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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Tribunal do Júri: breve apanhado histórico, concepção atual e expectativa de futuro

18/06/2007
 
Paulo Rogério Alves Ferreira



Introdução

Impossível falar do mais apaixonante instituto no nosso ordenamento jurídico sem fazer menção às divergências existentes na doutrina sobre sua origem. Estas são tamanhas que não encontramos autores com audácia suficiente para afirmar com certeza seu efetivo surgimento. Tal variação é perfeitamente compreensível, pois a falta de acervos históricos contundentes e específicos, o fato deste instituto fincar raízes no direito que sempre acompanhou as massas humanas, principalmente as mais antigas e, também, o fato de não se conseguir encontrar um indício essencial à identificação de seu surgimento. Veremos mais adiante que para algumas correntes de pensamento o simples fato de se atribuir a um grupo de pessoas o dever ou direito de analisar e julgar algo já basta para configurar o surgimento do instituto Tribunal do Júri. Noutro norte verificaremos também que para os doutrinadores mais céticos são necessários alguns requisitos e características para receber o status de Tribunal do Júri. Como aqui não é o lugar ideal, não tomaremos qualquer posicionamento, limitamo-nos a um breve apanhato histórico e sua evolução no Brasil e no mundo.

Sobre o contexto atual do Júri no Brasil versaremos sobre a efetiva funcionalidade deste instituto, já que grande parte da doutrina questiona sua forma e efetividade, para tanto abordaremos o comportamento e escolha dos jurados que compõem o conselho de sentença, a disparidade existente entre acusação e defesa em plenário e a pressão que a mídia exerce em nossa sociedade e de que forma pode interferir no julgamento popular. Abordaremos ainda a corrente doutrinaria que defende a supressão do Tribunal do Júri do ordenamento jurídico brasileiro, muito embora não concordando com tal pensamento, versaremos também sobre seus motivos e fundamentações.

Em breve alocução, atentamos para os projetos de reformas em trâmite no Congresso Nacional enfatizando o projeto de lei n.º 4.203/2001, bem como as perspectivas de futuro para o Tribunal do Júri, sustentando vida longa em nosso ordenamento jurídico.

Por fim, tentaremos mostrar que o Tribunal do Júri, apesar de metralhado de criticas e sugestões de mudanças, deve ser mantido, como o mais apaixonante, tradicional e democrático procedimento criminal incluso em nosso sistema legal.

2 - Surgimento e evolução histórica do Tribunal do Júri – breve apanhado

Para alguns doutrinadores é possível afirmar o surgimento do Tribunal do Júri na época mosaica, teria surgido entre os judeus do Egito pelas leis de Moises. Para os que defendem essa corrente, lá existiam determinados critérios inerentes ao Tribunal popular, como por exemplo, a boa publicidade, julgamento por pares, direito de defesa e analise de provas, ou seja, existiam critérios e regras previamente definidos.[1]

Outra esteira de pensamento aponta o surgimento deste instituto nos áureos tempos de Roma com os judices jurati, também na Grécia antiga existia a instituição dos disKates, podendo mencionar ainda os centeni comitês.

Abordaremos as de maior destaque nesta corrente.

Naquela época, o sistema de órgão julgador era dividido em dois conselhos, a Helieia e o Areópago. A primeira, com a incumbência de julgar atos de menor relevância era um tribunal popular integrado por um numero significativos de heliastas que julgavam, depois de ouvida a defesa, seguindo as próprias convicções. Enquanto o Areópago julgava, de acordo com o senso comum guiado pela prudência, os crimes de homicídios premeditados.[2]

Uma outra corrente atribui o surgimento do Tribunal do Júri na Inglaterra no ano de 1215, quando o Concílio de Latrão aboliu os juizes de Deus e instalou o conselho de jurados. Com o objetivo de julgar crimes de bruxaria ou com caráter místico.[3] Passou a existir naquele país o pequeno Júri (12 pessoas) e o grande Júri (24 pessoas), o primeiro encarregado da acusação, pois era formado por testemunhas oculares do fato em julgamento, o segundo era encarregado de julgar.[4]

Podemos notar pelas correntes doutrinarias aqui explanada, que o instituto Tribunal do Júri, no tocante a sua origem, sempre manteve características religiosas, seja pelo procedimento e julgamento preocupados em aplicar a vontade divina, seja abolindo os juízos de Deus e instituindo novo conselho de jurados como trata a terceira corrente apresentada, a qual nos parece prevalecer sobre as demais.

Ultrapassada a sumaria explanação acerca do surgimento do Tribunal do Júri, passaremos, também de forma superficial, a versar sobre a evolução e expansão deste instituto pelo mundo incluindo o Brasil. Para tanto, seguiremos a linha de pensamento que atribui o surgimento do Júri à época do Concilio de Latrão na Inglaterra em 1215.

Incluso na Constituição da Inglaterra no século Xlll, o Tribunal do Júri ganhou espaço em alguns países europeus. Em 1789 após sua revolução, a Franca acabou incorporando o instituto ao seu ordenamento jurídico e por conseqüência, todos os países da Europa com exceção da Holanda e Dinamarca também o adotaram. Com algum tempo de vigência, o Tribunal do Júri não se adaptou aos costumes de alguns países daquele continente onde começou a sofrer mudanças e adaptações, restringindo-lhe a competência e, em vários países deixou de ser utilizado. [5]

No Brasil, tal instituição nasceu no ano de 1822 por decreto do Imperador Dom Pedro com a nomenclatura “juizes de fato” composto de 24 homens considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas com competência para julgar apenas crimes de imprensa. Incluso na Constituição de 1824 ganhou maior amplitude e passou a julgar ações cíveis e criminais. Desde então, constantemente modificado o instituto se manteve em todas as Cartas Magnas deste país.[6] Atualmente o instituto do Tribunal do Júri esta consolidado em nossa Constituição Federal nas denominada clausulas pétreas, consagrado como garantia individual no artigo 5º, XXXVIII.

3 - Concepção atual do Tribunal do Júri no Brasil

A gravidade dos fatos varia com o passar dos anos, assim como os acontecimentos, os fatos típicos ou atípicos e a autenticidade moral dos poderes. Desta forma, entendemos que um corpo de jurados formado por pessoas socialmente elogiáveis seja a melhor forma para se apreciar a culpabilidade de quem comete crimes dolosos contra a vida. Um corpo de jurados não esta vinculado a nenhum órgão governamental, tão pouco esta obrigado a decidir de acordo com preceitos legais, fundamentam suas decisões apenas na íntima convicção e no fator mesológico. Assim, podemos afirmar que o Tribunal do Júri é o retrato da sociedade no tempo. Exemplo disso são os casos em que o marido surpreende sua esposa nos braços do amante, motivado pelo impulso dá cabo a vida dos dois. Em tempos passados era exemplo clássico de legitima defesa da honra, aplicando-se então a excludente de ilicitude. Hoje porem, as mesmas circunstancias do crime são ferrenhamente discutidas entre acusação e defesa e dificilmente aquela excludente se aplica, na maioria das vezes nem mesmo a defesa sustenta essa tese, pois, sabe-se que esta ultrapassada.

Queremos dizer com tudo isso é que um corpo de jurados, formado por pessoas extraídas do meio social onde os crimes são cometidos, desvinculadas de qualquer compromisso e seguindo a própria intuição é a melhor maneira para se julgar os acusados de determinados crimes, pois, estão inteirados dos valores sociais que vigoram no distrito do crime.

Passamos a discutir se estes jurados cumprem seus papeis de Juizes populares, se estão preocupados com os resultados de seus julgamentos, se são de fato independentes, até que ponto a intima convicção prevalece no ato de julgar e se realmente julgam seus pares. O papel da acusação e defesa e a disparidade entre ambas, pressão da mídia e o descrédito do Júri.

3.1 - A inatividade dos jurados

Como foi dito acima, a função dos jurados num julgamento popular é essencial e a melhor maneira de se verificar a culpabilidade do réu. Em tempos passados a tarefa de ser jurado em um plenário era motivo de grande orgulho e satisfação para as pessoas, eram bem vistos e respeitados por onde andavam. Existia enorme preocupação com o julgamento justo, com a verdade real dos fatos, sabemos de casos em que os jurados previamente sorteados se dirigiam até as Varas Criminais para se inteirar de todo o teor do processo. Os julgamentos em plenário eram tratados como importantes tarefas a serem cumpridas por Juizes, Promotores, Advogados e Jurados sem contar os serventuários da Justiça.

Com o passar do tempo isso foi se modificando e a instituição do Júri caindo em descrédito, chegando a ponto de ser visto como um pesado fardo à ser suportado pelos jurados, mas toda essa mudança tem seus motivos, a inatividade dos jurados não veio gratuitamente.

Começando pela precariedade das instalações físicas dos plenários, principalmente nas cidades do interior, geralmente funcionam em prédios antigos, mal projetados, ou seja, totalmente desconfortável, dando a impressão, ao menos subliminarmente que os julgamentos não são tão importantes e graves. Totalmente diferente do primeiro Tribunal do Júri instalado na cidade de São Paulo, local solene, luxuoso e de aspecto respeitável, o simples fato de adentrar naquele lugar já transmitia certa importância. Essa aparente sensação de pouca importância se reforça quando alguns Juizes se ausentam do plenário e se dirigem ao gabinete para despachar outros processos, tudo a demonstrar aos jurados, ao menos indiretamente, pouca preocupação como o Júri e com seu resultado.[7]

Em seguida, vem a distancia que hoje existe entre julgadores e julgado. O conselho de sentença atualmente é formado por pessoas de classes sociais distantes do meio onde o réu convive, nessa ótica podemos afirmar sem medo de errar que a preocupação dos jurados com o futuro do acusado é mínima, excluindo os casos de grande repercussão na mídia, dificilmente o jurado preocupa-se em analisar os fatores que levaram ao cometimento daquele delito. Dizer hoje que o Júri consiste no julgamento de uma pessoa por seus iguais é completamente equivocada, exceto quando o réu tratar-se de pessoa de classe média alta ou alta, existe uma lacuna muito grande entre as pessoas que compõe o conselho de sentença e o acusado. Daí decorre a pouca preocupação dedicada ao caso.

A imparcialidade dos jurados também é questionável já que não existem pessoas totalmente imparciais, sempre existira a presença de uma carga ideológica e cultural em qualquer situação em que nos deparamos, principalmente na hora de julgar. O jurado a cada plenário que participa de depara com situações novas e esta obrigado a versar sobre um universo estranho com linguagem desconhecida, o que muitas vezes leva a julgar pelas informações que “ouviu dizer” ou leu no jornal extra-oficialmente.

Podemos citar também como causa da inatividade dos jurados em relação aos julgamentos, o fato daquelas pessoas ocuparem muitas vezes cargos e funções importantes em seus locais de trabalho e não poderem “perder tempo” se dedicando o dia todo para um julgamento em plenário, notamos que atualmente o fato de ser sorteado para integrar o corpo de jurados é visto como um castigo para as pessoas que comparecem no Tribunal do Júri. Torcendo para não serem sorteadas, ou se forem rezam para serem dispensadas pelas partes justamente para não deixar de lado seus compromissos particulares. Não podemos deixar de salientar que já recebemos ligações de pessoas sorteadas para comparecer no Júri e pedem para serem dispensadas porque precisam honrar compromissos particulares naquele dia, ou seja, existe uma preocupação maior com os interesses particulares ao dedicado ao julgamento de um ser humano.

Tudo isso, somado os outros fatores que veremos adiante, nos faz concluir que o julgamento perante o Tribunal Popular já não tem mais aquele encanto de outrora, os jurados em sua grande maioria já não sentem nenhuma satisfação em integrar um conselho de sentença.

3.2 – A disparidade entre acusação e defesa em plenário

Nos tempos da Escolástica, em que o Direito praticamente se resumia à letra da lei, qualquer pessoa que soubesse ler e tivesse o mínimo de cultura estaria apta a julgar. Atualmente, isso não se aplica na maioria dos casos. Em plenário, ante a perplexidade em que se vê envolto o jurado pela complexidade das questões, os argumentos valem menos por sua solidez e conclusividade do que pela forma teatral com que são expostos. As partes utilizam requintes de linguagem visando induzir o jurado a inferir disso o saber e consequentemente a credibilidade. Prioriza-se a teatralização dos gestos, o apelo a emoção, o jogo de provocações e ironias. Reina a falácia, prevalece a experiência. Quando de deparam Promotores ou Procuradores com Advogados igualmente experientes até há uma relativa paridade. Mas isso nem sempre acontece, os promotores geralmente tem a empatia da sociedade e com muita freqüência operam no Tribunal do Júri, o que lhes da rapidamente experiência. O mesmo não se pode falar em relação a defesa quando se trata de defensores dativos desinteressados, Advogados jovens ou sem o dom da palavra, via de regra defendendo réus pobres. Frente ao togado, por certo, melhor se haveriam no seu mister pois foram preparados e estão naturalmente condicionados a postular de forma exclusivamente técnica perante um técnico.[8]

A disparidade não fica restrita à experiência e simpatia dos debatedores, ocorre também no campo visual já que o membro do ministério publico permanece ao lado do Juiz (figura mais importante), do escrevente que usa beca semelhante á do Juiz e do Promotor e de dois oficiais de justiça que vestem palito e gravata, ou seja, o acusador fica do lado “bonzinho” do plenário cercado de pessoas que transmitem segurança e confiança dos jurados. O mesmo não acontece com o Advogado de defesa que fica ao lado do réu, quando se trata de réu preso, está algemado e exalando cheiro de cadeia, sem contar com a figura de dois ou três policias militares armados que permanecem o tempo todo ao lado do réu, mesmo se tratando de réu solto já nos deparamos com situações em que os policiais militares permanecem armados ao lado do réu, ou seja, é o lado “mau” do plenário, dando a sensação de que o réu é tão perigoso que necessita de escolta, daí vem o primeiro carimbo de culpado.

3.3 - A influência da mídia

A inflação do direito penal em grande parte é causada pela comoção e pela sensação de insegurança coletiva propagada pela mídia de massa, que faz campanha com a ilusória idéia de que a ameaça de uma nova sanção ou da cominação de uma sanção mais rígida irá diminuir a criminalidade.[9]

Com certeza os grandes meios de comunicação que quase sempre distorcem e potencializam os fatos não é o único responsável pela virtual sensação de insegurança, pelo alastramento das leis penais e pelos aumentos injustificados de pena, estes últimos na tentativa de solucionar conflitos das mais diferentes ordens. Mas sabemos e veremos adiante que a mídia de massa é fator preponderante na formação desses fenômenos.

Atualmente, a violência é assunto atual e percebemos facilmente que determinadas noticias são transmitidas com maior ou menor intensidade pelos órgãos de imprensa, dando aspecto de grande ou pequena gravidade, influenciando negativa ou positivamente a opinião popular. A grande mídia não surgiu agora, sempre existiu nesse país, porem, com as facilidades de transmissão em tempo real pela televisão, radio e internet, a violência passou a ser vivenciada de forma coletiva e mais intensa. Gerando nesse aspecto, o medo multiplicado e vivido coletivamente em angustia e torna-se mais temido quanto menos pode ser identificado com transparência, sendo que o resultado dessa angustia é uma sensação de insegurança generalizada.

Essa violência virtual serve de base para o recrudescimento dos instrumentos de controle social, impulsionando as grandes massas a exigir providencias urgentes, sanções rígidas e penas cruéis para conter a crescente e assustadora expansão da criminalidade. Todas essas informações que chegam em nossas casas fazem com que as pessoas passem a aceitar todas as “medidas contra o crime” sem pensar nas privações dos direitos individuais que estas medidas possam acarretar eventualmente no futuro.

É de conhecimento de todos que os grandes veículos de comunicação focam seus trabalhos nos índices de audiência. Desta forma, as noticias nem sempre prendem-se na realidade dos fatos, sendo um produto construído de certa forma que a grande população aceita a idéia transmitida como sendo verdadeira. Daí podemos dizer também que não são todos os fatos ocorridos que chegam ao nosso conhecimento, as noticias quase sempre, são tendenciosas e precisam de um requisito para serem divulgadas, qual seja, elas tem que vender, precisam chamar a atenção de qualquer forma, mesmo que seja desvinculada da verdade.

No Brasil as emissoras de televisão abertas possuem núcleos de jornalismo investigativo que não raras vezes apelam para o sensacionalismo e geram altos níveis de audiência, onde “a maioria das informações sobre a violência é acolhida acriticamente como tema de noticias e matérias curiosas, de disfunção social, cotidianamente transformada em relatos jornalísticos sensacionalistas, por suas características potencialmente dramáticas e aterrorizantes”.[10]

Noutro norte, as vitimas dessas noticias manipuladas, que produzem manchetes de grande impacto e não se importam com os seus resultados no âmbito investigatório e processual, tem sua honra e imagem manchadas e suas reputações destruídas, já estão carimbados pela culpa mesmo antes do devido processo legal. Arma-se um linchamento midiático onde meros suspeitos são transformados em monstros.

O poder quase absoluto exercido pela grande mídia é capaz de alterar a legislação federal para atender determinados casos, o legislado brasileiro se vê acuado e obrigado a ceder tais pressões. Podemos citar como exemplo o caso Daniela Peres filha da autora de novelas da rede Globo Gloria Peres que com ajuda da imprensa iniciou um grande movimento popular até conseguir o crime de homicídio qualificado no rol dos hediondos. Os casos das chacinas da candelária e de vigário geral que transformou homicídio quando praticado em atividade típica de grupos de extermínio em crime hediondo. O mesmo aconteceu com o lendário caso das pílulas de farinha Microvilar, sem contar com a criação do RDD (regime disciplinar diferenciado) que viola vários dispositivos constitucionais.

A influencia da mídia, que vai de um extremo a outro de nossa sociedade, que é capaz de pressionar o legislador e criar leis, exigir do poder judiciário (juiz togado) à proferir decisões neste ou naquele sentido, consegue com muita facilidade influenciar decisões do Tribunal do Júri. Quando isso acontece, acarreta uma grande inversão de valores no tocante a ônus probatório, deixa de existir a presunção de inocência e o “in dubio pro reo”. A acusação, como já vimos acima, conta com vários fatores a seu favor e em vários casos ainda recebe a forte ajuda da mídia o que torna a tarefa da defesa muito mais árdua. Atualmente, é possível afirmar que o ônus da prova não cabe mais a acusação, a presunção de inocência esta totalmente suprimida pelos vários fatores que já mostramos e principalmente pelo carimbo de culpado que os órgãos de imprensa colocam nos acusados, o réu já entra no Tribunal do Júri praticamente condenado, cabe então a defesa o papel de demonstrar sua inocência.

Toda essa reflexão que fazemos acerca da instituição do Júri nos obriga a atentar para as idéias dos autores que defendem a supressão do Júri do ordenamento jurídico brasileiro. Um deles é o já citado Marcelo Colombelli Mezzomo que alem de defender sua extinção, apresenta suas justificativas. Uma delas é de que os fatos sociais já não mais justificam sua permanência, pois o Júri popular foi criado para o julgamento de crimes cujas penas eram extremamente graves, como a morte, galés e degredo. No atual estagio de desenvolvimento da sociedade isto já não mais ocorre, alem disso o poder judiciário possui uma magistratura independente, autônoma e isenta. O Ministério Publico tem as mesmas características, há publicidade nos julgamentos e as garantias constitucionais são mais presentes no processo com julgamento técnico. Outro motivo apresentado pelo autor para a supressão do instituto do Júri versa sobre a possibilidade de fazê-lo por meio das lacunas constitucionais do artigo 60, § 4º da Constituição Federal, através, por exemplo, de um plebiscito onde seria submetida a julgamento popular a manutenção ou não da figura do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico brasileiro. O autor conclui dizendo “convido a todos a meditarem sobre o ser do Júri modelo de justiça que queremos e a juntarmo-nos em uma ‘guerra santa’ contra uma instituição que já cumpriu o seu papel, mas hoje deve ser proscrita para que inocentes não padeçam da suprema degradação da pena e para que criminosos não se furtem ilesos à ‘longa manus’ da justiça, que deve sempre prevalecer concretamente.”

Embora reconhecendo as graves falhas que o Tribunal do Júri possui e os motivos que levam alguns autores a defender seu banimento, entendemos que o Júri não deve ser suprimido do nosso ordenamento jurídico, talvez pela paixão ou por tradicionalismo acreditamos que algumas mudanças são suficientes para devolve-lo ao status de respeitabilidade. “O Júri deve ser mantido. Merece, contudo reparos, que esperamos, sejam frutos de sincera reflexão. Adotar idéias de modelos que funcionam bem, desde que isto não comprometa a filosofia que deve nortear todo e qualquer sistema, parece-nos prática salutar.”[11]

4 - A reforma do Código de Processo Penal e o futuro do Júri

Atualmente encontra-se tramitando no congresso nacional, um projeto de lei para reformar o já bastante remendado e desgastado Código de Processo Penal. Por ocasião deste projeto de lei o procedimento do Júri sofrer as mudanças necessárias para a sua adequação a atual realidade jurídica do país. Pelo menos é o que esperamos, não só pelos operadores do direito como um todo, mas especificamente por nós que atuamos em plenário.

O projeto de lei n.º 4.203/2001 que tramita em nossa respeitável casa de leis, apresentava uma proposta bastante inovadora e arrojada, seguindo a atual tendência do processo criminal e se tornar gradativamente um procedimento mais célere.

Porem, como é de conhecimento de todos, o legislador brasileiro não poderia deixar de fora sua marca, o projeto original sofreu inúmeras mudanças desde sua forma primitiva, o que desfigurou todo o sentido lógico de sua aplicabilidade, balizava-se no principio da economia processual e na concentração de atos processuais. Mostrando assim que o instituto do Júri ainda figurara entre nos por mais um bom tempo como um termômetro da própria ciência do direito, não inobstante seu papel constitucional.[12]

Embora muito se defenda a supressão do Tribunal do Júri baseada na atual fase das ciências criminais, onde suas formas em ritos vem ao longo do tempo cedendo espaço para a agilização de seu procedimento, tudo para prestar contas à sociedade que cobra uma rápida resposta aos seus anseios de justiça. Podemos assegurar, pelos projetos de mudanças que correm no Congresso Nacional que o júri sempre terá espaço cativo em nosso ordenamento jurídico e, que tais propostas, excluindo aquelas que pretendem ampliar o leque de competência do Tribunal do Júri, oferecem uma roupagem moderna e inovadora para este instituto, revitalizando-o por mais alguns anos, pois como já dito anteriormente, a paixão e o tradicionalismo que são peculiaridades do julgamento popular fazem com que o Júri esteja arraigado em nosso ordenamento com tal afinco, que suas projeções futuras demonstrem sua força em uma sociedade verdadeiramente democrática.

Tanto é verdade, que uma leitura da exposição de motivos do projeto de Lei n. º 4.203/2001, que versa sobre a reforma do Código de Processo Penal como um todo, na parte que versa sobre as propostas de mudanças do Tribunal do Júri nos da a exata dimensão da força deste procedimento, senão vejamos;

“Constitui o Júri um órgão judiciário que a constituição considerou fundamental para o direito de liberdade do cidadão. A mantença dessa instituição não se justifica apenas em razão de seu resguardo e proteção constitucional, mas principalmente porque assume contornos de cidadania e de proteção do sistema democrático, que assegura o acusado o direito de ter seu comportamento analisado e julgado por seus pares, pelos seus semelhantes que pertencem ao mesmo extrato social, alcançando-se o ideal de equidade. O Tribunal do júri foi mantido como instituição na Carta Magna de 5 de outubro de 1988. Ele se encontra enumerado entre os direitos e garantias fundamentais, o que resulta em conceitua-lo como uma das garantias essenciais do regime democrático”.[13]

O espaço do Tribunal do Júri esta assegurado para o futuro, embora merecedor de algumas criticas que já salientamos e, repensados alguns pontos, tal instituto deve permanecer em nosso ordenamento.

5 – Conclusão

Como visto, a história do Tribunal do Júri, partindo de um ponto de vista mais aberto, mescla-se com a própria história do direito. A necessidade humana de julgar pessoas por intermédio dos populares, surge como primeiro passo da noção de vida organizada em sociedade.

Tão logo se percebeu a necessidade de criar um modelo de repudio social, enxergou-se como necessário o instituto onde o julgamento consistia em homens julgando seus pares. Assim surgiu a idéia de um Tribunal do Júri. A grande divergência doutrinaria em relação à origem do Júri, como se discorreu, da-se mais pela controvérsia em afirmar quais os elementos essenciais para configurar a presença do instituto como concebemos hoje.

Verificou-se que tanto a história nacional quanto a internacional do Tribunal do Júri, sempre acompanhou o momento político do país em que estava inserido. Era muito prestigiado em momentos de maior fortalecimento da democracia e enfraquecido nos momentos de centralização do poder.

No Brasil, ainda que em abordagem sumaria, verificou-se o tradicionalismo do Tribunal do Júri em nosso ordenamento jurídico. Nascido em 1822 com decreto imperial para julgar crimes de imprensa, permanecendo ate a presente data. Com as oscilações pertinentes as Constituições Federais que ora o tratavam como direito fundamental, ora como órgão do judiciário.

Ao abordarmos a concepção atual do Tribunal do Júri foram colocadas questões que instruem a grande maioria dos trabalhos acerca do espaço do Júri, como a inatividade dos jurados, entenda-se inatividade como sendo o pouco interesse que os jurados dedicam ao julgamento em plenário, colocando interesses individuais acima do interesse coletivo e tratando a nobre função de julgador popular com um pesado fardo. Também abordamos a flagrante disparidade que hoje existe entre acusação e defesa, as armas que estão a disposição do Promotor de Justiça são infinitamente superiores às da defesa, principalmente quando se trata de defensor dativo ou Advogado recém formado, onde o pouco interesse ou a falta de experiência contribuem muito para a condenação e/ou reconhecimento de agravantes e qualificadoras. Por fim, falamos da pressão midiatica que atualmente impera neste país, capaz de movimentar a opinião publica e “forçar” a criação de leis e orientar decisões judiciais. Ora se a mídia consegue tais feitos, com facilidade ainda maior consegue induzir negativamente os jurados que compõem o conselho de sentença. Difícil imaginar que os jurados incumbidos de julgar casos como Susana Von Richthofen e os irmãos Cravinhos, cheguem ao plenário completamente imparciais. Com isso, atentamos também para a corrente que defende a supressão do Júri do nosso ordenamento jurídico, que entre outros argumentos, sustentam que o instituto já não cumpre mais sua função social.

Por último, versamos superficialmente sobre os projetos de lei que apresentam mudanças para o Júri, bem como suas perspectiva de futuro. Seu futuro é certo, será mantido na legislação brasileira por vários anos. As propostas de mudanças, nas quais nos apegamos para garantir a sua permanência, excluindo aquelas que ampliam a competência para julgamentos pelo Tribunal do Júri, são de fato inovadoras e, se aprovadas, trarão, ao nosso ver, uma celeridade maior ao procedimento sem excluir os direitos fundamentais.

Com isso, defendemos a instituição do Júri, bem como sua permanência em nosso direito. Se aparadas as arestas e revistos alguns pontos que atualmente mantém uma distancia muito grande entre acusação e defesa. Enxergamos no Júri uma das maiores representações de uma sociedade puramente democrática. Atingir o ideal não é tarefa fácil, porem, num país repleto de excelentes juristas não é uma tarefa impossível.


Referencias Bibliográficas

DELMANTO, Roberto – O Descrédito do Júri, Jornal Tribuna do Direito, São Paulo. edição de abril de 2003.

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Tribunal do Júri: vamos acabar com essa idéia: disponível em www.ufsm.br/direito/artigos/processo-penal/juri.

NUCCI, Guilherme de Souza – Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da evolução da instituição do júri no tempo, sua atual estrutura e novas propostas de mudanças. Projeto de Lei nº 4.203/2001. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, 11 jun. 2005.

PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: IBCCRIM, 2003. 157 p. (Monografias, 27).

RAMALHO TERCEIRO, Cecílio da Fonseca Vieira, Escorço histórico do Tribunal de Júri e sua perspectivas para o futuro frente a reforma do processo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003.

REIA, Cecília. Violência virtual e o direito penal de emergência: www.ibccrim.org.br, 13.01.2005.

ZOMER, Ana Paula – Tribunal do Júri e Direito comparado – sugestões para um modelo brasileiro. Disponível na internet: www.ibccrim.com.br, 17.05.2001.


Bibliografia de apoio

DELMANTO JUNIOR, Roberto – Inatividade no processo penal brasileiro. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

LEAL, Saulo Brum. – Júri popular. – 4. ed. Ver. Atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

PASCHOAL, Janaina Conceição – Constituição, criminalização e direito penal mínimo – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

TUCCI, Rogério Lauria, Liberdade, opinião publica e independência do juiz. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.º 59, p. 15, out. 1997.


Notas do texto

[1] REZENDE, Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo. Da evolução da instituição do júri no tempo, sua atual estrutura e novas propostas de mudanças. Proj. de Lei n.º 4.203/2001. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 706, 11 jun. 2005.

[2] RESENDE, ibidem.

[3] NUCCI, Guilherme de Souza – Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. pág. 699

[4] RESENDE, ibidem.

[5] RESENDE, ibidem.

[6] RAMALHO TERCEIRO, Cecílio da Fonseca Vieira, Escorço histórico do Tribunal de Júri e sua perspectivas para o futuro frente a reforma do processo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003.

[7] DELMANTO, Roberto – O Descrédito do Júri, Tribuna do Direito, São Paulo. edição de abril de 2003, p. 20.

[8] MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Tribunal do Júri: vamos acabar com essa idéia: disponível em www.ufsm.br/direito/artigos/processo-penal/juri.

[9] REIA, Cecília. Violência virtual e o direito penal de emergência: www.ibccrim.org.br, 13.01.2005.

[10] TANA, Débora Regina. Cultura do Medo - Reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: IBCcrim, 2003.

[11] ZOMER, Ana Paula Tribunal do Júri e Direito comparado-sugestões para um modelo brasileiro. Disponível na Internet: www.ibccrim.com.br; 17.05.01.

[12] RAMALHO TERCEIRO, ibiden.

[13] Exposição de Motivos do Projeto de Lei n.º 4.203/2001.

Fonte: Escritório Online


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