a lei, portanto segundo a mens legis do dispositivo a taxa aplicável ainda é a do próprio §1º do art. 161 do CTN.

Assim, a limitação presente no atual Código Civil, como demonstrado, se comunica e complementa para a espécie com o Código de Defesa do Consumidor, que genericamente traça a proteção necessária ao contratante mais vulnerável e hipossuficiente, portanto há um diálogo entre essas duas fontes do direito no sentido de tutelar o cidadão, no caso o consumidor, estabelecendo conjuntamente o procedimento jurídico que deve ser atendido a espécie.

Ademais, as instituições financeiras, por determinação legal (art. 17 da Lei 4.595/64), são empresas que trabalham na intermediação de capital, recebendo e repassando numerário. Para essas operações existe um custo denominado spread bancário. O spread bancário é a margem de lucro na prestação do serviço bancário, ou seja, é a diferença entre o que o banco paga para captar numerário (poupança, fundos de renda, e outras modalidades), e o cobrado quando do empréstimo a quem os procura (cheque especial, financiamentos, etc.); v.g., o banco paga ao consumidor em um fundo de investimento o percentual que pode atingir 1,5% ao mês, já quando empresta a título de cheque especial cobra algo em torno de 7 a 10% em caráter mensal.

Portanto, há um notável desequilíbrio nessa relação jurídica, que conforme estipula o §4º (vedação ao abuso do poder econômico) do art. 173 da CRFB/88 deve ser reprimido.

Dessa incongruência na ordem econômica pátria surge a violação ao princípio da ordem econômica da defesa do consumidor (art. 170, V da CRFB/1988). O Código de Defesa do Consumidor é muito claro ao vedar a utilização do poder econômico no intuito de auferir vantagem indevida por um dos contratantes (prática abusiva – art. 39, V, XI; e cláusula abusiva - art. 51, IV e §1º, I e III) e nos mecanismos de proteção e reparação que se completam com a limitação imposta pelo atual Código Civil, e com os princípios previstos nestes diplomas como a boa-fé, probidade e a revisão contratual por onerosidade excessiva.

Por fim, é importante destacar que a cobrança de juros acima da taxa legal constitui crime contra a economia popular (art. 4º, “a” da Lei 1521/51).

Desta feita, a taxa remuneratória em contrato de abertura de crédito em conta-corrente quando não estipulada está sujeita a limitação presente no Código Civil (art. 591 do CC c/c art. 406 do CC c/c art. 161, §1º do CTN); e sendo a mesma estipulada não pode representar uma ofensa aos princípios e direitos presentes no Código de Defesa do Consumidor (art. 3, §2º.;art 4, I, V; art. 6, III, V, VI; art. 14; art. 27; art. 39, V, XI; art. 51, IV e §1º, I e III; art. 52, I, II, III, IV e V; art. 83) e no Código Civil (art. 112, 157, 421, 422, 423, 425, 480). Em sua ocorrência estará o consumidor habilitado para buscar a tutela necessária (princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional) com o fito de equilibrar a relação contratual reduzindo-se a taxa remuneratória de acordo com o caso concreto.


Fontes:


1 - www.senado.gov.br (página do Senado Federal)
2 - www.presidencia.gov.br (página da Presidência da República)
3 - www.stf.gov.br (página do Supremo Tribunal Federal)
4 - www.stj.gov.br (página do Superior Tribunal de Justiça)
5 - www.bacen.gov.br (página do Banco Central do Brasil)
6 - www.cjf.gov.br (página do Conselho da Justiça Federal)
7 - www.mj.gov.br (página do Ministério da Justiça)

Fonte: Escritório Online


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