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Escritório Online :: Artigos » Direito Constitucional


Referendo sobre a proibição ou não do comércio de armas de fogo e munição

20/10/2005
 
Luiz Fernando Vaggione



O cidadão brasileiro tem sido, nas últimas semanas, alvo de intensa propaganda. Os adeptos da proibição do comércio de armas e munições e aqueles contrários à medida visam influenciar o eleitor sobre as vantagens de uma ou outra opção de voto. Rechaçados o sensacionalismo de ocasião e a argumentação piegas, há pouco para ser extraído das campanhas. Assim, o sentimento dos mais cautelosos na restrição a direitos individuais é o da indefinição. O próprio Governo Federal, o qual deveria agir como Magistrado nesse processo de consulta coletiva, toma partido a favor da proibição. Gera, conseqüentemente, maior grau de incerteza quanto ao correto posicionamento.

Sem dúvida, a definição envolve uma restrição à liberdade que atingirá pessoas idôneas, impedindo-as de exercer o direito de legítima defesa, numa sociedade tutelada por um Estado pouco eficiente no combate à criminalidade. Ocupações de terras e imóveis urbanos, invasões de espaço público, violência diuturna nas cidades e no campo são fatos notórios, enfrentados com manifesta ineficiência pelo Estado. Há anos, o comércio clandestino de armas e munições domina as denominadas “feiras do rolo” na periferia das grandes cidades, sem que nenhuma atitude efetiva seja tomada para extingui-lo. Assim, torna-se o cidadão indefeso, com endereço certo e ocupação lícita, alvo fácil do desarmamento. Não seria mais correto se o Estado desarmasse em primeiro lugar os ladrões e os assassinos? É evidente que seria a atitude correta e lógica. É, todavia, a mais difícil. Friso, a título de exemplo, a discussão que se trava em nossos Tribunais, incluindo a mais alta Corte da Justiça brasileira, acerca da existência ou não de crime previsto no “Estatuto do Desarmamento” (Lei n. 10.826/2003) caso a arma de fogo esteja desmuniciada, enquanto a mera apreensão de um acessório de arma de fogo ou a própria munição configuram infração penal. Recordo, ainda, no campo da execução da sanção penal, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar, no julgamento do HC n. 82.959, a inconstitucionalidade da regra legal que determina o cumprimento da pena integralmente no regime fechado, o que proporcionará ao condenado por crimes hediondos ou a eles assemelhados a progressão para os regimes menos severos (colônia agrícola ou industrial e prisão-albergue), vencido um sexto da pena imposta. Lembro, finalmente, a possibilidade de o traficante de entorpecentes ser beneficiado com penas alternativas à privativa de liberdade. Esses são exemplos claros do tênue combate ao crime pelo Estado.

Deixando ao largo a manipulação dos dados estatísticos pelas partes envolvidas no debate, parece-me óbvio que a proibição do comércio de armas de fogo e munições trará, num futuro distante, dificuldade ao abastecimento do delinqüente, porque a proibição do comércio de armas de fogo não atingirá os atuais proprietários que, para exercerem o seu direito de auto-defesa, tiveram que superar severas exigências impostas pela Lei n. 10.826/2003 (“Estatuto do Desarmamento”) e serão obrigados, pela mesma lei, à renovação da autorização de registro a cada três anos para continuar a exercer o direito de possuir uma arma de fogo em sua casa. Todas essas armas continuarão, em tese, ao alcance da delinqüência, a menos que o próximo passo do Governo seja obrigar a população ordeira, que é a imediatamente identificável, a entregá-las. Por outro lado, o comércio clandestino, sempre timidamente combatido, incluído o contrabando, será estimulado e cumprirá esse papel de abastecimento ao destemido criminoso. O homem respeitador da lei e dos bons costumes, portanto, que já vive inseguro, será mais uma vez o único atingido. Talvez devesse o Estado brasileiro dar ao homem de bem um mínimo de segurança antes de tirar-lhe a possibilidade de defesa.

O desarmamento é, inegavelmente, uma boa medida. Desaconselha-o, todavia, o momento. Assistimos, atônitos, à grave crise que envolve os integrantes do Congresso Nacional e vivenciamos, nas grandes cidades brasileiras, a insegurança de uma sociedade mergulhada numa não declarada guerra civil. O desarmamento é, inclusive, medida que ofende o princípio da igualdade: os que têm mais recursos continuarão a utilizar a proteção de empresas de segurança privada, enquanto que os demais cidadãos restarão indefesos, mormente aqueles residentes em locais afastados ou que exerçam atividades de risco. Melhor, então, seria adiar a consulta popular. Como isso parece pouco provável, resta apelar para a maturidade do nosso cidadão na análise da repercussão que a proibição do comércio de armas de fogo e munições ensejará ao direito de defesa. ROBERTO ROMANO lembra que “nas Revoluções inglesa, norte-americana e francesa, sem as quais não conheceríamos direitos humanos, a prerrogativa do particular possuir armas é sagrada. Tomás de Aquino reconhece o direito à defesa própria”[1]. São do mesmo Professor o repúdio e a preocupação quanto ao mergulho do País na aventura do Estado forte, que açambarca os direitos da cidadania. Como cidadão brasileiro, Promotor de Justiça do maior Tribunal do Júri da América Latina e Professor de Direito Penal Especial, seria incompreensível não contribuir para o debate de tão relevante questão.


Nota do texto:

[1] Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em artigo publicado no Correio
Popular, com circulação na cidade de Campinas e região, em 11 de outubro de 2005, p. A3.


* Texto originalmente publicado em Phoenix: órgão informativo do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, São Paulo, n. 31, out. 2005

Fonte: Escritório Online


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