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Escritório Online :: Artigos » Direito Constitucional


Breve reflexão sobre o conceito de direito adquirido

01/11/2006
 
Leandro Sarai



O que é direito adquirido?

Será que tal conceito já está claro o bastante para enfrentar os casos práticos que lhe são postos?

Vejamos até que ponto vai a tranqüilidade:

A doutrina costuma buscar em GABBA algum subsídio. Mas GABBA realmente ajuda?

JOSÉ AFONSO DA SILVA (2006:133) leciona:

A doutrina ainda não fixou com precisão o conceito de "direito adquirido". É ainda a opinião de Gabba que orienta sua noção, destacando como seus elementos caracterizadores: (a) ter sido produzido por um fato idôneo para sua produção; (b) ter-se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular.

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, no mesmo sentido (2005:840):

...que vem a ser direito adquirido?
A resposta a esta intrincada questão é-nos dada, com propriedade, pelo grande Gabba. Ouçamo-lo: "É adquirido cada direito que: a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude de a lei do tempo no qual o fato se consumou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova em torno do mesmo; e que b) nos termos da lei sob cujo império ocorre o fato do qual se origina, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu"
(Teoria della Retroavità delle Leggi, Turim, Utet, 3ª ed., 1891, p.191)

Gabba, que já era citado nas referências bibliográficas de CLÓVIS BEVILÁQUA (1940:99), teria influenciado a redação do §2.º do art. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.


O que vem a ser, contudo, um direito incorporado ao patrimônio?

Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA (1940:101), "acham-se no patrimônio os direitos que podem ser exercidos, como, ainda, os dependentes de prazo ou de condição preestabelecida, não alterável ao arbítrio de outrem."

Seria, então, o direito adquirido um direito subjetivo?

JOSÉ AFONSO DA SILVA (2006:133/4) esclarece que o direito adquirido é a transmutação do direito subjetivo, que, quando não exercitado, permanece apesar do advento de lei nova:

Para compreendermos um pouco melhor o que seja o direito adquirido, cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava). Por exemplo, quem tinha o direito de se casar de acordo com as regras de uma lei, e casou-se, seu direito foi exercido, consumou-se. A lei nova não tem o poder de desfazer a situação jurídica consumada. A lei nova não pode descasar o casado porque tenha estabelecido regras diferentes para o casamento.

Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se ao seu patrimônio, para ser exercido quando lhe convier.[...] Vale dizer - repetindo: o direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais foi constituído.


O que é exercer o direito?

Distingamos entre direitos reais e pessoais.

Se somos proprietários de um bem, nosso direito é exercido pelo uso de quaisquer das faculdades inerentes ao domínio, como, por exemplo, uso, gozo, alienação do bem.

Tratando-se de direitos pessoais, possuímos direito a uma prestação. Exigir o cumprimento da prestação é exercício do direito ou exercício da pretensão?

Ainda que não tenhamos recebido o objeto da prestação, conforme o caso, podemos, por exemplo, ceder nosso crédito. Podemos concluir assim que o crédito integra nosso patrimônio, uma vez que, nemo plus juris transferre potest, quam ipse habet.

A exigência da prestação está para o direito pessoal da mesma forma que o direito de seqüela está para o direito real.

Também são adquiridos aqueles direitos cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Ocorre que tudo isso não parece suficiente para resolver certas questões. Por isso, começaremos efetivamente a refletir, embora brevemente, sobre direito adquirido, bem como tentaremos resolver certas questões demonstrando a insuficiência da conceituação acima.

Cremos que o fundamento do direito adquirido é dar sentido às legítimas expectativas surgidas das manifestações de vontade, bem como assegurar equilíbrio das relações jurídicas.

Qualquer manifestação de vontade prometendo algo a outrem gera direito adquirido?

Não. Pode gerar direito, mas não lhe dá necessariamente o atributo de "adquirido".

Enquanto a lei que concede o benefício de isenção está vigendo, o direito pode ser exercido sem que com isso se diga haver direito adquirido.

O direito adquirido é aquele cujo exercício não pode ser obstado pela vontade de outrem, inclusive pela vontade da Lei, conforme art. 5.º, XXXVI, da Constituição Federal.

Se tal direito pode ser extinto pela vontade alheia, não se trata de direito adquirido.

Quando é então afinal que se pode extinguir o direito alheio ou alterar o termo ou condição de que trata o art. 6.º, § 2.º, parte final, da LICC?

Quando não houver expectativa legítima de sua permanência.


O que é "legítimo" varia no tempo e no espaço, só se aferindo através de um juízo de valor, que pode ser obtido com base na boa-fé objetiva que rege os negócios jurídicos, nos termos do art. 113 do Código Civil (REALE, 2006).

O direito adquirido decorre do "pacta sunt servanda", da mesma forma que o ato jurídico perfeito, e busca equilibrar as relações sociais.

Agora sim poderemos tentar resolver alguns casos práticos.

Primeiro exemplo: uma isenção incondicionada de IPTU, que começa a vigorar em janeiro de 2006.

Entrando a lei em vigor, os beneficiados com a isenção possuem direito subjetivo? Sim.

Podem exercer o direito? Sim. Inclusive, se for exigido o IPTU de 2006 de um indivíduo isento, ele poderá pleitear administrativamente ou judicialmente a declaração de inexistência do débito.

E se vier uma lei nova e revogar a lei que concede a isenção?

A doutrina costuma afirmar que nesse caso não há direito adquirido (CARRAZZA, 2005: 836). Por quê? O que tínhamos a respeito de direito adquirido não resolvia esta questão.

Analisando-a sob o prisma da legítima expectativa de acordo com os ditames da boa-fé objetiva, verificamos que nesse caso não se pode pretender a manutenção eterna do benefício.

Sabe-se que o benefício só dura enquanto permanecer a base legal que o garante, pois esta mesma lei não foi feita para valer para sempre, bem como não especificou o termo final do benefício.

A única garantia é o princípio da anterioridade, de modo que, revogado o benefício, somente os fatos geradores do exercício gerarão obrigações tributárias exigíveis, conforme art. 104, III, do Código Tributário Nacional - CTN.

Até o fato de o CTN prever expressamente acerca da revogação da isenção demonstra não caber expectativa da permanência eterna do benefício.

Segundo exemplo, agora real: No Município de Barueri/SP, foi editada uma lei em 1997 que assegurou inalterabilidade da alíquota do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza para certas atividades, por um período de 10 (dez) anos. A alíquota desse Município era relativamente baixa se comparada com outras cidades da região. A Emenda Constitucional n.º 37/02 determinou que a alíquota mínima deste imposto seria de 2%, alíquota esta maior do que as estabelecidas no Município de Barueri. Em parecer colegiado da Procuradoria do Município, entendemos que havia direito adquirido à inalterabilidade de alíquota aos contribuintes já estabelecidos na cidade e regularmente inscritos na data da publicação da Emenda. Embora tenha sido duramente criticado tal parecer, sob alegação de não haver direito adquirido na área tributária, o Município adotou o posicionamento da Procuradoria. Mas por que nesse caso há direito adquirido?

Houve expectativa legítima dos empresários do Município de que teriam uma situação mantida por 10 (dez) anos. Em razão disso, foram feitos investimentos.

Não parece legítima a mudança das regras do jogo antes do termo determinado.

Outrossim, só não seria legítima essa expectativa se a lei fosse inconstitucional, mas não se vislumbrou nenhum vício que a maculasse.

Com o advento da Emenda Constitucional n.º 37/02, a lei municipal que garantia a inalterabilidade de alíquotas não foi recepcionada, porém foram resguardados os direitos adquiridos dos contribuintes já instalados regularmente no Município.

Como se vê, se analisarmos a questão sem o enfoque da legítima expectativa não se poderia discernir acerca da existência do direito adquirido.

Terceiro exemplo: em um contrato de compra e venda, após o comprador pagar o preço, tem direito a receber a coisa comprada? E se surgir uma lei proibindo essa venda? Em princípio haverá direito adquirido do comprador, sem falar que o contrato é ato jurídico perfeito.

Nesse caso, novamente, o comprador sabe exatamente os limites de seu direito, ou seja, sua expectativa diz respeito somente ao objeto da prestação.

E essa expectativa era legítima, pois não havia nenhum óbice no momento da contratação.

Quarto exemplo: Um determinado Município estatui benefício de complemento de aposentadoria, a ser pago até a morte do servidor inativo. Se determinado servidor estiver recebendo o benefício, será atingido por uma lei posterior que revogue a complementação? Acreditamos que nesse caso se dirá que há direito adquirido, de modo que o referido servidor continuará a receber o benefício até sua morte, conforme se verifica no seguinte julgado:

Ementa
Aposentadoria. Complementação de proventos. Empregado sob regime da CLT, do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de São Paulo. Leis 1.837, de 1951, 4.819, de 26.8.1958 e 200, de 13.5.1974, do Estado de São Saulo. Art. 153, parágrafo 3º, da C.F. e súmula 359 do S.T.F.. O acórdão recorrido, ao entender que a autora tinha 'direitos resguardados pela lei n. 200/74, o que fez foi reconhecer 'direito adquirido', respeitado pela lei nova, quando a situação era de mera expectativa de direito, pois a invalidez e a aposentação só ocorreram, no caso, em 1980. Com isso, contrariou o disposto no parágrafo 3.º do art. 153, que protege, contra a lei nova, 'direito adquirido' e não 'expectativa de direito'. e entrou em dissídio com a Súmula 359 do S.T.F., segundo a qual 'ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o servidor civil reuniu os requisitos necessários'. R.E. conhecido e provido para se julgar improcedente a ação. Precedentes.

(STF, 1.ª Turma, RE 107627 / SP, Relator Min. SYDNEY SANCHES, j. 19/08/1988, v.u., DJ 23-09-1988, PP-24172 EMENT VOL-01516-03 PP-00458).

Mas as parcelas ainda não recebidas de complementação podem ser considerado direito exercitável? Nesse caso, parece-nos que o melhor enquadramento é na parte final do §2.º do art. 6.º da LICC, ou seja, há um termo inalterável ao arbítrio do Município, que é a morte do beneficiário.

Cuida-se de termo do tipo incerto, ou seja, o evento morte é futuro e inexorável, porém não se pode precisar o momento em que ocorrerá. (RODRIGUES, 1995:256)

Esse termo é inalterável pois, no momento em o servidor começa a receber o benefício, surge expectativa legítima de recebê-lo até sua morte.

Mais uma vez, contudo, sem utilizar o critério da legítima expectativa sob o enfoque da boa-fé objetiva, não poderíamos dizer se o termo era ou não inalterável.

Quinto exemplo, também próximo de nossa realidade atual: Um indivíduo está próximo de sua aposentadoria quando, em razão lei nova, são alteradas as regras para obtenção do benefício. Como o indivíduo não havia completado os requisitos para se aposentar, ficaria, em princípio, de acordo com jurisprudência do STF, sujeito a essa nova lei, uma vez que "não há direito adquirido a regime jurídico" (STF, Pleno, MS 22094 / DF, Relatora Min. ELLEN GRACIE, DJ 25-02-2005, p. 6, LEXSTF v. 27, n. 317, 2005, p. 118-145, RTJ 194/0874; 2.ª Turma, RE 293606/RS, Relator Min. CARLOS VELLOSO, j. 21/10/2003, DJ 14-11-2003, p.35). Porém, pode-se simplesmente dizer que não há direito adquirido a regime jurídico? É tudo ou nada? Ou do indivíduo já pode se aposentar, ou não tem direito a nada?

Não nos parece que se possa simplesmente afirmar que não há direito adquirido a regime jurídico. De fato, o indivíduo ainda não podia se aposentar. Porém, a mudança das regras do jogo não pode operar de forma inflexível para todos os indivíduos. Os diferentes devem ser tratados de forma diferente, para que todas as relações fiquem equilibradas.

Não nos parece justo que um indivíduo possa se aposentar, por exemplo, com determinado tempo de contribuição e outro, com tempo diverso, para depois ambos receberem idêntico benefício.

Indivíduos que ingressem em um regime de aposentadoria após alteração legislativa, submetem-se integralmente a esta. Porém, os que já estavam regidos pela lei anterior devem ter tratamento diferenciado.

Seria algo como um "direito adquirido proporcional". Além disso, se é para algum critério prevalecer, que prevaleça o critério da isonomia.

Daí o cabimento das regras de transição, que, todavia, devem cuidar adequadamente da situação de cada indivíduo para que haja justiça.

Justiça, como teremos oportunidade de cuidar em outro artigo, é algo matemático, embora não sejamos competentes para matematizá-la, para transformar as relações sociais em funções e demonstrar o correto ponto de equilíbrio.

Nada obstante, a teoria do caos demonstra que estamos próximos disso. (TRUMP, 2005)

Sexto exemplo: um indivíduo se compremete, simplesmente e unilateralmente, entregar prestações pecuniárias mensais a outrem, sem especificar um termo final ou condição resolutiva, e sem haver contraprestação da outra parte.

Parece razoável que a obrigação perdurará até que o promitente revogue sua declaração. Feita a revogação, só se poderá falar em direito adquirido às parcelas percebidas e nunca àquelas vincendas.

Por ser ato de liberalidade, deve ser interpretado restritivamente e em benefício do devedor. (art. 114 do Código Civil).

Além disso, há um limite em seu próprio patrimônio, além do qual não se pode legitimamente, esperar nada. A propósito, o art. 548 do CC proíbe a doação de todos os bens.

Diferente seria a situação se o beneficiário houvesse cumprido alguma contraprestação, em razão da qual teria direito à prestações. Nesse caso, em princípio, o indivíduo em débito teria cumprir as prestações correspondentes, caso contrário, deverá indenizar a outra parte pelos danos causados pela frustração da expectativa existente, para que a relação fique equilibrada.

Para terminar, uma última questão, que ficará para reflexão: pensando acerca de uma lei que compromete o Ente Público, obrigando-o, por exemplo, a entregar mensalmente e eternamente determinado benefício pecuniário a uma pessoa jurídica. É possível criar uma obrigação perpétua? Como ficam as gerações futuras? Os legisladores futuros? Não é demais lembrar que a Lei é manifestação de vontade do ente que a edita.

Essa questão também terá relação com as cláusulas pétreas previstas na Constituição. Esse tema, contudo, fica para um outro artigo.

Para o presente, apenas concluímos que o direito adquirido é o direito subjetivo exercitável, delimitado, inclusive no seu conteúdo temporal, incorporado, não apenas no patrimônio do indivíduo, mas em sua alma, em razão de suas expectativas, desde que legítimas, segundo a boa-fé objetiva.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos estados unidos do brasil comentado. Ed. histórica. Rio de Janeiro, 1940.

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 40, mar. 2000. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2006.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v.1. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

TRUMP, Matthew A.. What is chaos? August 14 1998 disponível em : Acesso em ago.2005.

Fonte: Escritório Online


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