Desde a vigência da Constituição Federal (CF) de 1988, o sistema jurídico estava a reclamar uma nova disciplina legislativa, sob o ponto de vista material, a respeito da repressão ao uso e ao tráfico ilícito de drogas. O vetor da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF), alicerçado na esfera penal nos dispositivos do art. 5.º, XLIII, que considera o tráfico ilícito de drogas inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, harmonizado com o inc. XLVIII, o qual determina que o cumprimento de pena se dá de acordo com a natureza do delito, passou a exigir um novo regramento, distinto da obsoleta Lei n. 6.368/76. Isso porque essa lei, de maneira simplista, regulava duas grandes situações jurídicas, a saber: o tráfico de entorpecentes, no seu famoso art. 12, e o porte e o uso de entorpecente, no art. 16.
Em uma sociedade complexa como a nossa, contudo, as situações não são tão simples como se tivéssemos apenas o traficante e o usuário, de modo que, muitas vezes, a dignidade da pessoa humana era aviltada com condenações do pequeno traficante com a mesma pena dada àquele que financia a prática do tráfico de drogas em caráter supranacional.
Nesse sentido, a Lei n. 11.343/2006 foi equilibrada na medida em que apresenta uma situação mais benéfica para o usuário e mais gravosa para o traficante, o que nos possibilita fazer uma subdivisão na parte material da lei em dois tópicos. No primeiro tópico, podemos abordar a figura do usuário ou dependente; no segundo, podemos tratar da figura do traficante subdividindo-a em três grandes temas: aquele que trafica ou tenha aparato para o tráfico; a pessoa que simplesmente oferece drogas a terceiros e, por fim, a figura do financiador.
No que diz respeito ao usuário, ocorreu uma novatio legis in melius, visto que a lei nova é mais benéfica que a anterior e, portanto, tem caráter retroativo pleno, abrangendo desde o condenado até aquele que está em fase de inquérito policial.
De maneira acertada, a nova lei não pune o usuário ou dependente com pena privativa de liberdade, até porque a pena carcerária, nesses casos, jamais atinge o seu objetivo, que é o da reinserção social e da terapia clínica. Desse modo, o art. 28 apresenta como principais sanções a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento a programa ou curso educativo (incs. II e III), no prazo de 5 ou 10 meses (§§ 3.º e 4.º). A grande inovação, porém, está no § 7.º, ocasião em que o Juiz de Direito pode determinar ao infrator tratamento especializado e gratuito para sua desintoxicação.
Quanto ao tráfico de drogas, ocorreu uma novatio legis in pejus, de maneira que a lei incide apenas nas situações novas. Podemos destacar, entre as principais figuras:
a) a do traficante – para ele, a pena é de reclusão de 5 a 15 anos, e a multa varia de 500 a 1.500 dias-multa. Todo aquele que trabalha fabricando ou transportando maquinários e aparatos para o tráfico tem a pena de reclusão um pouco inferior, de 3 a 10 anos, mas a multa é mais gravosa, pois varia de 1.200 a 2.000 dias-multa. Visa o legislador desestimular o aparelhamento do traficante sob o ponto de vista econômico. A terceira situação aposta como tráfico, no sentido geral, é a do colaborador do traficante, que tem uma pena ainda um pouco inferior de reclusão (de 2 a 6 anos) e, a multa um pouco mitigada (de 300 a 700 dias-multa).
b) a do incentivador – aquele que simplesmente oferece drogas, sem o intuito de lucro, para consumir com terceiro e que, na verdade, não é um traficante. A pena é de 6 meses a 1 ano e pagamento de 700 a 1.500 dias-multa, tendo todos os benefícios da lei, já que não há qualquer tráfico na hipótese em questão. De maneira semelhante, o médico ou operador do Sistema de Saúde que erra na dosagem de drogas também tem uma pena de 6 meses a 2 anos de detenção e pagamento de 50 a 200 dias-multa (art. 38) porque também não é traficante.
c) a do financiador – a mais preocupante figura do tráfico de drogas em geral é aquela que tem extraordinário poder econômico e custeia a logística do tráfico, chamado de grande traficante ou chefe do narcotráfico. Aqui a pena mínima é de 8 anos de reclusão, podendo chegar a 20 anos, e a multa varia de 1.500 a 4.000 dias-multa (art. 36). O número de dias-multa poderá ser multiplicado por cinco, iniciando em um trinta avos do maior salário mínimo (art. 43, caput).
Com esse breve apanhado, foi possível observar que o legislador apresentou equilíbrio ao tratar do usuário e do traficante, respeitando os princípios da nova política criminal, a qual visa punir gravosamente condutas típicas relevantes e reinserir socialmente, e de modo rápido, condutas consideradas socialmente mais brandas, bastando apenas aos operadores do Direito dar efetividade ao novo regulamento legal.
Fonte: Escritório Online
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