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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual do Trabalho


A desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista

04/09/2006
 
Paulo Mazzante de Paula



Sumário:


Introdução. 1. Da possibilidade da penhora dos bens dos sócios 1.1 Fundamentação legal na execução trabalhista. 1.2 Dos casos concretos. 1.3 Efetividade do crédito trabalhista. 2. A penhora dos bens dos sócios como exceção 3. Impossibilidade da penhora de bens dos sócios. Conclusão.


INTRODUÇÃO


As decisões trabalhistas passadas em julgado, ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, os acordos descumpridos, os termos de conciliação firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executados nos termos dos artigos 876/892, todos da Consolidação das Leis do Trabalho.

O próprio Magistrado poderá dar início ao processo da execução, e também, o impulso, até final, nos termos do artigo 878 da CLT, sem, contudo, ocorrer ofensa ao princípio do juiz imparcial. Ademais, o artigo 765 consolidado confere ampla liberdade ao Magistrado na condução do processo, até mesmo por impulso ex officio.

A discussão ou polêmica surge na seguinte hipótese: esgotada a possibilidade de localização de bem em nome da pessoa jurídica, devedora no processo de execução, visto que, expedido o mandado de citação, não houve o pagamento do crédito do exeqüente e tampouco foi encontrado bem para penhora, pergunta-se: - É possível recaia a penhora sobre bem do sócio?

A primeira corrente bate-se pela afirmativa, principalmente com base no princípio da proteção ao trabalhador hipossuficiente, que não permite que o risco da atividade econômica seja transferido para o empregado. Referidos defensores argumentam, ainda, que se trata de execução de crédito de natureza alimentar e há fundamentação legal que permite a desconsideração da personalidade jurídica.

Convém esclarecer, inicialmente, que não se trata de “desconstituição da pessoa jurídica ou a despersonificação. Aliás, a despersonificação tem a finalidade de anular a personalidade da pessoa jurídica”[1] . A medida visa à desconsideração, ou seja, “o Judiciário deverá ignorar a pessoa jurídica”, partindo logo para a penhora dos bens dos sócios (pessoa física ou jurídica), conforme conclui o estudo.

Esclarece o autor, outrossim, que há diferença entre desconsideração da personalidade jurídica e responsabilidade pessoal, em que os sócios, administradores e diretores respondem “pelas dívidas da sociedade quando agem com excesso de poder ou contrariam dispositivos legais, estatutários ou contratuais, pois de alguma forma agiram de maneira ilícita e por isso são responsabilizados pessoalmente”. Diante disso, o instituto (teoria da desconsideração) somente será aplicado “às sociedades anônimas e às de responsabilidade limitada”.

No caso de firma individual não há distinção patrimonial entre a sociedade e o indivíduo, “tendo em vista ser o mesmo componente o próprio comerciante”[2] .

A segunda corrente debate no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser sempre a exceção, não a regra geral. Os bens dos sócios somente podem ser objeto de execução nas hipóteses de retiradas abusivas ou em prejuízo do capital social. Neste sentido, a jurisprudência acrescentou as hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, fraude à execução, violação legal e insuficiência de capital social para o desenvolvimento da atividade empresarial.

A terceira e última corrente entende que é inadmissível aplicar a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, visto que os sócios não figuraram como parte na reclamação trabalhista originária (fase de conhecimento) e, portanto, não foram condenados naquele processo.

Nos tópicos seguintes vamos analisar sucintamente as três posições, proporcionando um debate sobre o assunto, ou seja, a aplicação da teoria da desconsideração e, principalmente, buscando uma solução satisfatória para o impasse.


1. DA POSSIBILIDADE DA PENHORA DOS BENS DOS SÓCIOS


1.1 FUNDAMENTAÇÃO LEGAL NA EXECUÇÃO TRABALHISTA


Em acórdão exarado em agravo de petição de que foi relatora[3] , afirma a Juíza Olga Aída Joaquim Gomieri que, “uma vez esgotados os bens da empresa, o patrimônio dos sócios responde pelas dívidas da sociedade, conforme arts. 592 e 596 do CPC”.

O artigo 592, inciso II, do Código de Processo Civil estabelece que os bens do sócio, nos termos da lei, ficam sujeitos à execução. Ademais, o artigo 596 do mencionado dispositivo legal afirma que referidos bens não respondem pelos débitos da sociedade, senão nos casos previstos em lei.

Os dispositivos mencionados fundamentam a responsabilidade legal substitutiva, em que o sócio “responde subsidiariamente pelo débito trabalhista da empresa, na condição de executado”[4] .

A responsabilidade legal substitutiva é complementada pelos artigos 4º, § 3º, e 29 da Lei nº 6.830/80, que possibilita a desconsideração da pessoa jurídica e a penhora dos bens particulares dos sócios, sendo aplicada ao direito do trabalho, nos termos do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho. Referido dispositivo trabalhista estabelece: “Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi introduzida no atual Código Civil através de seu artigo 50. O direito comum é fonte subsidiária do direito do trabalho, conforme previsão do artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Entretanto, não há na legislação trabalhista dispositivo que admita expressamente a teoria em apreço. Assim, alguns operadores do direito afirmam que os dispositivos citados anteriormente amparam tal aplicação, enquanto outros entendem que não, ou seja, trata-se de construção jurisprudencial.

Sobre o assunto esclarece Fábio Ulhoa Coelho[5] : “De qualquer forma, é pacífico na doutrina e jurisprudência que a desconsideração da personalidade jurídica não depende de qualquer alteração legislativa para ser aplicada, na medida em que se trata de instrumento de repressão a atos fraudulentos. Quer dizer, deixar de aplicá-la, a pretexto de inexistência de dispositivo legal expresso, significaria o mesmo que amparar a fraude”.

O dispositivo legal está sendo elaborado pelo Congresso Nacional, conforme projeto de lei nº 4.696/98. Por essa razão, o Tribunal Superior do Trabalho publicou recente provimento, sob nº 01/06, estabelecendo os procedimentos a serem adotados quando o Juiz da Execução entender pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica do executado, chamando os sócios a responder pela execução.

Referido provimento adverte que alguns Magistrados, mesmo desconsiderando a pessoa jurídica, chamando os sócios a responder pela execução, estão fornecendo a estes certidões negativas na Justiça do Trabalho, prejudicando terceiros de boa-fé.

Os sócios executados, ao se sentirem ameaçados em seu patrimônio pessoal, buscam desfazer-se de seus bens, utilizando certidões negativas expedidas pela Justiça do Trabalho.

O Ministro Corregedor, por ocasião do provimento, determina, em suma, caso ocorra desconsideração da pessoa jurídica, a inclusão do nome do sócio da empregadora na execução trabalhista (autuação) e nos demais registros, objetivando que se abstenha de fornecer às referidas pessoas certidões negativas.

O Tribunal Regional do Trabalho, 2º Região, já havia editado provimento GP/CR nº 10/2004, também com intuito de resguardar direitos de terceiros, conforme reportagem sob o título “Inclusão do nome do sócio da empregadora na execução trabalhista”, em seu boletim periódico nº 20 (2005), do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra.


1.2 DOS CASOS CONCRETOS


O Tribunal Regional do Trabalho da 15º Região, localizado em Campinas, através de recentes decisões, vem aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, possibilitando a penhora sobre bens de sócio, esgotadas as possibilidades de localização de bens em nome da pessoa jurídica (executada). Julgados desse Tribunal determinam:

“PENHORA SOBRE BENS DE SÓCIO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Esgotadas as possibilidades de localização de bens em nome da pessoa jurídica, a penhora recai sobre os bens dos sócios, porquanto o direito do trabalho, regido pela filosofia de proteção ao hipossuficiente, não permite que os riscos da atividade econômica sejam transferidos para o empregado. Justifica-se esse procedimento pelo fenômeno da desconsideração da pessoa jurídica, nos casos em que a empresa não oferece condições de solvabilidade de seus compromissos, permitindo que o sócio seja responsabilizado pela satisfação dos débitos, tendo em vista as obrigações pessoalmente assumidas em nome da sociedade, posto ter sido este quem auferiu real proveito”[6] .

“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA – POSSIBILIDADE - INSUFICIÊNCIA DE BENS - NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO - LEI 6.830/80. Perfeitamente aplicável no Direito do Trabalho a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica na fase da execução, quando amplamente provada nos autos a inexistência de bens da executada suficientes para saldar o crédito do exeqüente, de natureza eminentemente alimentar, e a qual encontra seu embasamento legal na Lei nº 6.830/80”[7] .

“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA – POSSIBILIDADE - INSUFICIÊNCIA DE BENS - NATUREZA ALIMENTAR DO CRÉDITO - LEI Nº 6.830/80. Perfeitamente aplicável no Direito do Trabalho a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica na fase de execução, quando amplamente provada nos autos a inexistência de bens da executada suficientes para saldar o crédito do exeqüente, de natureza eminentemente alimentar, e a qual encontra seu embasamento legal na Lei n. 6.830/80”[8] .

O Tribunal Superior do Trabalho também vem admitindo a teoria em pauta, independentemente da responsabilidade limitada do sócio prevista no Direito Comercial, pelos seguintes fundamentos:

“RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - SÓCIO COTISTA - TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA - ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA SOCIEDADE SEM QUITAÇÃO DO PASSIVO LABORAL. Em sede de
Direito do Trabalho, em que créditos trabalhistas não podem ficar a descoberto, vem-se abrindo uma exceção ao princípio da responsabilidade limitada do sócio, ao se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (“disregard of legal entity”) para que o empregado possa, verificando a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução os bens dos sócios individualmente considerados, porém solidária e ilimitadamente, até o pagamento integral dos créditos dos empregados, visando impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos pela sociedade”
[9] .

“Não viola os incisos II, XXXV, XXXVI, LIV e LVII do art. 5º da Constituição Federal a decisão que desconsidera a personalidade jurídica de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, ao constatar a insuficiência do patrimônio societário e, concomitantemente, a dissolução irregular da sociedade, decorrente de o sócio afastar-se apenas formalmente do quadro societário, no afã de eximir-se do pagamento de débitos. A responsabilidade patrimonial da sociedade pelas dívidas trabalhistas que contrair não exclui, excepcionalmente, a responsabilidade patrimonial pessoal do sócio, solidária e ilimitadamente, por dívida da sociedade, em caso de violação à lei, fraude, falência, estado de insolvência ou, ainda, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Incidência do art. 592, II, do CPC, conjugado com o art. 10 do Decreto nº 3.7008, de 1919, bem assim o art. 28 da Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor)”[10] .


1.3 EFETIVIDADE DO CRÉDITO TRABALHISTA


Os defensores da primeira corrente entendem que a teoria da desconsideração é sempre aplicável ao direito do trabalho, diante da proteção ao trabalhador hipossuficiente, da natureza alimentar da verba e do fato segundo o qual o risco da atividade econômica é exclusivo do empregador.

Portanto, buscam obter o recebimento rápido e eficaz da verba trabalhista objeto da sentença ou acordo, ou seja, a prestação jurisdicional somente será efetiva e concreta com o recebimento, pelo empregado, do que lhe é devido (crédito trabalhista).

Aplica-se o princípio básico da proteção tutelar, que ampara o trabalhador (hipossuficiente), diferentemente do direito civil, que pressupõe igualdade das partes. Assim: “in dubio pro operário”.

Diz Nelson Mannrich[11]: “A intenção dos juízes é das melhores” e que a decisão que permite o uso de patrimônio de sócio para pagar dívida de empresa encontra “suporte jurídico para este comportamento na Justiça do Trabalho e é o pressuposto de que o empregado contribuiu com o seu esforço para construir patrimônio da empresa e automaticamente dos sócios”.

Aplica-se, portanto, a responsabilidade objetiva para determinar a desconsideração da personalidade jurídica, independentemente de haver fraude ou uso indevido da pessoa jurídica.

Basta, assim, a inexistência de bens em nome da empregadora (pessoa jurídica), diante da proteção superprivilegiada do crédito alimentar.


2. A PENHORA DOS BENS DOS SÓCIOS COMO EXCEÇÃO


A segunda posição defende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser sempre a exceção, não a regra.

Nas sociedades anônimas e nas de responsabilidade limitada os bens dos sócios somente podem ser objeto de execução nos casos de retiradas abusivas, ou em prejuízo do capital social, ou pela parte do capital não integralizado, nos termos do artigo 2º do Decreto nº 3.708/19. A jurisprudência, nesse sentido, acrescentou as hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, fraude à execução, violação legal e insuficiência de capital social para o desenvolvimento da atividade empresarial[12].

Para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é necessária a comprovação do mau uso da pessoa jurídica, ausência de dissolução legal ou fraude no gerenciamento da empresa; não basta a insolvência da sociedade. Não restando demonstrada a má-fé, prevalece a limitação da responsabilidade dos sócios.

O doutrinador Amador Paes de Almeida[13] esclarece que a Justiça admite a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade “quando os administradores utilizam a pessoa jurídica, aparentemente na forma da lei, com desvio de sua exata função: 1) uso abusivo da sociedade; 2) fraude, como artifício para prejudicar terceiros, levados a efeito `dentro de presumida legalidade’; 3) confusão patrimonial; 4) insuficiência do capital social `para o exercício de sua atividade empresarial’.

Mesmo no caso de sociedade anônima, somente é admitida a desconsideração da personalidade jurídica quando presente prova de atuação dolosa ou culposa por parte dos acionistas administradores, não servindo para caracterizar violação à lei, capaz de autorizar a responsabilidade em questão, o descumprimento da legislação trabalhista ou encerramento das atividades. No caso citado[14], a sentença de primeiro grau foi mantida, visto que o E. Tribunal entendeu incabível o redirecionamento da execução.

O envolvimento e a confusão patrimonial podem ser exemplificados por uma decisão recente, proferida no âmbito civil, transitada em julgado, envolvendo a empresa falida “Fazenda Reunidas Boi Gordo”, em que o Julgador reconheceu o “vínculo econômico entre a Boi Gordo, outras três empresas e o proprietário”. Segundo o advogado responsável pela ação declaratória, “o foco agora será ir atrás de todas as coligadas”[15].

A caracterização do dolo ou culpa deverá ser feita pela demonstração de existência do abuso ou da fraude. Aplica-se, portanto, a teoria da responsabilidade subjetiva, visto que o “pressuposto fundamental da desconsideração da personalidade, é o desvio da função da pessoa jurídica que se constata na fraude e no abuso de direito relativo à autonomia patrimonial”.[16]

Alguns operadores do direito entendem que o encerramento da atividade, a ausência de bem e a falta de comunicação aos credores e à Junta Comercial configuram atos fraudulentos contra credores, em que os fins sociais da lei são desrespeitados e, não sendo admitida a desconsideração da personalidade jurídica, “premia-se a impunidade daqueles que escamoteiam o controle e direção de sociedades empresariais para auferir vantagem ilícita em detrimento da coletividade”[17].

A jurisprudência complementa: “Em casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito e violação dos estatutos sociais ou contrato social, o art. 28 da Lei nº 8.078/90 faculta ao Juiz responsabilizar ilimitadamente qualquer dos sócios pelo cumprimento da dívida, ante a insuficiência do patrimônio societário”[18].

Evidente, ainda, que ocorrerá a aplicação da teoria nos casos de simulação de transferência e encerramento de atividade sem quitação do passivo laboral, quando já havia inúmeras reclamações trabalhistas (fraude contra credores)[19].

O encerramento da atividade empresarial na tentativa de não efetuar o pagamento da obrigação trabalhista ou, então, transferir os bens necessários da jurídica, sempre buscando o inadimplemento contratual, são, para tal corrente, exemplos típicos da possibilidade de desconsideração.

Sobre o assunto o Tribunal de Alçada de São Paulo, em acórdão do Juiz Relator Maurício Ferreira Leite, esclarece que o expediente só se admite como medida excepcional: “Necessidade de prova cabal e completa de que a sociedade tenha sido constituída com finalidade manifestamente ilícita”[20].

Segundo o Espaço Jurídico Bovespa[21], “o dano econômico pode ser desastroso”, motivo pelo qual “é preciso analisar o que afeta a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de maneira ampla”.Entrevistando Fábio Ulhoa Coelho, a reportagem esclarece que “o Juiz pode tomar a decisão que parece ser mais justa naquela situação, mas pode ser extremamente injusta e ineficiente no contexto da economia de toda a sociedade”.

Cabível aqui o provérbio jurídico: “SUMMUM JUS, SUMMA INJURIA” (direito extremo, extrema injúria).

Em editorial sob o título “Justiça Cega”, o jornal Folha de São Paulo[22] comenta uma decisão criminal (progressão de regime nos crimes hediondos), afirmando que “existem milhares de maneiras de cometer injustiça sem quebrar uma única lei. Se o elemento humanitário não devesse ser sempre observado, nem precisaríamos de juízes. Bastariam computadores aplicando mecanicamente as normais legais”.

Por outro lado, segundo o Desembargador José Renato Nalini, “a história não perdoará o juiz omisso no cumprimento ético de seu dever. E a observância ética dos deveres do julgador inclui preservar o Judiciário como alternativa eficaz de solucionar as controvérsias humanas”[23].

A jurisprudência complementa: ‘Em sede de Direto do trabalho, em que os créditos trabalhistas não podem ficar a descoberto, também vem-se abrindo uma exceção ao se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity) para que o empregado possa, verificando a insuficiência do patrimônio societário integralizado, sujeitar-se à execução os bens dos sócios individualmente considerados, porém solidária e ilimitadamente, até o pagamento integral do créditos dos empregados, evitando-se , dessa forma, que os sócios e a pessoa jurídica se locupletem às custas do empregado, pois foram os sócios os beneficiários diretos do resultado do trabalho do obreiro em sociedade”[24].

Portanto, excepcionalmente, o Juiz poderá aplicar o princípio da desconsideração da personalidade jurídica. Deverá fazê-lo, todavia, de maneira prudente, criteriosa e analítica, sempre com base nos princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. Comprovado o dolo ou a má fé, através do desvio, fraude ou abuso, nada mais justo que ocorra tal desconsideração, beneficiando-se assim o empregado lesado.

O então presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, afirmou recentemente que “a orientação hoje é para um uso cauteloso do instituto. O juiz não deve se deixar levar pelo pedido do empregado que não encontrou bens da empresa. É preciso que exista fundamento para responsabilizar os sócios”.


3. IMPOSSIBILIDADE DA PENHORA DE BENS DOS SÓCIOS


A última posição bate-se pela impossibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, argumentando principalmente que, por não haverem figurado como partes na reclamação trabalhista originária (fase de conhecimento), os sócios não sofreram qualquer condenação naquele processo. Cabível, então, o provérbio jurídico “uma coisa feita entre uns não prejudica, nem beneficia, outros”, retratado no artigo 472 do Código de Processo Civil, ou seja, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada”.

A 2ª Câmara do extinto 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo concedeu a ordem de segurança, estabelecendo a inaplicabilidade da teoria da desconsideração, por ofensa ao artigo 20 do antigo Código Civil, que exige o devido processo legal[25], nos seguintes termos: “A doutrina da superação ou desconsideração da personalidade jurídica traz questão de alta indagação exigente do devido processo legal para a expedição de um provimento extravagante, que justifique invadir a barreira do art. 20 do CC. Não é resultado que se alcance em simples despacho ordinatório da execução, do arresto ou do mandado de segurança, todos de cognição superficial”.

O artigo 20 do antigo Código Civil estabelecia o seguinte: “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”.

O Superior Tribunal de Justiça admitiu, outrossim, o mandado de segurança “para cassar ato judicial de arrecadação de bens em poder de terceiro, praticado em procedimento do qual não foi parte”, visto que “não pode ser efetuada sem a declaração judicial de ineficácia do ato, em ação revocatória ou noutra ação”[26].

Os demais defensores da mencionada corrente argumentam, ainda, que o artigo 596 do Código de Processo Civil proíbe penhora dos bens particulares dos sócios e que não há previsão legal exigida por referido dispositivo. Aplica-se, portanto, ao caso vertente o dispositivo legal do artigo 5º, II, da Constituição Federal.

O citado artigo da Lei Processual estabelece: “Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade”.

A reportagem anteriormente mencionada no Espaço Jurídico Bovespa (nº 21) noticiou que “números de decisões judiciais que determinam uso de acionistas, cotistas e administradores para quitar débitos corporativos aumenta e base jurídica que deu origem a este tipo de procedimento é cada vez mais desprezada. Para obter alguma proteção , empresas optam até por seguro”.

Aliás, não por outra razão consultorias empresariais oferecem até mesmo serviços de “proteção patrimonial”.

A diferenciação do patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios é indispensável para a segurança e o bom andamento da política comercial, pois, segundo os especialistas, “nenhum empresário vai dar início a um negócio, se existir a ameaça de que, se incorrer em insucesso, poderá perder todo o patrimônio de sua vida”[27].

Complementa o autor da frase acima, afirmando que, persistindo tal insegurança, surgem duas possibilidades: a) o empresário não irá montar a empresa, o que é péssimo para a economia; b) vai querer o retorno dos riscos, encarecendo os serviços e os produtos.

Interessante destacar, ainda, o seguinte julgado: “O direito tem por escopo a estabilidade social e a Justiça; por função, a solução dos conflitos. O primeiro não se cumpre quando ferido o princípio da razoabilidade e a segunda falha quando, para resolver uma execução trabalhista, deixa de tutelar a boa-fé”[28].

Por fim, convém destacar a súmula nº 205 do TST (cancelada pela resolução nº 121/03, DJ 21.11.03), no sentido de que “o responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução”.


CONCLUSÃO


A Justiça do Trabalho foi uma das pioneiras no assunto, adotando a desconsideração da pessoa jurídica em vários julgados. No Brasil, “a teoria foi introduzida por Rubens Requião, numa conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná”[29]. Segundo a revista que aborda o fato, a teoria surgiu pela primeira vez na jurisprudência da Inglaterra, porém concretizou-se nos Estados Unidos.

Evidentemente que a matéria não se encontra pacificada no âmbito da Justiça do Trabalho[30], tratando-se de medida excepcional e extrema, que depende de prova da má-fé, abuso, ilicitude, inidoneidade etc..

Trivial, outrossim, que, para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, buscando uma decisão justa para o pagamento do crédito trabalhista de natureza alimentar e superprivilegiado, será necessária a dilação probatória e a obediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa, nos termos do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

Após o transcurso dos procedimentos legais (citação, indicação de bens, penhora etc.), poderá ser adotada a medida por decisão fundamentada, sem esquecer que a execução será feita pelo modo menos gravoso ao devedor (art. 620 do C.P.C.).

Cediço que o princípio do devido processo legal garante às partes litigantes o direito de ação e de defesa, igualdade entre as partes, publicidade dos atos processuais, contraditório e ampla defesa, fundamentação das decisões judiciais etc.. O princípio é comentado com exatidão por José Celso de Mello Filho.[31]

Trivial, ainda, que o Juiz deverá analisar as provas e os objetivos de forma proporcional, confrontando, portanto, os interesses dos litigantes, no caso em pauta, principalmente os princípios da proteção tutelar (natureza alimentar) e o devido processo legal.

Ademais, salvante melhor juízo, não há que se falar em ofensa ao princípio do devido processo legal, visto que o suposto prejudicado pela desconsideração da pessoa jurídica terá oportunidade de produção de provas, por ocasião dos eventuais embargos e eventual recurso (agravo de petição) para a defesa da suposta ilegalidade. Convém lembrar ainda que, caso ocorra ofensa ao patrimônio ou direito líquido e certo de terceiros, poderão os interessados utilizar outros meios de defesa, como, por exemplo, os embargos de terceiro, cautelar, declaratória, correição parcial ou o respectivo mandado de segurança.

Não há que se falar, ainda, na falta de amparo legal para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, levando-se em conta que há aplicação subsidiária do direito comum existente na falta de dispositivo específico na Consolidação das Leis do Trabalho, nos termos do artigo 8º, parágrafo único, c.c. o artigo 769, ambos da C.L.T..

Trata-se de excelente avanço jurisprudencial e doutrinário, consolidado pelo atual Código Civil (art. 50) e Código do Consumidor (art. 28), sempre na busca da efetividade processual, celeridade, moralização do processo de execução e recebimento do crédito alimentar. Segundo Rubens Requião[32]: “a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito”, motivo pelo qual baseia-se, para a aplicação da teoria da desconsideração, na fraude e no abuso (responsabilidade subjetiva).[33]

Sobre o assunto (ausência de legislação) convém destacar: “Não bastam apenas os dispositivos legais, pois existem milhares de maneiras de cometer injustiça sem quebrar uma única lei.” Reitere-se: “Se o elemento humanitário não devesse ser sempre observado, nem precisaríamos de juízes. Bastariam computadores aplicando mecanicamente as normais legais”, conforme reportagem da Folha de São Paulo, citada anteriormente (nº 22).

A posição intermediária, analisando todos os fundamentos e decisões anteriores, é a melhor solução para o caso vertente, no sentido de permitir a desconsideração da personalidade jurídica como exceção à regra, após a produção de todas as provas necessárias, desde que demonstrados todos os artifícios, abusos e injustiças praticados pelo devedor.

A primeira corrente, que não permite a desconsideração, é retrógrada, pois não permite o avanço do direito para acompanhar a modernidade. A terceira corrente, por outro lado, no sentido de que é sempre possível desconsiderar a personalidade jurídica, independentemente da comprovação de má-fé, é também radical e proporciona a instabilidade jurídica, pois extrapola os princípios legais.

Em homenagem ao princípio da razoabilidade, diante do trabalho realizado pelo empregado e não recebimento do crédito alimentar, o correto é aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica como exceção à regra, buscando todas as provas concretas dos abusos e injustiças, como, por exemplo, má-fé, dolo, abuso ou confusão do patrimônio, proporcionando assim a mutação do direito e a efetividade da Justiça.

O posicionamento adotado é prudente, cauteloso e homenageia a finalidade processual da pacificação social, proporcionando credibilidade ainda maior ao já festejado órgão especializado da Justiça do Trabalho.


Notas do texto:


[1] A desconsideração da personalidade jurídica: limites para sua aplicação, Alexandre Couto Silva, RT. 780/47.

[2] 2º TACivSP, 10ª Câm. Ap. 60069-0/3, rel. Juiz Marcos Martins, v.u., 29.08.2001.

[3] Acórdão 1332-2003-111-15-00-2, TRT 15º região, agravo de petição, 6ª turma, 12ª câmara, Juíza Relatora Olga Aida Joaquim Gomieri, sessão de 01/03/2005.

[4] Acórdão 00385-2002-032-15-00-8, TRT 15º região, agravo de petição em embargos de terceiro, Juíza Relatora Fany Fajerstein, publicado em 04/06/2004.

[5] Curso de Direito Comercial, volume 2, 8º edição, São Paulo, Saraiva, 2005, pág. 31.

[6] Acórdão 0044087-2004, TRT 15º região, agravo de petição, Juiz Relator Nildemar da Silva Ramos, publicado em 19/11/2004.

[7] Acórdão 011594-2004, TRT 15º região, agravo de petição, Juíza Relatora Elency Pereira Neves, publicado em 16/04/2004.

[8] Acórdão 036321-2003, TRT 15º região, agravo de petição, publicado em 21/11/2003, voto não disponível diante do segredo de justiça.

[9] Decisão 545348-1999, TST, publicada em 27/03/2001, Relator Ministro Ronaldo José Lopes Leal.

[10] Decisão 727179-2001, TST, publicada em 13/11/2001, Relator Ministro João Oreste Dalazen.

[11] Nelson Mannrich, Professor de Direito do Trabalho da USP e Mackenzie, sócio do Escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich & Aidar Advogados e Consultores Legais.

[12] Valentin Carrion, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 30ª edição, Editora Saraiva, pág. 736.

[13] Os direitos trabalhistas na falência e concordata do empregado, LTr 1996, pág. 105, citado na obra anterior.

[14] Agravo de petição nº 00192-2005-383-04-00-7, rel. Hugo Carlos Scheuermann, TRT 4º Região.

[15] Fernando Tardioli, Escritório Correia a Silva & Mendonça do Amaral Advogados, Folha de São Paulo, caderno Dinheiro, página B 1, 08 de janeiro de 2006.

[16] Apelação cível nº 34710/05, Rel. Des. Jorge Luiz Habib, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

[17] Juan Daniel Pereira Sobreiro, Juiz de Direito, processo nº 319/04, Comarca de Ibaiti, Estado do Paraná.

[18] Mandado de segurança nº 478099/98, TST, relator Ministro João Oreste Dalazen.

[19] Ação rescisória nº 531319/99, TST, relator Ministro Ives Gandra Martins Filho.

[20] 1º TACIVIL – 8ª Câm.- AI nº 869.588-4, v.u.).

[21] www.bovespa.com.br, reportagem “Justiça amplia uso de patrimônio de sócio para pagar dívidas de empresa”.

[22] Folha de São Paulo, 29 de novembro de 2005.

[23] RT. 708/257, “A consciência moral do Juiz”, Desembargador José Renato Nalini.

[24] Ação rescisória nº 545348/99, TST, rel. Ministro Ronaldo Leal.

[25] RT. 657/120, rel. Juiz Sena Rebouças.

[26] RT. 725/147, rel. Min. Cláudio Santos.

[27] Fábio Ulhoa Coelho, item 21.

[28] AASP 2476, TRT 2º região, 7º turma, rel. Juíza Catia Lungov.

[29] RT. 768/350 e 410/12.

[30] Provimento 1/2006, Ministro Rider Nogueira de Brito, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, boletim AASP 2464.

[31] A tutela judicial da liberdade, José Celso de Mello Filho, RT. 526/291.

[32] Curso de Direito Comercial, 1º volume, Editora Saraiva, 1998, págs. 349 e 351.

[33] RT. 780/53.

Fonte: Escritório Online


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