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Escritório Online :: Artigos » Direito do Consumidor


Consórcios - Modificações decorrentes do advento do Código de Defesa do Consumidor como obstáculo para o enriquecimento sem causa. A questão do ato jurídico perfeito e do direito adquirido.

12/10/2000
 
Joaquim de Almeida Baptista



- I -
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº 8.078

A questão da irretroatividade das leis é tema que angustia os filósofos do direito, ao longo dos séculos. A rigor, pode-se afirmar que toda lei retroage. A retroação tem obstáculo na existência das garantias dos direitos fundamentais, denominados infra-constitucionais que estão estampados no inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal.

Se não houver nenhum ato jurídico perfeito, a coisa julgada e a ocorrência do direito adquirido, a retroação pode se dar. Havendo qualquer destes subprincípios constitucionais há a trava e eles não podem ocorrer.

Há exceções e o próprio Ordenamento Jurídico as admite. Uma, é quando a própria constituição diz que os subprincípios do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada são afastados por outra garantia, ou direito fundamental. Dois, o elenco não se esgota aí. O § 1º, do art. 5º, explicita que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. São as chamadas Leis Complementares, que estão abaixo da Constituição e acima das Leis Ordinárias. O § 2º, do art. 5º, explicita que o elenco das setenta e seis hipóteses de garantia e as leis que complementarizam essas garantias "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotadas, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte".

Os juristas têm procurado situar as hipóteses que se agregariam a esse romaneio de garantias. Alguns, enfatizam que o tema se esgota em se dividir o direito em dois ordenamentos. Os que têm pálio na "ordem pública" e os que estão fora desse abrigo, constituindo a "ordem privada".

Não satisfaz a solução. Primeiro, porque "ordem pública" situa-se nas expressões que não primam pela imprecisão, como é o conceito de nação, de língua, de povo. Dizer por exemplo que no Brasil fala-se o português e que nos Estados Unidos fala o inglês é a mesma coisa que se dizer que o palestino que nasce em Israel é israelita; ou o judeu que nasce na Rússia é russo. A língua portuguesa que se fala no Brasil adquiriu regras de sintaxe e muitas palavras tomaram sentido totalmente dissociado do que é entendido em Portugal. E vice-versa, alguém no Brasil que diga a frase explicando seu ato de dirigir um carro: "levei uns travões ao fundo", por certo ninguém o entenderá. Se dizermos que um palestino que nasceu em Israel é israelita, por certo ganharemos um inimigo.

São expressões e sentidos que nada esclarecem e precisam de uma complementarização. Soltos, os conceitos nada dizem. Padecem de anfibiologia.

O direito é rico nestas expressões, "ordem pública", "irretroatividade da lei". "Toda lei tem que ser observada por todos".

Não se legisla para o passado. Editam-se leis para o futuro. Este comando não é para as partes quando contratam. É para o legislador e para o Juiz. Os contratos valem de acordo com a lei que o regem no instante que se celebra a avença. A lei que virá depois, não os pode afetar.

Embora simples o entendimento e o princípio tenha mais de dois mil anos, foi necessário se estampar esta regra na Constituição de 1988. Está ela dito de forma clara no art. 174 e isto teve que ser feito para que o executivo, o legislativo e o judiciário parassem de ver na ambigüidade da expressão "composição de ordem pública" formas de se intervir nos contratos, beneficiar os inadimplementes e prejudicar os credores.

Um princípio que não estava e não está - até hoje - expresso no ordenamento jurídico é o enriquecimento sem causa. Ele é repudiado pelo sistema nas relações dos contratos, especialmente naqueles que se fazem por adesão, sem possibilidade de uma das partes, modificar-lhe as condições. Especialmente nos casos em que a Lei o admite. Agostinho Arruda Alvim em estudo sobre o tema do enriquecimento sem causa, acha-o legítimo se há lei permissiva, conforme externou em trabalho que publicou na Revista dos Tribunais.

Nas relações Consorciado e Administradora do Consórcio essa permissividade vinha sendo admitida. O enriquecimento ilícito ficava evidente, se o prestamista, num grupo de cinqüenta participantes concorre com parcelas que correspondam a um cinqüenta avos do valor do bem. Se a soma das parcelas pagas e corrigidas pelos índices oficiais de correção monetária, excede o valor do bem adquirido pelo sistema, fica evidente que há um enriquecimento sem causa, ainda que seja considerada a taxa de administração em favor da administradora do consórcio. Embora não fosse impedimento a existência da norma permissiva, para pôr cobro à situação, bastava deslocar a discussão para o restabelecimento do equilíbrio dos contraentes, na avença, que está ínsito no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que admite o Juiz intervir no contrato.

O Constituinte de 1988, fez constar entre as garantias fundamentais "o direito do consumidor". E, aqui, sim, não há nenhum freio para que se legisle para o passado, como está no art. 1º da Lei nº 8.078, de 11-09-1990. Ela o é não porque o art. 1º o diz ser a norma do Código de Defesa do Consumidor de ordem pública. É porque o inciso XXXII do art. 5º da constituição dá o direito do consumidor como o direito fundamental. É, ainda, porque a Constituição no art. 5º, § 1º, ao regular e definir que as leis que disciplinam os direitos fundamentais estão ao nível da constituição, complementarizam aquilo que diz que é fundamental, dito na Carta Política resumidamente. A lei explicita o que é o direito fundamental.

Portanto, se a vontade do constituinte foi estabelecer um direito para o consumidor, diverso daquele que tudo que se interpretava, se legislou, se interpreta, esta nova "ordem pública" rompe o que se contratou.

Aqui está o que seja conceito de ordem pública é o que a constituição diz que, de forma expressa. Não se pode mais falar em ato jurídico perfeito e direito adquirido. Muito menos uma norma regimental feita para regular um grupo de pessoas que se unem para adquirir um bem. Correspondendo sempre a parcela de cada consorciado a uma cota parte que é a divisão do valor do bem, pelo número de partícipes do grupo. Se a soma das parcelas pagas excede, como está excedendo o valor do bem, o consorciado tem legitimidade ativa para pedir que a empresa administradora do consórcio preste-lhe contas. Já que este direito subjetivo não é legitimado só para o grupo, transfere-se aos que compõem o grupo. Como é a administradora do consórcio legitimada passivamente a ter que prestar contas do que recebe e dos valores que paga. Todo o ordenamento se verga a este novo comando. Inverte-se o princípio de que quem alega prova; a) ultrapassa-se a responsabilidade do contrato do contratante para atingir terceiro que fez parte na cadeia do fornecimento; b) despersonaliza-se a pessoa jurídica para se permitir a constituição dos bens do sócio dessa mesma pessoa jurídica; c) declaram-se cláusulas de renúncia de direitos, ainda que o advento de Leis posteriores venham a convalidar a renúncia de direitos, como é o caso, por exemplo, entre muitos, do art. 35, da Lei nº 8.245, 21-10-1991, que entesta com o que diz o art. 51, XVI, da Lei nº 8.078, de 11-09-1990.

O direito adquirido e o ato jurídico perfeito não são travas para impedir que se exija de quem administra recursos financeiros de terceiros, reunidos num grupo, que se associa para adquirir um bem, fique ao largo da obrigação de prestar contas do que recebe e do que paga. Este Direito tanto é do grupo, que se materializa nas Assembléias Gerais, Ordinárias ou Extraordinárias, como para todos os partícipes do grupo, que individualmente podem exigir que se lhes preste contas dos valores que foram pagos. Ainda que o Estatuto do Consórcio diga que a prestação de contas só se fará nas Assembléias Gerais para o grupo consorcial, por força do Código de Defesa do Consumidor.

- II -

DA INVALIDADE DAS NORMAS EDITADAS PELO MINISTÉRIO DA FAZENDA

A Lei nº 5.768, de 20-12-1971, regula a organização dos Consórcios, forma associativa que objetivam a aquisição de bens de qualquer natureza, como está definido no inciso I, do art. 7º.

O Decreto Federal nº 70.951, de 09-08-1972, que regulamentou a Lei suso, no § 3º, do art. 7º, dispõe que no caso de Consórcio Organizado para compra de mercadoria a varejo (e nela se inclui a compra de carros, computadores, televisores, etc.), quando houver a desistência ou o inadimplemento do prestamista (entendendo-se o consorciado), a partir da quarta prestação inclusive este receberá no ato (= da desistência), em mercadorias nacionais, do estoque do vendedor e pelo preço corrente de venda a vista no mercado varejista, de praça indicada no plano, à data em que se verificar a desistência ou inadimplemento, o valor da tabela de resgate das prestações pagas, fixadas pelo Ministério da Fazenda.

O § 4º do mesmo artigo complementa que o valor do resgate será fixado proporcional e progressivamente às prestações pagas pelo prestamista, não podendo ser inferior a cinqüenta por cento das importâncias pagas, e, se não reclamado até sessenta dias do término do contrato de venda será recolhido do Tesouro Nacional.

A Instrução Normativa nº 8, da Secretaria da Receita Federal, do Ministério da Fazenda, de 24-02-1972, no item 2, letra S, diz que constarão no regulamento do Consórcio, além de outras, a indicação das normas aplicáveis aos casos de desistência de participantes do plano.

Desta linguagem ambígua, iníqua e com atecnia evidente, valeram-se as administradoras dos Consórcios para acrescer como item do regulamento que as devoluções das parcelas pagas seriam feitas sem correção monetária, com evidente desrespeito à Lei nº 6.899, de 09-04-1991.

As Associações das Administradoras de Consórcios com espeque em respeitáveis pareceres, passaram a fazer a devolução singela, sem indexar os valores pagos. Quando acionados em Juízo, os Consórcios levantavam duas questões: uma, teriam que integrar o pólo passivo todos os componentes do grupo. Fato que dificulta e quase inviabiliza a defesa do consorciado para receber em devolução, o que pagou, corrigido. Duas, o regulamento disciplinava que as parcelas pagas, em caso de desistência, ou de inadimplência seriam restituídas em dinheiro, sem indexação e depois de deduzidos os valores dos prejuízos que os inadimplentes, ou os desistentes ocasionavam ao grupo consorciado.

Com as primeiras manifestações dos tribunais ordinários, ora era exigida a correção monetária dos valores pagos. Ora, não. Passando esta última corrente a prevalecer, no sentido que a devolução far-se-ia de forma singela.

O artigo 25 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal afastam as Normas Delegadas e, entre estas, as que regram os consórcios.

- III -

DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA ADMINISTRADORA DO CONSÓRCIO

O Código de Defesa do Consumidor ao estabelecer que o adquirente por compromisso, em caso de desistência, pode receber os valores que pagou, durante o curso do contrato, estabeleceu - em realidade - uma condição potestativa para somente uma das partes contratantes, o que se afigura alteração ao artigo 115 do Código Civil.

No magistério de J. M. Carvalho Santos ("Código Civil Brasileiro Interpretado", vol. XII/383-38, 13ª edição, Livraria Freitas Bastos S/A), quatro são os requisitos essenciais para estar caracterizado o enriquecimento sem causa: a) locupletamento: enriquecimento material, intelectual ou moral direto (v.g., aumento do patrimônio etc.) ou indireto (v.g., liberação de uma servidão, uma perda evitada etc.); b) empobrecimento correlato da outra parte: positivo (perda material) ou negativo (serviço, trabalho ou esforço realizado).

Em outras palavras: toda diminuição efetiva do patrimônio ou a frustração de vantagem legítima; c) falta de justa causa: sem razão jurídica, ou seja, sem amparo no Direito, na lei ou em obrigação, exigindo-se, ainda, que inexistia vontade ou culpa do credor empobrecido, isto é, o empobrecimento não deve decorrer de culpa sua.

Reclama-se, assim, ausência de causa que justifique o enriquecimento, quer porque falte, quer porque seja reprovado pelo Direito. "Para se saber se houve enriquecimento sem causa, indagará o intérprete se a vantagem patrimonial obtida é atribuído por uma razão justa, por um título legítimo, por um motivo lícito" ("Obrigações", Orlando Gomes, 8ª edição, Forense, 1986, pág. 303); d) relação de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento.

Observam, ainda, Carvalho Santos e Orlando Gomes que a ação de enriquecimento sem causa tem caráter subsidiário, mas não serve de panacéia para reparar todo direito lesado, caso contrário todas as ações seriam absorvidas pela de in rem verso. "Se por negligência, perdeu o titular o direito de exercer ação direta e apropriada que lhe competia, como, por exemplo, a de restituição do indevido, a de anulação do contrato, a de gestão de negócios, não poderá valer-se depois da ação de in rem verso (cf. CUNHA GONÇALVES, ob. cit., nº 607; DEMOGUE. ob. cit., nº 175; RIPERT, ob. cit., nº 147)" (Carvalho Santos, opus cit., pág. 389).

Desta maneira, se a ação in rem verso tem caráter subsidiário, somente devendo ser intentada quando o indivíduo que se julga lesado não tiver ao seu dispor ação fundada em contrato, delito ou preceito especial de lei, ela não substitui, os recursos nem a ação rescisória. Poucas não são as decisões judiciais que têm reflexo econômico.

Agostinho Alvim, esclarece que:

"O requisito do empobrecimento é exigido pelos doutrinadores, em geral. Querem alguns que haja uma deslocação patrimonial, isto é, a transferência de um valor econômico de um patrimônio para outro. Neste sentido Planiol, que defende empenhadamente este ponto de vista. Outros há que fazem referência a essa deslocação de valor, de um patrimônio para outro, mas sem lhe dar um sentido, ao pé da letra".

E arremata:

"Realmente, estabelecido um nexo entre o empobrecimento e um ato ilícito, a jurisprudência costuma desprezar o pedido".

Todavia, Demogue, levando mais longe a investigação, mantém reservas a respeito, e entende que:

"Pelo menos haverá obrigação natural de pagar, e que a ilicitude do ato apenas diminui os efeitos do enriquecimento" (Do Enriquecimento sem Causa, Agostinho Alvim, págs. 03/36, do vol. 259, da Rev. dos Tribunais).

Este conflito, entre o que diz o artigo 115 do Código Civil e o que afirma o artigo 53 da Lei Complementar à Constituição Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, é somente aparente, porquanto esta, sendo Norma Complementar ao que diz o inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, prevalece sobre aquela e pode se fixar o entendimento que o consumidor pode desistir unilateralmente do contrato de consórcio, recebendo de volta o que pagou, abatido os valores das despesas que o Grupo de Consorciado teve, sem que ocorra o conflito de normas.

O art. 40 do Decreto Federal nº 70.951, de 09-08-941, estabelece que as sociedades civis organizadas no sistema de consórcios, sob a fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda são responsáveis pelas obrigações passivas da sociedade autorizada, representadas pelas constituições recebidas dos seus consorciados e ainda não aplicadas na aquisição dos bens (§ 2º, do art. 41, vol. XXVI; págs. 1160/1161).

Sobre ser o grupo de consorciados quem suporta as conseqüências da condenação, e que agem as Administradoras em seu nome, não deixam dúvidas as normas editadas pela Portaria n. 190, de 27 de outubro de 1989.

O art. 12 do Código de Processo Civil, enumera entes, personalizados ou não, que podem figurar como parte, e dispõe sobre a respectiva representação. Partes no processo serão aqueles e não seus representantes.

A legitimidade para a causa, segundo E. D. Moniz de Aragão, "se apura sem vista da relação jurídica de direito material em que surge o conflito de interesse" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 522).

Hélio Tornaghi explicita que:

"em geral a lei concede ação ao titular de direito subjetivo ao interesse reflexamente protegido. Nesse caso a parte legítima no processo (parte em sentido formal) é a mesma parte na relação de direito substantivo apreciada em Juízo (parte em sentido substancial)" (Comentários do Código de Processo Civil, vol. I, pág. 91).

As condições de ação constituem requisitos necessários à prolação da sentença de mérito. Sua aferição deve ser feita à luz da situação jurídica de direito material posta pelo autor na petição inicial. Isto é, examina-se hipoteticamente a relação substancial, para extrair dali a possibilidade jurídica da demanda, o interesse e a legitimidade.

Trata-se de análise realizada "in" statu assertionis, ou seja, mediante cognição superficial que o juiz faz à relação material (cf. Apel. n. 557.561-1/SP, 1º TACSP, 12ª Câm., j. 28.09.95; Apel. n. 586.563-0, São José do Rio Preto, 1º TACSP, 12ª Câm. Esp. Jan./95, j. 10.01.95; Ap. Cív. n. 143.232-1/6, TJSP, 2ª Câm., Rel. Des. César Peluso, j. 10.12.91; REsp n. 21.544-0/MG, STJ, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 08.06.92, pág. 8.619; AI n. 40.951-1/SP, STJ, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 08.10.93, p. 21.091; em sede doutrinária, cf. Justitia n. 156/48; José Carlos Barbosa Moreira, "Legitimidade para agir. Indeferimento da petição inicial", "in" "Temas de direito processual", vol. I, Saraiva, págs. 198 e segs.; Kazuo Watanabe, "Da cognição no processo civil", RT, 1987, págs. 58 e segs.; Donaldo Armelin, "Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro", RT, 1979, pág. 83; Ary de Almeida Elias da Costa, "A legitimidade das partes na doutrina e na jurisprudência", Coimbra, Livraria Almedino, 1965, págs. 32/34; Giovanni Verde, "Profili del processo civile", parte generale, Jovene Ed., Napoli, 1978, pág. 130; Crisanto Mandrioli, "Corso di diritto processuale civile", vol. I/55, 2ª ed., Grappichelli Ed.; Elio Fazzalari, "Instituzioni di diritto processuale", Padova, CEDAM, 1975, pág. 134 e "Note in tema di diritto e processo", Giuffrè, Milano, 1957, pág. 160).

O melhor entendimento doutrinário opõe-se a que se entenda como objeto da tutela jurisdicional a vontade correta da lei. É ela mero instrumento de satisfação do interesse deduzido na pretensão inicial. Não pode o autor pretender que o instrumento, de que o ordenamento jurídico se utiliza para a composição dos conflitos de interesses, seja o fim por ele visado. Há de demonstrar, para que se encadeie a prestação jurisdicional pretendida, que a aplicação da lei atenda a uma sua necessidade ou utilidade, razões essas que fundamentam todo e qualquer interesse sobre um bem da vida. E, desde que não o possui o autor, tal interesse, que compõe o direito subjetivo material, a sua ação é improcedente (Ac. unân. da 5ª Câm. do 2º TA Civ.-SP, de 28/11/74, na Apel. 23.479, rel. Juiz Maércio Sampaio).

Somente é possível o exercício do direito de ação quando há motivo que justifique a solicitação da prestação jurisdicional sendo, ainda, necessário que o autor possua legitimidade ativa "ad causam", tornando-se carente aquele que dá plena e geral quitação da dívida, por faltarem condições da ação indenizatória (Ac. unân. da 3ª Câm. do TA-MG, de 16/09/86, na apel. 32.184, rel. juiz Francisco Brito; Rev. JTAMG, vol. 28, p. 210).

Destarte, a titularidade na relação de direito material é necessária para que se apresente a condição da ação inerente à "legitimatio ad causam", como bem nos assevera José Frederico Marques, seguindo lição do hoje Min. Alfredo Buzaid:

"A ‘legitimatio ad causam’ ou ‘legitimação’ para agir, constitui a segunda das condições da ação. Buzaid denomina-a de ‘pertinência subjetiva da ação’, porquanto consiste a legitimidade ‘ad causam’ (legitimidade da parte, ou também legitimação para agir) na individualização daquele em frente do qual se formula a pretensão levada ao Judiciário. Diz respeito a legitimação para agir à posição de autor e réu em relação a um litígio. ‘Só os titulares dos interesses em conflito têm direito à prestação jurisdicional e ficam obrigados a subordinar-se, ‘in caus’, ao império estatal’. ‘Legitimatio ad causam’ significa existência de pretensão juridicamente razoável" (in Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, Saraiva).

Em razão disto, o próprio Código de Processo Civil, é por demais explícito, ao ferir o tema em seu art. 6º:

"Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei".

Tecendo considerações sobre o preceito, Celso Agrícola Barbi diz:

"O artigo esclarece o princípio da legitimidade contido no art. 3º, no que se refere à legitimidade ativa. Ao negar que alguém possa pleitear, em nome próprio, direito alheio, a lei afirma o princípio afirmativo que ‘somente o titular do direito pode demandar acerca dele’. A regra é correta, porque, na verdade, é mais conveniente que o legislador deixe a cada pessoa a iniciativa de reclamar em Juízo os seus direitos. O titular de um direito é que melhor sabe se lhe convém reclamá-lo e o momento em que deve fazê-lo" (in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, ps. 115-116, Forense).

Mauro Capelletti enfatiza que:

"Já não se trata de proteger apenas os direitos subjetivos da pessoa, outorgando a tutela jurisdicional quando for alegada sua violação: também os interesses legítimos, ou seja, interesses coincidentes e compatíveis com os valores sociais e públicos tutelados, são alvo de igual proteção. Tal é a atualíssima lição de Liebmann (cf. Manuale di Direito Processuale Civile, 4ª ed., I, Milão, Giuffrè, nº 73). Restringir a legitimação, como no caso presente, é restringir a própria garantia da ação, contra a tendência dos tempos. É grande a responsabilidade social do Poder Judiciário, o que deve levá-lo a abrir-se a lamentações de toda ordem, em crescente ampliação de sua atividade violado, ou interesse legítimo comprimido. Essa tendência manifesta-se em várias frentes, como na preocupação pelas deficiências da assistência judiciária e nos recentes das pequenas causas e para a tutela jurisdicional do meio ambiente, ambos em tramitação na Câmara dos Deputados; são manifestações de uma preocupação de maior espectro, a da possibilidade de acesso à Justiça, objeto de sérios estudos promovidos por Mauro Cappelletti" (cf. Acces do Justice, Nova York e Milão, 1982).

A carência por ilegitimidade ad causam, sendo matéria de julgamento antecipado, impeditiva da apreciação do mérito, deve ser examinada no caso de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois de trata de prejudicial devendo ser conhecida de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição. V. CPC, art. 267, § 3º.

"Em outras palavras, em se tratando de condições da ação, mesmo que haja decisão a respeito, não há preclusão enquanto a causa estiver em curso, podendo o judiciário apreciá-la, em 1º ou 2º grau, e mesmo de ofício (RT 3/142). Liebmann, Manuale, 3ª ed., I, nº 74: de ofício e em qualquer grau"(Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código Civil Anotado, Rio, Forense, 1984, p. 124).

Celso Agrícola Barbi ao comentar o preceito, antes da vigência no novo texto constitucional, exemplifica tal exceção, em face da legislação própria que conferiu legitimidade ao Ministério Público para pleitear anulação de casamento contraído perante autoridade incompetente (Código Civil, art. 208, item II); aos parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta, e dos colaterais até o segundo grau, para anular casamento contraído pela menor de 16 anos e pelo menor de 18 anos (Código Civil, art. 213, item III); ao credor da falência, para ação revocatória não proposta pelo síndico (art. 55, da Lei n. 7.661/45) e ao titular de direito líquido e certo, decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro, para requerer mandado de segurança, se esse terceiro não o fizer, em prazo razoável, apesar de, para isso, notificado judicialmente (art. 3º, da Lei n. 1.533/51) ("Comentários", Forense, vol. I/110, 5ª ed., 1983, p. 110).

Mário Aguiar de Moura, em artigo de doutrina, seguindo essa mesma linha de Agrícola Barbi, publicado "in" Revista de Processo n. 47, p. 252, julho/setembro de 1987, acrescenta a esses exemplos, repetindo-os, outros, afirmando que:

"Desde Chiovenda, passando por Calamandrei, os autores usam citar exemplos, que se tornaram clássicos, de substituição processual, assim procedendo José Frederico Marques e Pedro Batista Martins.

Colhendo os casos mais expressivos, que se apanham nas citadas obras, menciono outros que surgiram em leis posteriores ou foram ignorados.

No ordenamento brasileiro, sem que se esgote a matéria, são casos de substituição processual:

a) O direito de o marido promover ações ou contestá-las e que tenham por objeto os bens dotais da mulher (art. 289, III, do CC).

b) A legitimidade dos parentes em linha reta ou colateral para promover a anulação do casamento do menor sem idade núbil (art. 213, II, do CC).

c) A legitimidade do ascendente ou irmão do cônjuge, ferido de incapacidade absoluta, para promover a ação de separação judicial (art. 3º, § 1º, da Lei n. 6.515, de 26.12.77).

d) O terceiro não interessado que quer pagar em nome do devedor, na ação de consignação em pagamento, quando o credor se recusa a receber (art. 930, parágrafo único, do CC).

e) O alienante da coisa litigiosa ou o cedente do direito controvertido em juízo, quando a parte contrária não dá sua ausência para o adquirente ou cessionário suceder o alienante ou cedente na relação jurídica processual. Na hipótese, a parte primitiva continua como tal na relação processual, mas defendendo o direito material do adquirente ou cessionário (art. 42, § 1º, do CPC).

f) O direito de terceiros de acionar o capitão, ao invés do dono de navio, relativamente às despesas feitas para fabrico, habilitação ou abastecimento da embarcação (art. 517 do Código Comercial).

g) O terceiro, com interesse exercitável contra o credor, para interromper a prescrição contra o devedor, nos termos do art. 174, III, do CC.

h) O caso do alienante na ação em que terceiro reivindica a coisa, quando se dá a denunciação da lide, passando o alienante o domínio do adquirente. Embora o alienante tenha o interesse de evitar os efeitos da evicção, durante o processo estará defendendo o direito do adquirente (arts. 1.116 do CC e 70, I, do CPC).

i) Legitimidade do fiador para promover o andamento da execução, quando o credor foi omisso (art. 1.498 do CC).

j) Legitimidade do Ministério Público, para ações cíveis, como propor ação de nulidade de casamento (art. 208, parágrafo único, II, do CC).

k) Legitimidade de qualquer acionista de promover a responsabilidade civil dos administradores pelos prejuízos causados ao patrimônio da sociedade, no caso de não ser proposta a ação no prazo de três meses da deliberação a respeito pela assembléia geral (art. 159, § 3º da Lei 6.404, de 15.12.76).

l) Legitimidade de qualquer cidadão para pleitear, através da ação popular, a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados ou dos Municípios, na forma da Lei n. 4.717, de 29.06.65. Neste caso, entendo que a substituição se dá em relação à pessoa jurídica de direito público lesada pelo ato da autoridade e não relativamente aos demais cidadãos, que conservam a possibilidade de intervirem com litisconsortes, o que é incompatível com a substituição processual (art. 153, § 31, da CF)".

Conforme o julgado no venerando acórdão emenado da Quinta Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, na Apelação n. 528.033-7, da Comarca de ITU, julgado em 30 de novembro de 1994., em que foi o Juiz NIVALDO BALZANO, Presidente e Relator (In Jurisprudência dos Tribunais de Alçadas Civis de São Paulo, Editora Lex - Volume 153 - Página 99):

"A cláusula controvertida, considerada como um todo, não apresenta o atributo da potestatividade de acordo com o conceituado no artigo 115 do Código Civil porque não priva o interessado de todo o efeito do seu ato de desistir e nem o sujeita ao arbítrio da outra parte. Na verdade ela é protectiva dos demais integrantes do grupo e seria do próprio recorrente caso permanecesse consorciado. Ela condiciona a restituição a determinados fatos ou circunstâncias e projeta o direito para o futuro. A razão fundamental de se condicionar a devolução das quantias pagas ao encerramento do grupo está em que só a partir desse momento haverá o balanço final, oportunidade de aferição do saldo de caixa porventura existente. Antes desse momento não surge o direito do cotista-desistente porque pode ter sido substituído logo no instante de sua retirada e sua conduta não causado prejuízo aos demais, como também isso pode não ter se verificado até o fim do prazo e resultado no desequilíbrio financeiro aludido. Ao cabo dos meses estabelecidos avalia-se o resultado do grupo e é por isso que só depois do termo final emerge o direito à restituição".

Mesmo de adesão, com a desistência do contratante e o seu desinteresse em se manter no grupo de consórcio cuja cota adquiriu, perfeitamente possível a rescisão e o restabelecimento das posições anteriores.

Atualmente a jurisprudência pacificou a orientação a respeito da obrigatoriedade da restituição corrigida das parcelas pagas pelo cotista desistente e participante de grupo de consórcio, não só nesta Corte como no Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

A razão fundamental é muito simples: rescindido o negócio e tendo as partes de voltar à situação anterior, o mesmo dinheiro pago é que deverá ser restituído, pena de locupletamento sem causa da administradora. Caso o cotista deixasse de honrar suas obrigações mensais no prazo e forma estipulados, fazendo-o meses após, a correção monetária incidiria obrigatoriamente sobre seu débito, pena de locupletamento sem causa dele. Pela mesma razão fundamental, quando a administradora deve, terá de honrar pelo mesmo poder real aquisitivo da moeda, pena de enriquecimento sem causa dela própria, atualizado a partir de cada pagamento, momento em que houve o ingresso do dinheiro ao caixa da administradora.

O momento da restituição estabelece-se a partir dos 30 dias contados da última assembléia porque aí as contas do grupo se fecham com a apuração dos débitos e créditos dos consorciados e da administradora. Esse o termo inicial dos juros porque só depois do aludido trintídio é que se poderá falar em mora da administradora.

São os Administradores de Consórcios partes legítimas para serem demandados. A uma, porque são eles os que administram os grupos, tanto financeiros, como o resíduo que todos os meses são utilizados. A duas, porque os grupos não têm personalidade jurídica própria e usam a do consórcio para agir, comprar bens e acionar os partícipes inadimplentes. A três, nem o grupo seria o responsável. A responsabilidade seria difusa, distribuindo-se aos componentes do grupo, o que impediria o consorciado acionar seus direitos.

Resulta, pela posição da Jurisprudência, que é a Administradora do Consórcio no sentido jurídico processual parte legítima para figurar no pólo passivo da ação que o Consorciado move para receber as parcelas que pagou, já que é ela quem substituiu o "Grupo" e que tem a condição de recompor os valores pagos pelo consorciado desistente.

- IV -

DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO OBSTÁCULO PARA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. A QUESTÃO DO ATO JURÍDICO PERFEITO E DO DIREITO ADQUIRIDO

A questão da irretroatividade das leis é tema que angustia os filósofos do direito, ao longo dos séculos. A rigor, pode-se afirmar que toda lei retroage. A retroação tem obstáculo na existência das garantias dos direitos fundamentais, denominados infra-constitucionais que estão estampados no inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal.

Se não houver nenhum ato jurídico perfeito, a coisa julgada e a ocorrência do direito adquirido, a retroação pode se dar. Havendo qualquer destes subprincípios constitucionais há a trava e a retroação não pode ocorrer.

Se é certo, de um lado - tal como ressalta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -, que A lei nova tem caráter imediato e geral, não é menos exato, de outro, que o dogma constitucional que garante a intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada impede que o ato estatal superveniente, qualquer que seja a natureza ou índole de que se revista, atinja a situação jurídica definitivamente constituída sob a égide da lei anterior (Revista Trimestral de Jurisprudência, volume 55/35).

Nem mesmo os efeitos posteriores dos contratos celebrados podem ser afetados pela incidência da nova lei, porque - caso admitida tal conseqüência - estar-se-ia iniludivelmente fraudando a vontade subordinante do legislador constituinte e absurdamente reconhecendo a possibilidade jurídica de ato estatal com projeção retroeficaz gravosa, a cuja existência é hostil, de modo inquestionável, o nosso ordenamento constitucional.

Essa orientação jurisprudencial tem sido prestigiada, no tema, pela Suprema Corte, cujas reiteradas decisões, pertinentes às relações jurídico-temporais entre leis novas e contratos em curso, proclamam, fundamentalmente em obséquio ao princípio constitucional da intangibilidade das situações definitivamente consolidadas, que os atos legislativos supervenientes não afetam, não modificam, não alcançam e nem se aplicam aos negócios contratuais já celebrados ou, até mesmo, aos efeitos que deles derivam. "Os efeitos de contrato em curso no dia da mudança da legislação regulam-se conforme a lei da época da constituição do mesmo". Esta clássica lição de Carlos Maximiliano ("Direito Intertemporal", p. 197, item nº 168, 1946, Freitas Bastos) tem constituído o próprio fundamento dos pronunciamentos jurisdicionais desta Corte na resolução do tema. Nesse sentido, cf. RTJ 89/634, Rel. Min. Moreira Alves; RTJ 90/296, Rel. Min. Rodrigues Alckmin; RTJ 112/759, Rel. Min. Moreira Alves; RTJ 107/394, Rel Min. Rafael Mayer.

O fato relevante traduz-se, portanto, na circunstância de que o ordenamento constitucional brasileiro revela-se incompatível com qualquer intervenção normativa do Poder Público na esfera das relações contratuais privadas, da qual possa resultar ofensa à estabilidade e à integridade dos vínculos negociais previamente pactuados.

Há exceções e o próprio Ordenamento Jurídico as admite. Uma, é quando a própria constituição diz que os subprincípios do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada são afastados por outra garantia, ou direito fundamental. O art. 5º elenca setenta e seis hipóteses. Dois, o elenco não se esgota aí. O § 1º, do art. 5º, explicita que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. São as chamadas Leis Complementares, que estão abaixo da Constituição e acima das Leis Ordinárias. O § 2º, do art. 5º, explicita que o elenco das setenta e seis hipóteses de garantia e as leis que complementarizam essas garantias não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotada, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte.

A instalação de uma Assembléia Constituinte tem a mesma característica que uma Junta Militar assumindo o poder, impõe uma constituição. Para o Direito, ambos têm legitimidade, basta que tenha eficácia e que todos observem seus princípios.

É legítima a Constituição da África do Sul quando divide o direito das pessoas pela cor, pela raça ou pela ascendência. Como é legítima quando a África do Sul altera a constituição e dá a igualdade de cor, de raça e abandona o exame dos direitos pela ascendência.

Portanto, se a vontade do constituinte foi estabelecer um direito para o consumidor, diverso daquele que tudo que se interpretava, se legislou, esta nova "ordem pública" rompe o que se contratou, se legislou e se interpretou.

- V -

DO CONSÓRCIO COMO CONCEITO DE FORNECEDOR DE BEM ATINGIDO PELAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Consórcio é a reunião de várias pessoas que se associam para adquirirem bens. A cada mês o grupo se reúne para reverem o custo de cada quota que cada um dos participantes deve integrar para a aquisição do bem objetivado. O grupo não tem personalidade jurídica própria. É a administradora quem a exerce e que concilia a cobrança das quotas do rateio, para adquirir o bem, ou fornece a carta de crédito para que o consorciado o faça. O regulamento é quem disciplina os interesses dos consorciados.

Falar-se hoje em "força vinculante" e pacta sunt servanda e "resilição do contrato pela vontade de uma das partes" é desconhecer a enorme modificação que sofreu o Direito nas cláusulas de adesão, com o advento da Constituição Federal, de 1988. O hipersuficientemente dotado foi igualado ao hiposuficientemente econômico. As cláusulas de renúncia de direito foram nulificadas por permitirem enriquecimento do mais forte à custa do mais fraco.

A teoria do princípio de equivalência de preços, surgida na década de 1930 na Espanha e na Itália, trouxe como evolução, que fez tornar necessária a defesa os Direitos do Consumidor, na medida em que "Corresponde atacar a aquella através de la acción de rescisión de los contratos, cuyas normas son aplicables, por analogia, para invalidar la declaración de renuncia lesiva. De todo ello, se deducere la consecuencia de que la renuncia que rompe el principio de equidad de las obligaciones sinalagmaticas, o, lo que es lo mismo, el de equivalencia de prestaciones, es contraria al ‘ordem publica’, por ello ineficaz" (J.J. Cano Martinez Vellasco, "Las Renuncia A Los Derechos", pág. 164, Bosch, Barcelona, 1986).

No Brasil essa teoria influenciou os legisladores na redação final do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. O art. 53, § 2º, da Lei nº 8.078, de 11-09-1991, diz que:

"São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código."

Alberto do Amaral Júnior comentando o inciso II esclarece que:

"Incluem nesse dispositivo não apenas as cláusulas que impossibilitem, excluam ou atenuem a responsabilidade do fornecedor pelos vícios de qualquer natureza" (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, pág. 195, 1ª edição, Saraiva, 1991).

José Manuel de Arruda Alvim Neto é da mesma opinião, enfatizando que:

"No caso dos contratos de consórcio de produtos duráveis portanto, há que ser compensadas ou restituídas as parcelas quitadas, o que pressupõe, necessariamente que sejam monetariamente corrigidas" (Código do Consumidor Comentado, vários autores, pág. 121, 1ª edição, 1991, RT).

O Superior Tribunal de Justiça, já sumulou a respeito, esclarecendo que incide a correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em virtude da retiradas ou da exclusão de participação de plano do Consórcio (Súmula nº 35).

- VI -

DA EQUIDADE, A LEGITIMAR O DIREITO DOS CONSUMIDOR

A teoria dos princípios gerais de direito é proposta por Barassi nas "Istituzioni di diritto privatto" (Milano, 1.938, § 83). A teoria da equidade é adotada por um sem-número de autores, desde Pothier até Demogue, ao lado de outros mestres como Salvat, na Argentina, Enneccerus, entre os germânicos, e De Page, na Bélgica.

Os direitos do Consumidor foram alçados à garantia Constitucional (inciso XXXII, do art. 5º da Constituição Federal). Preleciona Pinto Ferreira que:

"A defesa do consumidor torna-se hoje em dia necessária, pelas dificuldades imensas em que se encontra o povo com o elevado custo de vida. A União busca, assim, a sua defesa instituindo mecanismos legais de proteção". (Constituição Brasileira, 1º vol., pág. 128/129).

A Lei Complementar nº 8.078, de 11-09-1990, dispõe que:

"Art. 53 - Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

§ 2º - Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo."

A Norma Constitucional é auto-aplicável e se não houvesse a edição do Código de Defesa do Consumidor, a regra maior derrogaria o art. 7º, § 3º, da Lei nº 5.768, de 20-12-1971, e a absurda Portaria nº 209, de 30-08-1972, editada pelo Ministro da Fazenda, que permite a devolução das parcelas, sem as corrigir e, ainda, aplicar um redutor.

Alberto do Amaral Júnior, com muita propriedade, explicou que:

"Atento a esta situação, o legislador brasileiro no art. 53 do Código de Defesa do Consumidor que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fundiciárias em garantia, considerando-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações e resoluções do contrato e a retomada do produto alienado.

Em qualquer hipótese, a estipulação de cláusulas, que estabeleçam perda total das prestações pagas representa notório abuso, que o Código de Defesa do Consumidor houve por bem proibir. Assim por exemplo a venda com reserva de domínio, ocorrendo inadimplemento de qualquer das prestações, o credor poderá pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. Em tal situação, a perda total das prestações pagas significaria verdadeiro enriquecimento ilícito por parte do credor, pois o devedor que pagou parte do preço, mas não o pagou por inteiro, perderia a coisa e as prestações pagas. Em contrapartida, o credor receberia de volta a coisa e conservaria as prestações pagas" (Comentários do Código de Proteção ao Consumidor, vários Autores, ed. Saraiva, 1ª edição, pág. 202).

O desenrolar da vida cotidiana, em sua verdadeira simplicidade mostra a fragilidade das construções teoréticas, quando procuram afastar-se da realidade das circunstâncias. O Código Civil, de 1916, atende às necessidades do povo, disciplinando-as; transformam-se as situações, interesses e negócios que o Código teve em mira regular, surgem fenômenos imprevistos, espalham-se novas idéias, a técnica revela coisas, cuja existência ninguém poderia presumir quando o texto da lei foi elaborado. Nem por isso se deve censurar o legislador ou reformar sua obra. A letra permanece, apenas, o sentido de se adaptar às mudanças inteligente e cauto, o sociólogo do direito (C. Maximiliano, "Hermenêutica", pág. 19, ed. 1935). E que essa interpretação jamais será no sentido de sacrificar ou sufocar direitos de terceiros, vítimas de ato lesivos para os quais sequer contribuíram, é o que afirma o culto e prudentíssimo Juiz do Tribunal de Sena:

"E mesmo tivera a lei certo espírito de rigidez, pertence aos magistrados, ‘principalmente no cível’, exercer redobrada vigilância, para impedir que aquilo que foi criado para o Bem, seja empregado para o Mal" (Rambson, "Essai sur l’Art de juger" pág. 114).

Nossos Tribunais Superiores assim o têm entendido. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no acórdão do Recurso Especial nº 7.227 - Rio Grande do Sul, em que foi Rel. o Ministro Athos Carneiro, j. em 21-05-1991, por maioria, decidiu que:

"Consórcio de Automóveis. Devolução das prestações pagas pelo participante, desistente ou excluído - correção monetária - Ao participante do consórcio que dela se afasta é devida, quando do encerramento do plano, a devolução das prestações pagas com correção monetária. A cláusula do Contrato de Adesão, que exclui a atualização da quantia a ser restituída, é de ser considerada leonina e sem validade; não pode ser tida, outrossim, como cláusula penal, pois esta exige estipulação inequívoca e deve ser proporcional à graves do inadimplemento. A correção monetária não é ‘PLUS’ que se acrescenta do crédito mais um ‘MINUS’ que se evita. O Recurso Especial é cabível pela contrariedade à Lei ou Regulamento Federal, mas não a simples Portarias Ministeriais Recurso Especial conhecido pelo dissídio pretoriano, mas a que se nega provimento. Voto vencido" (Diário Oficial da Justiça da União, de 01-07-1991, pág. 9.021, seção I, Ementa; Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo nº 1.707, Ementa nº 08, de 11-09 a 17-09-1991, pág. 237).

Resulta, portanto, que as Administradoras dos Consórcios são partes legítimas para comporem o pólo passivo das ações contra os Consórcios, devendo as parcelas pagas devolvidas, em caso de desistência do consorciado, abatidos os prejuízos e a restituição far-se-ão após a conclusão do Grupo, que faz parte o consorciado.

São Paulo, Outubro de 2000.

Fonte: Escritório Online


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