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Cláusulas abusivas nos contratos de adesão

15/11/2002
 
Maria Carolina Miranda Jucá



Sumário: 1. Introdução; 2. Noções Gerais sobre Contrato de Adesão; 3. Cláusulas Abusivas nos Contratos de Adesão; 3.1. A Abusividade no CDC; 3.1.1.Modalidades das cláusulas abusivas previstas no CDC; 3.2. Novas cláusulas abusivas; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.

1. Introdução

Tradicionalmente, a idéia de contrato conduz a um negócio jurídico em que ambas as partes definem as cláusulas contratuais, especificando seus direitos e obrigações. Pensa-se, de imediato, nos contratos paritários. Isso justifica a grande dificuldade da doutrina em explicar a figura do contrato de adesão, cuja estrutura não se ajusta à concepção clássica do contrato, haja vista suas características de predeterminação, uniformidade e rigidez, de modo a resumir a participação de um dos contratantes à simples aceitação do conteúdo essencial do contrato.
Esse tipo de negócio torna mais fácil para a parte economicamente mais forte predispor dispositivos que tornem ainda mais desigual a relação entre os pactuantes, com a fixação de cláusulas extremamente vantajosas para aquela parte, em detrimento do estipulante mais fraco. São as chamadas cláusulas abusivas.
Este estudo irá se ater justamente na regulação da legislação consumerista em torno do tema das cláusulas abusivas nos contratos de adesão, não descurando de uma análise da jurisprudência e avaliação das abusividades mais comuns, na tentativa de alertar o consumidor para eventuais problemas envolvendo a questão.

2. Noções Gerais sobre Contrato de Adesão

A teoria contratual clássica, sobretudo após a Revolução Francesa e o crescimento do individualismo, podia ser resumida pela máxima "pacta sunt servanda", o que significava que o contrato fazia lei entre as partes, já que a vontade livremente manifestada obrigava os contratantes. Tal fato implicava conferir à lei o papel de simples protetora da manifestação de vontade, assegurando que os pactuantes atingissem os seus objetivos e colocando a sua disposição os instrumentos para fazê-lo.
Pensava-se que o contrato tinha íncito em si a idéia de eqüidade, e que as liberdades de contratar ou não, e de definir o conteúdo e a forma contratuais, reforçariam a igualdade formal conquistada no bojo da Revolução Francesa, fazendo desaparecer eventuais diferenças econômico-sociais.
A partir de 1850, a concepção tradicional do contrato começou a ruir. A mudança nos meios de produção fez surgir um novo tipo de sociedade, alicerçada em valores que não mais condiziam com a dogmática individualista. A Revolução Industrial trouxe a sociedade de consumo, com um sistema de produção massificada, e comércio jurídico despersonalizado, já que dirigido a uma clientela diversificada e anônima.
Aos poucos, os contratos paritários, em que se discutem preliminarmente as cláusulas das convenções, uma por uma, passaram a dar lugar a novas técnicas contratuais, capazes de satisfazer as necessidades da nova realidade econômica e social. De fato, dada a intensidade com que as relações contratuais passaram a ser travadas, tornou-se materialmente impossível que as partes elaborassem o contrato caso a caso, o que deu ensejo ao advento do contrato de adesão.
Nesse tipo de avença, ocorre uma preordenação uniforme das cláusulas contratuais, as quais passam a ser definidas unilateralmente pelo parceiro economicamente mais forte (fornecedor), sem que, em conseqüência, seja dada oportunidade para que a outra parte discuta ou altere substancialmente o conteúdo do contrato, tendo sua liberdade contratual praticamente restrita a aceitar (aderir) ou não à vontade manifestada no instrumento contratual massificado.
Essa "estandardização" do contrato se mostra cada vez mais freqüente na vida moderna. Tamanha inserção social só poderia levar a preocupações com o equilíbrio contratual, tornando indispensável a disciplina das cláusulas apontadas como abusivas.

3. Cláusulas Abusivas nos Contratos de Adesão

Sabe-se que os contratos de adesão têm conteúdo homogêneo, sendo celebrados com uma série indefinida de pessoas, sem que haja prévia discussão das cláusulas contratuais, as quais são predispostas por aquele que tem maior poder econômico e, conseqüentemente, mais "poder de barganha". Essa fixação unilateral dos termos da avença abre espaço para que se reforce o desequilíbrio contratual, uma vez que possibilita a redação de cláusulas pouco condizentes com a moral e a ética, ou mesmo contrárias à ordem pública e ao próprio ordenamento jurídico.
Dessarte, aquela parte que já é economicamente mais forte se vê numa posição ainda mais privilegiada nas relações de consumo modernas. Sua liberdade contratual confere-lhe o poder de proteger contratualmente seus interesses, em detrimento dos do outro contratante, até mesmo através da inclusão de dispositivos de difícil análise ou compreensão imediata. É nesse contexto que aparecem as chamadas cláusulas abusivas.
Paulo Luiz Neto Lôbo diz que "consideram-se abusivas as condições gerais que atribuem vantagens excessivas ao predisponente, acarretando em contrapartida, exagerada onerosidade ao aderente e injusto desequilíbrio contratual (...) O predisponente aproveita-se de seu poder contratual dominante para exonerar-se de responsabilidades ou limitá-las, para atenuar as obrigações ou facilitar a execução a seu cargo, ou - na perspectiva do aderente - para agravar ônus ou deveres, estabelecer prazos injustos, inverter o ônus da prova, enfim, desequilibrar a seu favor o regulamento contratual" (6:155).
Na medida em que se percebeu que as relações de consumo consubstanciadas nos contratos de adesão podem se tornar injustas ou ineqüitivas, por possibilitarem ao fornecedor transferir riscos que são profissionalmente seus à esfera do consumidor, a reavaliação do princípio da autonomia da vontade mostrou-se cada vez mais premente. Afinal, como os contratos de adesão têm um sinalagma diferente, o sentido tradicional do pacta sunt servanda não mais se mostra adequado à interpretação contratual.
A relação contratual moderna não pode ser observada sob a prevalência do aspecto subjetivo, no sentido de buscar a mens do participante mais forte (ou a intenção real de prejudicar), haja vista que se está lidando com relações de massa, impessoalizadas e dirigidas a um número imenso de pessoas.
As condições contratuais, dentro dessa nova realidade, têm que ser estudadas sob o aspecto objetivo, uma vez que os contratos de adesão, por serem utilizados de forma estandardizada, não envolvem apenas os interesses das partes, mas os de toda a coletividade, que está potencialmente exposta a se sujeitar aos mesmos (12:4).
O próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) parece seguir o entendimento acima exposto ao consagrar, no art. 4º, III (parte final), o princípio da boa fé, como imperativo objetivo de conduta e como exigência de lealdade, respeito, e preservação da dignidade, saúde, segurança e proteção dos interesses econômicos do consumidor. Destarte, consagrando a boa fé objetiva, evita-se o problema de se ter de provar em todos os casos, a intenção do consumidor ou do fornecedor, ou eventuais erros (vícios de consentimento) que um ou outro poderia cometer.
Assim, em termos de relações de consumo e contratos de adesão, prevalece primeiramente a vontade da lei, como expressão da vontade social. Vale a "autonomia racional da vontade", em que a liberdade contratual é dirigida favoravelmente ao consumidor. E não poderia ser diferente, afinal, não teria sentido proteger a posição daquele que já tem a liberdade de impor condições e cláusulas, preestabelecendo o conteúdo do contrato.
Interessante notar que, qualquer que seja o tipo de cláusula abusiva inserido nos contratos em questão, ter-se-ão os mesmos fim e efeito. Assim, o fornecedor sempre buscará reforçar a sua posição contratual já privilegiada (fim), o que levará, inevitavelmente, a um desequilíbrio de direitos e deveres contratuais (efeito). Subjetivamente, a atitude do fornecedor será semelhante ao abuso de direito, por conta do uso malicioso da liberdade de contratar; já do ponto de vista objetivo, a abusividade aparece como a transferência irregular de riscos.
Por tudo isso é que as legislações de vários países adotaram normas específicas para a regulamentação desses contratos, e garantia da proteção do consumidor, trazendo listas semelhantes quanto aos tipos de cláusulas abusivas. Com o CDC brasileiro não poderia ser diferente.

3.1. A abusividade no CDC

Desde o começo deste século, a doutrina vem apontando a necessidade de adoção de mecanismos de defesa do consumidor, à luz do espírito de justiça nas relações contratuais, fato que traduziu-se, inicialmente, em poucas e tímidas normas de proteção.
No Brasil, apesar da discussão intensa em torno do contrato de adesão e do consumidor, poucas medidas práticas foram tomadas até a promulgação da Magna Carta de 1988, a qual consagra a defesa do consumidor como direito fundamental no art.5º, XXXII.
Em consonância com o texto constitucional, surgiu o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, como um direito especial dotado de normas, técnicas e métodos para a exata compreensão, interpretação e aplicação do novo sistema normativo às situações concretas. Dessa maneira, o Código visa garantir o equilíbrio contratual, baseado na boa fé, eqüidade e função social do contrato. Cria um sistema protetivo amplo, pondo em destaque o problema das cláusulas abusivas em contratos de adesão.
Preliminarmente, deve-se chamar atenção para a regra do art. 46 do Código, cujo objetivo é eliminar qualquer vício de vontade do consumidor. Consagra o dever de informar, por parte do fornecedor, o que significa que ele é obrigado a prover, ao outro pactuante, informações não só sobre as características do produto ou serviço, mas também sobre todo o conteúdo do contrato, que deve ser redigido de forma clara e precisa. O art. 54, §§ 2º e 3º, reforça a obrigação ressaltada acima, com intuito de assegurar que o consumidor tenha plena ciência de todas as cláusulas contratadas.
O art. 51, por sua vez, traz a regulação específica sobre as cláusulas abusivas, dizendo-as nulas de pleno direito. Tal fato que autoriza serem as nulidades declaradas de ofício pelo juiz, já que envolvem lei de ordem pública e interesse social.
No mais, a lei brasileira consagra uma lista com dezesseis tipos de cláusulas abusivas insuscetíveis de convalidação, mas traz uma tipicidade aberta, meramente exemplificativa. Tal fato é comprovado pela simples análise do caput do mencionado artigo, graças à expressão "entre outras". Da mesma forma, reforça essa idéia a redação genérica do inciso IV do dispositivo, o qual, ao definir essas cláusulas, abre a possibilidade de outras situações (distintas das expressamente listadas) se adaptarem às suas premissas.
A razão de ser do Código, ao adotar um rol formado de tipos expressos e um tipo geral, foi facilitar o trabalho do Judiciário, quando da análise das condições gerais do contrato. Não havendo a possibilidade de enumerar todas as cláusulas abusivas que poderiam surgir na dinâmica do mercado, o legislador deixou a cargo do magistrado a análise do caso concreto.
Nessa sistemática, o papel do juiz na determinação de cláusulas abusivas torna-se extremamente importante, cabendo a ele, como aplicador e intérprete do direito, atentar para as disposições fundamentais do art. 51, IV e § 1º, além do previsto no art. 47. Esse último artigo consagra a conhecida interpretação contra proferentem, a qual estabelece que, em caso de cláusulas dúbias, a exegese se faz objetivamente em favor do consumidor, e não da parte que unilateralmente as elabora. Na esteira desse entendimento, a os Tribunais vêm respeitando a regra do art.47, conforme se vê nos dois julgados a seguir:

"Em contrato de prestação de serviço de TV à cabo, inexistindo cláusula que especifique os canais contratados, tem o consumidor o direito de escolha, sem que dele se exija pagamento complementar, uma vez que, tratando-se de contrato de adesão, deve ser interpretado em favor da parte aderente, consoante o disposto no art. 47 da Lei nº 8.078/ 90" (TAMG, 1ª C. Civil, AC nº 187.282 - 6, j. em 7.11.95, rel. juiz. Páris Pena, v.u, RJTAMG 61/ 83 - 85). No mesmo sentido: TAMG, 3ª C. Civil, AC nº 127.796 - 7, j. em 12. 8.92, rel. juiz Tenisson Fernandes, RJTAMG 48/ 144 - 147.

Não se pode esquecer, ainda, que aliada a esse tipo de interpretação deve ser feita uma análise contextual da norma, uma vez que nem sempre a abusividade será percebida pela simples leitura do seu texto. Deve o exegeta penetrar na fase pré-contratual e no momento de formação do vínculo, avaliando as expectativas normais das partes e as informações que lhes foram veiculadas, numa compreensão de todo o contexto negocial.
Por fim, registre-se que a inclusão de cláusulas abusivas em contratos de adesão se torna mais fácil com o uso de linguagem rebuscada e termos técnicos incompreensíveis aos não iniciados do assunto. Por esse motivo, o contrato de adesão deve ser redigido em termos claros, acessíveis a qualquer um, de modo a não criar dificuldades a sua rápida compreensão. Tal assertiva constitui um reforço ao art. 46 do CDC. Aliás, o art. 54 do CDC, no seu § 3º, expressamente determina que "os contratos de adesão devem ser redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a sua compreensão pelo consumidor".

3.1.1. Modalidades das cláusulas abusivas previstas no CDC

Tendo sido feitas considerações gerais a respeito da abusividade no CDC, faz-se necessária uma análise pormenorizada das disposições expressas dos incisos
art. 51, os quais, conforme já foi dito, consagram alguns tipos de cláusulas abusivas. Veja-se o conteúdo de cada uma dos dispositivos:

Inciso I - A responsabilidade por vícios - O inciso I trata da responsabilidade por vícios e defeitos de qualidade. Fica limitada a faculdade de renúncia do consumidor ao direito de vir a ser indenizado por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços que lhe forem fornecidos. Assim, o fornecedor não pode ser exonerado de sua responsabilidade, uma vez que se tem nessa regra um princípio de ordem pública, e não meros interesses particulares. Nessa linha, atente-se ao seguinte aresto:

Fiança. Execução. Exoneração da responsabilidade pretendida pelo fiador ante a falta de notificação nos termos do contrato, do efetivo inadimplemento do afiançado. Inadmissibilidade. Formalidade que implica condição puramente potestativa vedada pela lei e considerada cláusula abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 51, I). Aplicação do art. 115 do CC. Ementa: "Sujeitando-se a garantia que obrigava a notificar comprovando o inadimplemento do afiançado e ficando o pagamento, assim, ao arbítrio do fiador, o credor acabou por renunciar ao direito de cobrar por mera formalidade ou, por outras palavras, por condição meramente potestativa, daquelas que o Código Civil (art. 115), veda expressamente. Bem por isso, atualmente, o Código de Defesa do Consumidor é mais claro, elencando como cláusula abusiva a exoneração da responsabilidade por renúncia de direitos (art. 51, I). Enfim, o fiador não se exonera por descumprimento de formalidade que implique em condição puramente potestativa" (1º TASP, 4ª C., Ap. nº 499.844 - 3, j. em 29.9.93, rel. juiz Luiz Sabbato, v.u., RT 703/ 88 - 89).

Inciso II - Opção de reembolso subtraída - O consumidor não pode abrir mão do seu direito de reembolso das parcelas já pagas, em caso de rescisão. Ademais, tem ele o direito à correção monetária dessas parcelas, por ser esta medida apenas um instrumento de atualização da moeda. É esse o posicionamento dominante do STJ, ao considerar que não constitui "a correção monetária um plus, mas mero instrumento de atualização da moeda desvalorizada pela inflação" (RT 661/ 181).

Inciso III - Transferência de responsabilidade a terceiros;

Inciso IV - Obrigações iníquas, abusivas, que colocam o consumidor em desvantagem exagerada - Nessa disposição, o legislador, como já foi dito, traz uma definição geral de cláusulas abusivas, além de remeter o juiz ao § 1º do artigo (que define vantagem exagerada). Tenta-se, aqui, fazer com que o magistrado verifique as cláusulas contrárias à boa-fé e eqüidade que não estão presentes explicitamente no artigo.
Enquadram-se nesse dispositivo as disposições que autorizam a alteração unilateral de cláusulas contratuais, as que obrigam o aderente a litigar no juízo mais favorável ao predisponente do contrato de massa, e aquelas que, em contratos de cartão de crédito, obrigam o consumidor a arcar com eventuais dívidas surgidas entre o momento do furto, roubo ou extravio do cartão e a comunicação à Administradora acerca de tal evento, fato que somente poderia ocorrer caso ficasse configurada a culpa exclusiva da vítima, haja vista a fixação, pelo CDC, da responsabilidade objetiva do fornecedor dos serviços pelos danos do consumidor e pelos riscos por eles sofridos.
Sobre esse último assunto, assim entendeu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme se vê no seguinte aresto:

Responsabilidade civil. Cartão de crédito furtado. Compras efetuadas antes da comunicação do furto. Fato de serviço. Riscos do empreendimento. Falta de cautela do estabelecimento vendedor. Inexistência de culpa exclusiva do titular do cartão. Responsabilidade da empresa exploradora do negócio. "Como prestadora de serviços, correm por conta da empresa exploradora de cartão de crédito os riscos de seu empreendimento. Destarte, cabe-lhe arcar com os prejuízos decorrentes do furto, roubo ou extravio do cartão, salvo prova inequívoca de ter o evento ocorrido por fato exclusivo do titular. A demora na comunicação do furto não se erige em causa adequada se a prova evidencia que ela teria sido inócua em face da falta de cautela de estabelecimento vendedor e por terem sido efetuadas as compras antes do prazo normal de comunicação. Pelo fato culposo do estabelecimento vendedor, que não atentou para assinatura grosseiramente falsificada, o titular do cartão não pode ser responsabilizado por não ter com aquele nenhum vínculo jurídico".

Inciso VI - Cláusulas que invertam o ônus da prova - O art. 38 do Código deixa bem claro que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem patrocina, sendo nula qualquer convenção que mude essa determinação.

Inciso VII - Utilização compulsória da arbitragem - Esse dispositivo impede que se crie cláusula compromissória de sujeição ao juízo arbitral antes mesmo da instituição de qualquer lide, vinculando a toda divergência que surgir entre as partes àquele juízo. Não obsta, todavia, que as partes escolham para o caso concreto a arbitragem, desde que a opção seja posterior à lide.

Inciso VIII - Impor representante para concluir ou realizar outro negócio pelo consumidor. O consumidor poderá ser representado desde que ele o tenha escolhido de livre e espontânea vontade - Esse tipo de cláusula, consagrando o uso potestativo da cláusula mandato, é muito comum em contratos de leasing, seguros, em alguns contratos bancários e, principalmente, em contratos de cartões de crédito.
Nesses últimos, a referida cláusula abusiva costuma adquirir duas feições: a primeira, em que o consumidor constitui a Administradora sua bastante procuradora, conferindo-lhe, de modo irrevogável, poderes para emitir letras de câmbio relativas à dívida principal e encargos, ou referentes ao valor do débito, podendo, inclusive, substabelecer quando e a quem lhe convier; a segunda, em que o titular do cartão outorga à Administradora mandato para representá-lo frente a qualquer instituição financeira, dando-lhe poderes para, em nome e por conta do consumidor, obter financiamentos em valor não excedente ao total do saldo devedor e ajustar, diretamente com a instituição, os prazos, condições, custos e outro encargos da dívida, assinando, inclusive, esses contratos de financiamento.

Inciso IX - Deixar ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, mesmo obrigando o consumidor - O Código proíbe aqui o arrependimento unilateral de conclusão do contrato pelo fornecedor.

Inciso X - Permitam ao fornecedor variação de preço de modo unilateral - O próprio Código Civil já dispõe de modo semelhante, no art. 1.125, no tocante à compra e venda. Ainda que ocorram alterações econômicas que levem à necessidade de mudança de preços, é necessária a concordância do consumidor para as efetivas alterações.

"Sendo os juros o preço pago pelo consumidor, nula a cláusula que preveja alteração unilateral do percentual prévia e expressamente ajustado pelos figurantes do negócio. Sendo a nulidade prevista no art. 51 do CDC da espécie pleno iure, viável o conhecimento e a decretação de ofício, a realizar-se tanto que evidenciado o vício (art. 146, parágrafo único do CC)" (TARS, 7ª C. Cível, AC nº 193051216, j. em 19.5.93, rel. juiz Antonio Janyr Dall'Agnol Junior, v.u., JTARS 93/ 197 - 202).

Incisos XI e XII - Autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, ainda que mesmo direito não seja garantido para o consumidor, e obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação - O legislador, nesses dois incisos, visa proibir cláusulas que beneficiem apenas um dos contratantes, tentando, assim, garantir o equilíbrio contratual.

Inciso XIII - Autorizem o fornecedor a alterar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade dos contratos, após a celebração - Preserva-se, nesse momento, o princípio da inalterabilidade dos contratos e, naturalmente, o equilíbrio contratual.

Inciso XIV - Infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

Inciso XV - Estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor - por sistema de proteção ao consumidor há de se entender não só o Código de Defesa do Consumidor, mas também aqueles diplomas legais, que indiretamente, visem a sua proteção, como, por exemplo, a Lei de Economia Popular (Lei. 1.521/ 51)".

Inciso XVI - Possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias - Naturalmente, esse tipo de cláusula é mais comum nos contratos de locação de imóveis.

3.2. Novas cláusulas abusivas

Considerando que o elenco de cláusulas abusivas apresentadas no art. 51 do CDC é meramente exemplificativo, com uma tipicidade aberta, é possível a sua complementação ou atualização por meio do acréscimo de dispositivos tomados como abusivos em diversas decisões administrativas e judiciais. Assim, foram explicitamente ampliados os direitos do consumidor através, por exemplo, das portarias nº 4, de 13 de março de 1998 e nº 3, de 22 março de 1999, ambas editadas pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.
Entre as cláusulas contratuais que a portaria nº 4/98 considera nulas de pleno direito destacam-se aquelas que: a) Estabeleçam prazos de carência na prestação ou fornecimento de serviços, em caso de impontualidade das prestações ou mensalidades; b) Imponham, em caso de impontualidade, interrupção de serviço essencial, sem aviso prévio; c) Não restabeleçam integralmente os direitos do consumidor a partir da purgação da mora; d) Impeçam o consumidor de se beneficiar do evento constante de termo de garantia contratual que lhe seja mais favorável; e) Estabeleçam a perda total ou desproporcionada das prestações pagas pelo consumidor em benefício do credor, que, em razão de desistência ou inadimplemento, pleitear a resilição ou resolução do contrato, ressalvada a cobrança judicial de perdas e danos comprovadamente sofridos; f) Fixem sanções em caso de atraso ou descumprimento da obrigação somente em desfavor do consumidor; g) Atribuam ao fornecedor o poder de escolha entre múltiplos índices de reajuste entre os admitidos legalmente; h) Permitam ao fornecedor emitir títulos de crédito em branco ou livremente circuláveis por meio de endosso na representação de toda e qualquer obrigação assumida pelo consumidor; i) Estabeleçam a devolução de prestações pagas, sem que os valores sejam corrigidos monetariamente; j) Imponham limites ao tempo de internação hospitalar que não o prescrito pelo médico.

Já a portaria nº 3/99 consagra como abusivas, entre outras, as cláusulas que:

- Determinem aumentos de prestações nos contratos de planos e seguros de saúde, firmados anteriormente à Lei 9.656/98, por mudanças de faixas etárias sem previsão expressa e definida - Os reajustes, assim, são permitidos, uma vez que a demanda pelos serviços médico-hospitalares aumenta com a idade. Entretanto, o contrato deve ser reescrito para deixar bem clara a maneira como serão feitas essas mudanças.

- Imponham, em contratos firmados anteriormente à Lei 9.656/98, limites ou restrições a procedimentos médicos (consultas, exames médicos, laboratoriais e internações hospitalares, UTI e similares), contrariando prescrição médica - Isso se dá porque esses tipos de procedimentos podem ser fundamentais para o salvamento da vida dos pacientes. A internação de última hora de nada valerá para os pacientes que precisaram realizar anteriormente consultas e exames preventivos e não puderam faze-lo por conta de arbitrárias limitações impostas pelo seu plano de saúde. Dessa forma, as consultas, exames, internações e UTI devem estar sempre à disposição do segurado, caso o médico venha a considerá-los imprescindíveis a sua saúde.

- Permitam ao fornecedor de serviço essencial (água, energia elétrica, telefonia) incluir na conta, sem autorização expressa do consumidor, a cobrança de outros serviços. Excetuam-se os casos em que a prestadora de serviço essencial informe e disponibilize gratuitamente ao consumidor a opção de bloqueio prévio da cobrança ou utilização dos serviços de valor adicionado - Nenhuma despesa extra poderá ser incluída na conta dos serviços essenciais, sem autorização do consumidor. Assim, a cobrança por assinaturas de revistas ou por serviços prestados pelo número 0900 só entrará na conta telefônica com consentimento do usuário, seja por escrito ou qualquer outro meio escolhido pela empresa telefônica.

- Estabeleçam prazos de carência para o cancelamento do contrato de cartão de crédito - O cancelamento do cartão de crédito se dá no exato momento em que a administradora recebe o requerimento formal para esse fim. Não se pode condicionar o cancelamento do contrato a qualquer prazo, ainda que o consumidor continue com a obrigação de pagar as despesas empreendidas até a data do cancelamento.

- Imponham o pagamento antecipado referente a períodos superiores a trinta dias pela prestação de serviços educacionais ou similares - Nenhuma escola pode obrigar os alunos a quitarem antecipadamente bimestres, semestres ou uma ano de estudo, dado que o consumidor estaria pagando por um serviço ainda não prestado.

- Estabeleçam, nos contratos de prestação de serviços educacionais, a vinculação à aquisição de outros produtos ou serviços -O que se proíbe aqui é a chamada "venda casada", em que os pais dos alunos estariam obrigados a comprar os uniformes em loja determinada, ou material didático em uma livraria específica, como condição para que seu filho seja admitido ou continue estudando. A escola tem sempre que oferecer alternativas.

- Estabeleçam a cobrança de juros capitalizados mensalmente - Apenas o valor principal da dívida pode ser objeto de correção monetária ou juros. Não se admitem, portanto, juros sobre juros. Assim, se uma pessoa tem uma dívida de R$ 1.000,00, com juros de 10% ao mês, atrasando três meses deverá pagar R$ 300,00 de juros, os quais são capitalizados sempre sobre o valor de R$ 1.000,00. Se a cobrança se der sobre cada valor corrigido, resultando um total de R$ 331,00 de juros, ela será ilegal.

4. Conclusão

Na nova realidade contratual, os consumidores concluem contratos pré-redigidos, sem conhecer precisamente os seus termos, seja porque não têm oportunidade de estudar e analisar com cuidado o contrato, seja porque ele é longo, impresso em letras pequenas, ou em linguagem técnica, fatores que dificultam seu entendimento.
Tão grande é o número dessas cláusulas abusivas, e tão comum o injusto desequilíbrio contratual, que se torna fundamental uma regulação rígida das relações entre consumidor e fornecedor de serviços e mercadorias. Assim fez o Direito Brasileiro, com a consagração dos direitos do consumidor a nível constitucional e infraconstitucional.
A verdade é que algumas das cláusulas taxadas de abusivas pelo Código de Defesa do Consumidor não são, em si, contrárias ao Direito. Afinal, de modo geral, o Direito não exige a igualdade absoluta entre os pactuantes, nem chega a repelir todas as desigualdades, que em tese poderiam ser consideradas lícitas e válidas caso integrassem contratos em que houvesse a livre negociação.
Diante dessa situação, o que se deve exigir é simplesmente que os direitos e deveres provenientes dos contratos sejam compatíveis com os princípios da boa fé e da eqüidade, através da fixação de limites entre o válido e o abusivo.

5. Bibliografia

(1) BAPTISTA, Joaquim de Almeida. Código do Consumidor Interpretado. 21 ed. São Paulo: Iglu, 1997.

(2)BITTAR, Carlos Alberto. Os Contratos de Adesão e a Defesa do Consumidor. Revista de Informação Legislativa. Brasília. a. 29, n.114, abr./jun, 1992.

(3) FILHO, Demócrito Ramos Reinaldo. As cláusulas abusivas e a visão do Poder Judiciário. Revista da Esmape. Recife. v.2, n.4, abr./jun., 1997.

(4)FILHO, Nagib Slaib. Contrato de Adesão. Contrato-Tipo. Contrato Standard. Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro. v. 31, n. 3, jul./set., 1988.

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(6)LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991.

(7)__________________. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. a. 19, n.52, 1990.

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(9)Portaria nº 4/ 98. Disponível na internet: http://www.jol.com.br/legis, 26.11.99.

(10) Portaria nº 3/99. Disponível na internet: http://www.ricardomaia.adv.br, 26.11.99.

(11)OLIVEIRA, Celso. Abuso das Administradoras de Cartões de Crédito. Disponível na internet: http://www.jus.com.br, 19.11.1999.

(12)REIS, Nelson Santiago. O Consumidor e os Seguros ou Planos de Saúde. Disponível na internet: http://www.jus.com.br, 19.11.1999.

(13)SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: LTr, 1998.

(14)WALD, Arnoldo. Do contrato de adesão no Direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília. a.17, v.66, abr./jun, 1980.

Fonte: Escritório Online


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