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Escritório Online :: Artigos » Direito Processual Penal


Quando o Código de Processo Civil vem em socorro do processo penal

06/07/2007
 
Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar



Resumo: O processo penal e o processo civil são divisões do mesmo ramo do ordenamento jurídico - o Direito Processual. A diferença refere-se basicamente à matéria tratada em cada um. Porém, enquanto o processo civil é constantemente modernizado, o processo penal continua atrelado a diversos anacronismos. É necessária, portanto, a aplicação analógica das diversas reformas do processo civil ao processo penal.

Sumário: 1. Introdução. 2. O caráter instrumental do processo. 3. A unidade do processo. 4. A título de conclusão.

1. Introdução

Há duas obviedades que os bacharéis em Direito sabem desde os tempos da faculdade. Primeiramente, o Direito Processual Civil e o Direito Processual Penal são divisões do mesmo ramo do ordenamento jurídico: o Direito Processual. A separação de códigos ocorre simplesmente por uma divisão em razão da matéria (penal ou civil)[1]. É significativo que se adote a matéria de Teoria Geral do Processo antes do estudo separado de cada uma dessas divisões. Em segundo lugar, o caráter instrumental do processo, que não é uma finalidade em si mesmo, mas um meio de aplicar o direito material ao caso concreto. Supervalorizar o processo é privilegiar os meios em detrimento dos fins[2].

2. O caráter instrumental do processo

Infelizmente, os Códigos de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941) e de Processo Civil (Lei 5.869/1973) não conseguiram fazer a devida ponderação entre a celeridade e a segurança jurídica. Radicalmente, escolheram este último princípio e, na procura da tão fugidia "busca da verdade", o processo tornou-se repleto de formalismos, que poderiam a qualquer momento anular um ato processual ou, até mesmo, o processo. Até hoje, a maioria das demandas é resolvida com base no direito processual e não no direito material. Aliás, o processo tornou-se o refúgio dos chicaneiros, que, não tendo como vencer a lide no mérito, procuram uma questiúncula processual para retardar ou mesmo impedir a solução da lide[3].

O processo civil lentamente foi sendo alterado. As sucessivas ondas de reforma iniciadas na década de 1990 deram uma configuração radicalmente diversa em vários institutos do CPC. Apenas em 2006, dezenas de dispositivos alteraram o Código, possibilitando a solução das lides com a necessária celeridade. O princípio da razoável duração do processo estava em implantação na seara cível bem antes de ser formalizado na Constituição pela Emenda 45/2004.

O Código de Processo Penal, por sua vez, passou por pouquíssimas alterações desde sua edição em 1941. Nesses 66 anos, muito pouco mudou. Nunca houve uma verdadeira reforma do processo penal, apenas alterações casuísticas realizadas com o intuito de resolver situações específicas[4]. Propostas de modernização do processo penal não faltam, como bem demonstrou o seminário "A Reforma do Processo Penal Brasileiro", realizado no Ministério da Justiça, em 2005, mas o legislador raramente se digna a implementá-las. Enquanto isso, o sistema penal consegue ser duplamente perverso em sua morosidade: submete inocentes a longas esperas, muitas vezes privados de sua liberdade e de seus bens; e possibilita aos culpados, principalmente aqueles mais aquinhoados, a protelação indefinida do processo, cuja conseqüência é, muitas vezes, a prescrição da pretensão punitiva.

3. A unidade do processo

Como visto, o Direito Processual é um só e seus institutos (ação, recurso, competência, sentença, etc.) são compartilhados por todos os seus ramos (civil, penal, administrativo e trabalhista). Por isso, a supressão de lacunas legais com o emprego da analogia é amplamente permitida e, na maioria das vezes, obrigatória, pois, de acordo com o art. 126 do Código de Processo Civil, o juiz não se exime de julgar alegando lacuna ou obscuridade da lei.

O Código de Processo Penal tem norma expressa a esse respeito (art. 3°), em que admite a aplicação da analogia, ou seja, as omissões legais, em determinados casos, podem ser supridas por preceitos do código referentes a casos semelhantes. Ex.: a carta precatória é prevista para a citação e utilizada por analogia para a intimação. A utilização dos preceitos processuais civis também é permitida, desde que não restrinja a liberdade do réu, objetivo maior da proteção das leis processuais penais. Assim, não é possível a aplicação do instituto da antecipação da tutela, previsto no art. 273 do CPC, para aplicar a pena antecipadamente, por ofensa ao princípio da presunção de inocência; mas é possível que o juiz penal utilize a suspeição por motivo íntimo, prevista apenas no Código de Processo Civil (art. 135, parágrafo único).

Os intérpretes do Código de Processo Penal, há tempos, deparam-se com um grave problema: adaptar as disposições do vetusto código à Constituição de 1988. Hoje, há outro desafio que mal foi compreendido ainda: a aplicação das reformas do processo civil ao processo penal, obviamente, no que couber.

Faz-se aqui uma proposta de aplicação de algumas das mais recentes leis processuais civis ao processo penal:

I) Lei 11.277, de 16 de fevereiro de 2006 - inclui dispositivo polêmico e revolucionário no CPC: o art. 285-A, que prevê o processo sem contraditório nos casos em que a matéria controvertida for unicamente de direito e o juiz já houver proferido sentença de total improcedência em casos semelhantes, (situação em que poderá ser dispensada a citação e prolatada a sentença). Tal dispositivo é particularmente salutar em casos de ação penal condenatória no sentido de impedir que o réu seja submetido ao constrangimento de um processo inviável;

II) Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006 - modifica diversos dispositivos do CPC. São aplicáveis ao processo penal as modificações dos arts. 143, 238, 365, 411 e 493. As alterações restantes referem-se à execução da sentença, que, por óbvio, é completamente diversa no juízo penal;

III) Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006 - acrescenta ao Código de Processo Civil dispositivos que regulamentam o § 3° do art. 102[5] da Constituição Federal. Trata-se do instituto da repercussão geral, que tem o objetivo de impedir que recursos extraordinários sem maior importância social, política ou jurídica sejam analisados pelo Supremo Tribunal Federal. Somente foram modificados dispositivos do CPC, mas o instituto é plenamente aplicável ao processo penal. Nesse sentido é o recentíssimo julgado do Supremo Tribunal Federal (Informativo 472, de 18 a 22 de junho de 2007):

"Repercussão Geral e Recurso Extraordinário em Matéria Criminal - 2

Salientou-se, inicialmente, que os recursos criminais de um modo geral possuem um regime jurídico dotado de certas peculiaridades que não afetam substancialmente a disciplina constitucional comum reservada a todos os recursos extraordinários e que, com o advento da EC 45/2004, que introduziu o § 3º do art. 102 da CF, a exigência da repercussão geral da questão constitucional passou a integrar o núcleo comum da disciplina constitucional do recurso extraordinário, cuja regulamentação se deu com a Lei 11.418/2006, que alterou o texto do CPC, acrescentando-lhe os artigos 543-A e 543-B. Entendeu-se que, não obstante essa alteração tenha se dado somente no CPC, a regulação se aplicaria plenamente ao recurso extraordinário criminal, tanto em razão de a repercussão geral ter passado a integrar a disciplina constitucional de todos os recursos extraordinários, como por ser inequívoca a finalidade da Lei 11.418/2006 de regulamentar o instituto nessa mesma extensão. Além disso, aduziu-se que não haveria óbice à incidência desse diploma legal de forma subsidiária ou por analogia, e citaram-se diversos precedentes do Tribunal reconhecendo a aplicação por analogia do CPC ao processo penal. Afirmou-se, também, não haver se falar em imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal, tendo em conta estar em causa, normalmente, a liberdade de locomoção. Esclareceu-se que o recurso extraordinário visa à preservação da autoridade e da uniformidade da inteligência da CF, o que se reforçaria com a necessidade de repercussão geral das questões constitucionais nele debatidas, ou seja, as que ultrapassem os interesses subjetivos da causa (CPC, art. 543-A, § 1º), e destacou-se, ademais, sempre ser possível recorrer-se ao habeas corpus (CF, art. 5º, LXVIII) como remédio à ameaça ou lesão à liberdade de locomoção, com a amplitude que o Tribunal lhe tem emprestado." AI 664567 QO/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 18.6.2007. (AI-664567) (grifou-se)

Aliás, não há razão alguma para que a disciplina dos recursos especial e extraordinário seja diversa no processo penal (Lei 8.038/90, art. 26-29) e no processo civil (CPC, art. 541-546);

IV) Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 - dispõe sobre a informatização do processo judicial. Contém disposições revolucionárias, permitindo o uso de meio eletrônico na tramitação dos processos (art. 1°, caput), o que, sem dúvida, contribui para a celeridade e a economia processual. Apesar de permitir seu uso no processo penal (art. 1°, § 1°), apenas dispositivos do Código de Processo Civil foram alterados. Todas essas alterações podem ser aplicadas analogicamente ao processo penal. Não há sentido, por exemplo, em permitir a expedição de carta (precatória, rogatória ou de ordem) por meio eletrônico no processo civil (art. 202, § 3°) e vedá-la no processo penal.

4. A título de conclusão

Em vista de seus institutos básicos, o processo penal tem muito mais identidade com o processo civil do que com o Direito Penal. Como dito, ambos pertencem ao mesmo ramo do Direito Público: o Direito Processual. Nas palavras de Marques (2003, p. 11):

"Em suas linhas mestras, a estruturação processual da justiça penal não difere daquela que envolve a jurisdição civil. O processo, como instrumento de atuação da lei, é um só. Regras procedimentais diversas que, em um e em outro, possam existir, não constituem motivo suficiente para fazer do processo civil e do processo penal categorias estanques".

Apesar desse fato unanimemente reconhecido pela doutrina, o processo penal tornou-se cada vez mais relegado em terras brasileiras. A doutrina processual civil é sumamente mais desenvolvida que a processual penal, talvez por um reflexo da maior sofisticação do CPC em contraste com o CPP, que requer grande esforço hermenêutico do intérprete para adequá-lo aos tempos atuais[6].

Não há um motivo explícito para esse estado de coisas. Mas ouso formular uma hipótese: as lides civis versam basicamente sobre questões pecuniárias, enquanto as lides penais colocam em jogo basicamente a liberdade do réu e a segurança da sociedade. Um expectador desatento poderia dizer que sobreleva a importância da liberdade e da segurança sobre o patrimônio.

Infelizmente, o panorama atual em nosso país dá a entender que valores pecuniários são mais relevantes que valores personalíssimos do ser humano. Enquanto a sociedade, justamente, revolta-se contra o desvio de dinheiro público, fica inerte com as cinqüenta mil mortes anuais (número que, devido à subnotificação das mortes nos hospitais, pode ser três vezes maior). A "clientela" do sistema penal (especialmente autores e vítimas de crimes violentos) é formada, na sua quase totalidade, por pessoas de baixa renda, que pouca ou nenhuma influência têm na vida política de nossa sociedade[7].

Essa ideologia tosca, que poderíamos chamar de "dinheirismo"[8], relegou ao descaso o processo penal. Por outro lado, o aplicador deve interpretar as normas do modo que melhor favoreça o interesse público[9]. E, na situação em que se encontra o processo penal brasileiro, a satisfação do interesse público de liberdade e de segurança passa, necessariamente, pela adoção dos novos paradigmas do processo civil.

Bibliografia:

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 2005.

IBCCRIM e IDDD. Decisões Judiciais nos crimes de roubo em São Paulo: a lei, o direito e a ideologia. São Paulo: Ibccrim, 2005.

KAMEL, Ali. Não somos racistas. São Paulo: Nova Fronteira, 2006.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal - Volume I. São Paulo: Millenium, 2003.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2003.

Notas do texto:

[1] De acordo com Fernando Tourinho (2003, p. 21), "Observa-se que tão grande é a afinidade entre ambos que, entre nós, ao tempo do 'pluralismo processual', havia na Bahia, em Santa Catarina e no antigo Distrito Federal um Código de Processo para os dois setores".

[2] A esse respeito, ver a fundamental obra de Cândido Rangel Dinamarco: A instrumentalidade do processo.

[3] O fato de o Poder Judiciário raramente aplicar pena por litigância de má-fé funciona como estimulante para essa prática.

[4] Exemplo disso é a alteração realizada no art. 295 do CPP pela Lei 10.258/2001, que passou a considerar a prisão especial simplesmente como um local distinto da prisão comum. Pouco antes, o juiz Nicolau dos Santos Neto havia sido preso por desvio de verbas públicas em cela bastante luxuosa, o que indignou a opinião pública e motivou a mudança da lei.

[5] § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[6] Exemplo pitoresco desse fato é a referência a "Tribunal de Apelação", expressão em desuso há décadas.

[7] No livro "Não somos racistas", Ali Kamel demonstra com absoluta propriedade que o preconceito do brasileiro não é motivado pela raça, mas pela classe social.

[8] Essa ideologia contamina o próprio sistema penal: enquanto São Paulo resolve apenas 12% dos homicídios, 46,5% dos indivíduos presos foram condenados por roubo (in Decisões Judiciais nos crimes de roubo em São Paulo: a lei, o direito e a ideologia).

[9] Nos termos do art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Fonte: Escritório Online


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