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Escritório Online :: Artigos » Direito Penal


Estrutura do crime

22/07/2002
 
Eder de Almeida



ÍNDICE:

INTRODUÇÃO

CARACTERES DO CRIME SOB O ASPECTO DOGMÁTICO

DO FATO TÍPICO

I – CONDUTA

Ação e omissão

Teorias da conduta

A) Teoria naturalista ou causal da ação

B) Teoria causal valorativa ou Neokantismo

C) Teoria finalista da ação

D) Teoria social da ação

Considerações sobre o conceito de crime de Damásio E. de Jesus por Alexandre Victor de Carvalho

II – RESULTADO

III – RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS OU DA CONDITIO SINE QUA NON

CAUSA SUPERVENIENTE RELATIVAMENTE INDEPENDENTE

NEXO DE CAUSALIDADE NA OMISSÃO

IV – TIPICIDADE

BREVE HISTÓRICO DA TIPICIDADE

ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO PENAL

TIPO DOLOSO

TIPO CULPOSO

DA ANTIJURIDICIDADE

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE

Estado de necessidade

Legítima defesa

Estrito cumprimento de dever legal

Exercício regular de direito

Consentimento do ofendido

DA CULPABILIDADE

IMPUTABILIDADE

QUEM É INIMPUTÁVEL?

I – Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado

II – Menoridade

III – Emoção e Paixão

IV – Embriaguez

V – Dependência de substância entorpecente

POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

BIBLIOGRAFIA



Introdução:


Com o passar do tempo, o conceito de delito vem sofrendo inúmeras modificações, que têm por objetivo tornar mais precisa a aplicação da pena.

No presente trabalho, tentaremos expor de forma clara as várias partes em que se constitui o crime, mostrando sua evolução através dos tempos e a maneira como estes elementos delituosos devem ser examinados frente a realidade jurídica.

Primeiramente, faz-se necessário redigir sobre os sistemas de conceituação do crime, sendo esses:

I – FORMAL

II – MATERIAL

III – ANALÍTICO

IV – FORMAL, MATERIAL E SINTOMÁTICO

O sistema FORMAL ou NOMINAL conceitua o delito como todo fato humano que é proibido pela lei penal, ou seja, ao qual a ordem jurídica associa uma pena como legítima conseqüência.

O sistema MATERIAL ou SUBSTANCIAL diz respeito ao conteúdo do ilícito penal, ou seja, seu desvalor social. É crime a violação de um bem jurídico penalmente protegido.

Seguindo esse raciocínio, não seria crime a ação que a sociedade, em dado momento histórico, não considerasse relevante como forma de comprometer as suas condições de existência, de conservação e de desenvolvimento; mesmo que estas estejam descritas como criminosas pela norma penal.

A meu ver, este critério de conceituação do delito tem maior relevância para os legisladores, uma vez que busca a substância do crime, definindo um norte para considerar uma conduta humana como delituosa. Nas palavras de Damásio: “O conceito material do crime é de relevância jurídica, uma vez que coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a razão determinante de constituir uma conduta humana infração penal e sujeita a uma sanção.”

O terceiro critério conceitual é o chamado ANALÍTICO ou DOGMÁTICO que decompôs o delito em partes constitutivas. Crime é um fato típico, ilícito e culpável para uns (por exemplo: Luiz Regis Prado, Francisco Assis de Toledo, Heleno Fragoso) e típico e ilícito para outros (por exemplo: Damásio E. de Jesus e Júlio Mirabete), que consideram a culpabilidade como pressuposto da pena.

Por fim, o sistema FORMAL, MATERIAL e SINTOMÁTICO ( a maioria dos autores nem cita esse critério) é definido nas palavras de Ranieri como “fato humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em sentido estrito(pena criminal), lesivo ou perigoso para os bens ou interesses considerados merecedores da mais enérgica tutela”, constituindo “expressão reprovável da personalidade do agente, tal como se revela no momento de sua realização.”

É colocado, portanto, além das características formais e materiais, novo elemento na conceituação do crime: a personalidade do agente. A meu ver, esse novo elemento, sob o aspecto analítico, é analisado na culpabilidade, como por exemplo, a inimputabilidade do agente débil.

O conceito que efetivamente interessa e que aparentemente é adotado pela nossa legislação penal é o analítico, conhecido por alguns como formal (Damásio E. de Jesus, por exemplo). Dessa forma trataremos dos caracteres do delito sob o aspecto dogmático.



CARACTERES DO CRIME SOB O ASPECTO DOGMÁTICO:


Analiticamente o crime é composto por um fato típico, antijurídico (ilícito) e culpável.

Fato típico é a descrição de uma ação humana abstrata (entendendo-se esta como ação ou omissão) por uma norma penal. “É expressão concreta dos específicos bens jurídicos amparados pela lei penal”.(Luiz Regis Prado; pág. 181).

Entende-se por antijurídico o fato típico contrário à lei penal. Por exemplo: X mata Y em legítima defesa. O fato enquadra-se no art. 121, caput; homicídio. É, portanto, típico. No entanto, não é antijurídico, uma vez que foi praticado em legítima defesa (causa de exclusão da antijuridicidade). De observar-se que a conduta descrita em uma norma penal incriminadora será antijurídica quando não for expressamente declarada lícita

Já a culpabilidade é o juízo de valor feito entre o fato típico e antijurídico e a vontade do agente. É a divergência entre o que a norma definia como o correto a se fazer e que, no entanto, o agente podia, mas não fez.

Para Damásio, a culpabilidade não é elemento do crime, mas condição da punibilidade; punibilidade essa entendida como conseqüência do delito. A punibilidade, ao contrário da culpabilidade, se dá quando da sentença transitada em julgado.



DO FATO TÍPICO:


O fato típico é composto dos seguintes elementos:

? Conduta humana dolosa ou culposa;

? Resultado (salvo nos crimes de mera conduta);

? Nexo de causalidade;

? Tipicidade.


I – Conduta:


Ação e omissão:

“Ação é a que se manifesta por intermédio de um movimento corpóreo tendente a uma finalidade”. Não há, pois, divergência doutrinária quanto ao conceito expresso.

Já a omissão tem sido durante séculos obstáculo para a teoria penal, principalmente quando se trata do nexo de causalidade. Talvez isso se deva ao conceito naturalístico, ou ainda, literal da palavra omissão.

Como trataremos do nexo causal mais à frente, diremos apenas que a omissão é um não fazer decorrente da não observação da norma numa circunstância específica, ou ainda, que tem a omissão como seu substrato natural uma conduta finalista.

A conduta omissiva da lugar a duas formas de crime: a) crimes omissivos próprios; b) crimes omissivos impróprios.

a) Crimes omissivos próprios ou omissivos puros: Esses crimes se caracterizam por um não fazer tipificado. São delitos nos quais inexiste um dever jurídico de agir, ou seja, não há norma impondo um dever de fazer. Assim, só existirá essa espécie de delito omissivo quando o próprio tipo penal descrever uma conduta omissiva. Ex.: omissão de socorro (art. 135). Nesses crimes, a simples omissão constitui crime independentemente de qualquer resultado posterior.

b) Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão: São aqueles para os quais a lei impõe em dever de agir e, assim, o não agir constitui crime, na medida em que leva à produção de um resultado que o agir teria evitado. Esses crimes não estão previstos na Parte Especial como tipos penais autônomos. A verificação deles decorre da norma do art. 13, § 2.º, do Código Penal, que trata da relevância causal da omissão. Ex.: a mãe que deixa de alimentar seu filho, provocando sua morte.


Teorias da conduta:

A) Teoria naturalista ou causal da ação:

Tem seu fundamento no positivismo científico do final do século XIX. Segundo essa corrente filosófica, não há diferença entre o modelo das ciências humanas e o das ciências naturais.

A verdadeira arte científica só é alcançada através da observação e conclusões objetivas.

Para essa teoria a conduta é um movimento corpóreo voluntário que modifica o mundo exterior. Não é feito, desse modo, juízo de valor na conduta, para que ela exista basta apenas a voluntariedade e não o conteúdo desta vontade; a intenção. “A conduta é um simples comportamento, sem apreciação sobre sua ilicitude ou reprovabilidade” (Damásio, pág. 229).

Já a culpabilidade é entendida como a relação subjetiva entre o autor e o fato, devendo existir entre este e a mente do agente um vínculo psíquico. Dolo e culpa pertencem a culpabilidade, tendo sido a imputabilidade entendida como pressuposto da culpabilidade.

A teoria causal ou clássica da ação sofreu fortes críticas. A primeira diz respeito à definição naturalística de ação, que não consegue explicar a essência da omissão. Se modificação exterior resulta de um movimento corpóreo, como explicar a omissão que consiste em um não fazer.”

Além disso, como explicar os crimes de tentativa, que não levam a um resultado ( modificação do mundo exterior).

Também, se o que fundamenta a culpabilidade é a exigência de uma relação entre a mente do autor e o fato produzido – a vontade de realizar o fato no dolo – tal relação não existe quando quem atua culposamente não sabe sequer que sua conduta pode dar lugar à produção de um resultado lesivo, razão pela qual tais condutas deviam restar impunes.


B) Teoria causal valorativa ou Neokantismo:

Surge na última década do século XIX como oposição ao causalismo clássico, embora tenha sido apenas a superação do positivismo e não sua negação.

Os neokantistas faziam a diferenciação entre as ciências naturais das ciências culturais e lançaram a base para a teoria social da ação como veremos mais à frente.

Para a teoria causal valorativa a ação aparece como uma conduta humana que produz mudança no mundo físico. Portanto, continua a entender-se que tal comportamento deva ser manifestado no mundo exterior, ou seja, deve produzir efeito no mundo físico.

Alteração muito importante ocorreu na tipicidade com a descoberta dos elementos normativos (exemplos: “mulher honesta”, “para fim libidinoso”, etc), que devem ser analisados valorativamente pelo operador jurídico, afastando-se a compreensão puramente descritiva e não valorativa do tipo.

Para Mezger e Saver tipicidade e antijuridicidade não são elementos independentes, sendo que esta última passou a ser entendida como a reprovação jurídica que recai sobre um fato formalmente contrário ao direito penal e danoso para a sociedade, constituindo-se a danosidade social em juízo de desvalor social.

Procedeu-se à distinção dos conceitos de antijuridicidade e de injusto, sendo este último considerado como ação típica e ilícita valorada como proibida no âmbito penal.

A culpabilidade se converte em juízo de reprovação que se faz ao autor pela realização de um injusto penal quando era exigível que atuasse conforme o direito.

Dessa forma o delito passa a ser um comportamento antijurídico e culpável.

As críticas a essa teoria se devem ao fato dela não explicar os crimes de tentativa e mera conduta, uma vez que o resultado há de ser expressado no mundo físico.

Além disso, dolo e culpa continuam pertencendo à culpabilidade, enquanto que na ação do agente já está embutida a vontade dolosa ou meramente culposa; devendo, dolo e culpa, serem analisados previamente.

Por fim, com o enunciado da teoria dos elementos subjetivos do injusto, tornou-se insustentável a identificação do tipo objetivo com a antijuridicidade e do tipo subjetivo com a culpabilidade, pilares dos modelos clássico e Neokantista de delito.


C) Teoria finalista da ação:

Foi desenvolvida a partir dos anos 30 por Hans Welzel. Tem seu nascimento como decorrência da utilização do método ontofenomenológico no campo penal, que consiste na delimitação e na vinculação das valorações subjetivas aos parâmetros objetivos; ou seja, as objetividades impõem um marco para os possíveis juízos de valor e estabelecem, de certa forma, seu conteúdo.

Essa teoria se opõe ao critério incorreto da doutrina causal de separação entre vontade e seu conteúdo. Assim, a ação humana seria dividida em dois tipos: dolosa e culposa.

A ação dolosa seria a capacidade de um fazer ou não fazer vontada a um objetivo. “Essa vontade – espinha dorsal da ação – é o fator que configura e dirige o processo causal externo, convertendo-o em diretiva final.” (Luiz Regis Prado, pág. 59). Daí a afirmação de Welzel de que a finalidade (ação humana) é evidente e a causalidade é cega.

Com o finalismo, o problema da omissão (presente nos clássicos) é resolvido, uma vez que é a consciência dirigida a produção de determinado resultado que passa a ter relevância jurídica; ou ainda, é a não realização de uma determinada ação finalista que o agente podia realizar em uma situação concreta. Trata-se de um conceito limitativo, enquanto falta de capacidade ou de possibilidade concreta de ação.

Já a ação culposa seria a falta de cuidado necessário para a realização de determinada ação. Assim, o agente que tem capacidade de realizar uma conduta “adequadamente”, deve faze-lo “adequadamente”. Se, no entanto, não tem habilidade para tal, deve abster-se de sua realização. Nas palavras de Damásio: “O direito não deseja apenas que o homem não realize condutas dolosas, mas também que imprima em todas as suas atividades uma direção finalista capaz de impedir que produzam resultados lesivos. As ações que, produzindo um resultado causal, são devidas a inobservância do mínimo de direção finalista no sentido de impedir a produção de tal conseqüência, ingressam no rol dos delitos culposos”.


D) Teoria social da ação:

Surgida após a teoria finalista, o conceito social da ação busca por fim aos conflitos deixados pelas escolas causal e final.

Para tanto, concluiu-se ser a ação “um comportamento humano exterior socialmente relevante, dominado ou dominável pela vontade.”

O comportamento pode constituir-se no exercício da atividade final (finalidade dolosa); na causação descuidada de conseqüências, desde que atividade psíquica esteja dirigida para a realização de objeto extra típico (culpa); na inatividade frente a uma circunstância resguardada pelo direito (omissão).

Já a exigência de que o comportamento seja projetado no mundo exterior exclui os processos meramente psíquicos; como pensamentos, planos, sentimentos, convicções, ente outros (não se pune a mera cogitação).

Além disso, o comportamento há de ser socialmente relevante, na medida em que deva afetar a relação do indivíduo para com seu meio e constituir no campo social, elemento de um juízo de valor. Não são ações aptas à geração de imputação os reflexos corporais, os movimentos realizados em estado de inconsciência; em que a pessoa não se colocou voluntariamente, e as ações produzidas por força irresistível (coação física).

Alguns defensores dessa teoria adotam a denominada dupla posição do dolo e da culpa, que passariam a pertencer tanto ao tipo (como já visto na definição de comportamento humano), como à culpabilidade. A esta última porque: “O que se reprova é sempre o fato e não somente a atitude interna. Contudo, o fato recebe, através da atitude interna, judicialmente defeituosa ou não, da qual procede seu conteúdo individual de valor ou desvalor. Destarte, a atitude interna se constitui na razão pela qual o autor se reprova mais ou menos o fato”. (Alexandre Victor de Carvalho, pág. 59).

As críticas que os doutrinadores fazem a essa teoria são, a meu ver, bastante desconexas. Entretanto, o ponto principal de falha da teoria social da ação reside no fato de ser ela abstrata, quando coloca o termo “socialmente relevante”, deixando ao julgador a difícil tarefa de trazer para o mundo jurídico e real um conceito tão mutável como a moral social.

Outro ponto de desacordo é a dupla posição do dolo e culpa, tanto no tipo, como na culpabilidade. Como uma ação considerada dolosa pode ser analisada no campo da culpabilidade culposamente?

No mais; a teoria social da ação é apenas uma reunião das teorias naturalista e finalista.

Considerações sobre o conceito de crime de Damásio E. de Jesus por Alexandre Victor de Carvalho:

“Diz Damásio de Jesus que o Código Penal Brasileiro acolheu a teoria finalista da ação tal como se a preconiza. O CP, com efeito, parece haver adotado a teoria finalista, pois o erro incidente sobre o elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, conforme menciona o artigo 20. Desta forma, se o erro incidente sobre o tipo exclui o dolo significa que o dolo está no tipo, conforme a tese dos finalistas. Ademais o artigo 59, relativo às circunstâncias judiciais, em vez de mencionar, como na revogada Parte Geral, a “intensidade do dolo e o grau de culpa”, refere-se à culpabilidade, denotando haver esta perdido o seu conteúdo psicológico, como afirma o finalismo”.

Portanto, no presente trabalho adotaremos a teoria finalista.


II – Resultado:


Existem duas teorias a respeito do resultado: teoria natural ou material e teoria jurídica ou normativa.

A) Teoria natural ou material: Para os adeptos dessa teoria, resultado é a modificação do mundo físico causada por uma conduta humana voluntária. Não é necessário, portanto, qualquer análise frente à norma jurídica.

De acordo com os naturalistas há crime sem resultado, sendo que estes são divididos em:

? Crimes materiais: são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e um resultado, e exige a ocorrência deste para que o crime esteja consumado. Ex.: no estelionato (art. 171), a lei descreve a ação (empregar fraude para induzir ou manter alguém em erro) e o resultado (obter vantagem ilícita em prejuízo alheio), e, pela forma como está redigido o dispositivo, pode-se concluir que o estelionato somente se consuma no momento em que o agente obtém a vantagem ilícita por ele visada.

? Crimes formais: São aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e um resultado, mas a redação do dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no momento da ação, sendo o resultado mero exaurimento do delito. Ex.: o art.159 do Código Penal descreve o crime de extorsão mediante seqüestro: seqüestrar pessoa (ação) com o fim de obter qualquer vantagem como condição ou preço do resgate (resultado). O crime, por ser formal, consuma-se no exato momento em que a vítima é seqüestrada . A obtenção do resgate é irrelevante para o fim da consumação, sendo, portanto, mero exaurimento.

? Crimes de mera conduta: são aqueles em relação aos quais a lei descreve apenas uma conduta e, portanto, consumam-se no exato momento em que esta é praticada. Ex.: violação de domicílio (art. 150), no qual a lei incrimina a simples conduta de ingressar ou permanecer em domicílio alheio sem a autorização do morador.

B) Teoria jurídica ou normativa: Para os adeptos dessa teoria crime é a lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico penalmente protegido, ou seja, é necessário uma análise frente à norma jurídica. De acordo com os normativistas não é qualquer conseqüência da ação que tem relevância para o direito penal, e sim às que visam lesão a um bem jurídico protegido. Não há, portanto, crime sem resultado.

Consoante a maioria da doutrina, o Código Penal acolheu a teoria do resultado normativo, pois, de acordo com o dispositivo no artigo 13, para o crime existir deve haver resultado: “o resultado do que depende a existência do crime, só é imputável a quem lhe der causa”.

Todavia, para alguns doutrinadores, o Código Penal adotou a teoria do resultado material, pois o referido artigo somente concerne aos denominados crimes materiais, em que há relação de causalidade entre a conduta e o resultado naturalístico. Segundo as palavra de Damásio em relação ao dano ou perigo de dano à bens jurídicos penalmente tutelados: “A questão da lesividade pertence à antijuridicidade. Portanto, o dano ou o perigo de dano não são conseqüências do comportamento, mas qualidades do fato com referência à sua ilicitude.”

Ao que me parece, o Código Penal adotou a teoria jurídica ou normativa. Isso porque, a teoria finalista da ação (aparentemente acolhida pelo CP) não exige mudança no mundo físico para a concretização do delito, e sim a vontade voltada a uma finalidade. Desse modo, como poderia o legislador brasileiro adotar duas teorias tão antagônicas como são a teoria natural do resultado e a teoria finalista da ação?

Além disso, a teoria jurídica do resultado o conceitua como lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico penalmente protegido. Com isso, os crimes ditos de mera conduta não teriam resultado naturalístico, mas teriam resultado normativo, uma vez que subsiste a lesão ao bem jurídico penalmente protegido; o mesmo acontecendo com a tentativa, onde existe o perigo de lesão.


III – Relação de Causalidade:


É o vínculo que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado. Quando se analisa o nexo causal não é feito juízo de valor algum, ou seja, o juiz não irá indagar sobre a ilicitude do fato ou sua reprovabilidade.

Existem várias teorias a respeito do nexo causal, entretanto a que efetivamente nos interessa é a teoria da equivalência dos antecedentes causais, adotada pelo código penal.


TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS OU DA CONDITIO SINE QUA NON:

Essa teoria diz que causa produtora de um resultado é toda aquela sem a qual este não teria ocorrido como ocorreu.

Para se saber se uma ação é produtora de um resultado, basta excluí-la do nexo causal, se como isso o resultado deixar de ocorrer como ocorreu, esta ação é causa (procedimento hipotético de eliminação de Thyrén). Por exemplo: João mata Maria. Antes de praticar o homicídio, João precisou comprar o punhal, almoçar, armar a emboscada e, por fim, desferir os golpes na vítima. Eliminando-se qualquer uma dessas ações, exceto a refeição, o resultado deixa de ocorrer. O almoço, então, não é considerado causa desse crime, enquanto que as outras ações o são.

Outro exemplo: Antônio dispara três tiros em José, que já havia tomado veneno. Eliminando-se os disparos, o resultado morte, ainda sim, ocorre. Aparentemente não há relação causal entre a ação de Antônio e o resultado. Entretanto, eliminado-se os tiros, o resultado não teria ocorrido como ocorreu, no momento em que ocorreu.

Como já foi dito, nosso Código Penal adotou essa teoria no art. 13, caput: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causal. Considerando-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. No entanto, há uma exceção a essa regra no § 1.º do referido artigo, que trata das causas supervenientes relativamente independentes.

CAUSA SUPERVENIENTE RELATIVAMENTE INDEPENDENTE:

Antes de tratarmos das causas supervenientes relativamente independentes, faz-se necessário falar dos desdobramentos causais. Quando duas causas parecem conflitar e surge a dúvida se cabe a determinado sujeito a imputação, há de se analisar se o evento que provocou efetivamente o resultado é absolutamente ou relativamente independente em relação à conduta do sujeito.

Se a causa é absolutamente independente em relação à conduta do sujeito, ou seja, suprimida a ação do agente o resultado ainda assim ocorre; ela pode ser preexistente, concomitante ou superveniente. Em todos esses casos há exclusão do nexo de causalidade como apregoa o art. 13, caput.

Exemplo de causa preexistente absolutamente independente: A desfecha um tiro de revolver em B, que vem a falecer pouco depois, não em conseqüência dos ferimentos recebidos, mas porque antes ingerira veneno

Exemplo de causa concomitante absolutamente independente: A fere B no mesmo momento em que este vem a falecer exclusivamente por força de um colapso cardíaco.

Exemplo de causa superveniente absolutamente independente: A ministra veneno na alimentação de B, que, quando está tomando a refeição, vem a falecer em conseqüência de um desabamento.

Se ,no entanto, a causa provedora do resultado é relativamente independente em relação à conduta do agente; ou seja, suprimida mentalmente a conduta do sujeito o resultado ainda sim ocorre; ela também pode ser preexistente, concomitante (o resultado é imputável; art.13, caput) ou superveniente (art. 13, §1.º).

Exemplo de causa preexistente relativamente independente: A golpeia B, hemofílico, que vem a falecer em conseqüência dos ferimentos, a par da contribuição de sua particular condição fisiológica.

Exemplo de causa concomitante relativamente independente: A desfecha um tiro em B, no exato instante em que este está sofrendo um colapso cardíaco, provando-se que a lesão contribuiu para a eclosão do êxito letal.

No caso das causas supervenientes relativamente independentes, objeto de nosso interesse, emprega-se a particular disposição do parágrafo primeiro do artigo 13: “ A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Por exemplo: A atira em B, acertando-o na barriga. Quando está a caminho do hospital, ocorre um acidente com a ambulância que transportava B e este vem a falecer em conseqüência dos novos ferimentos recebidos.

No exemplo acima, A não responde por homicídio consumado e, sim, por tentativa; uma vez que não há uma relação de homogeneidade entre a causa da morte e a conduta do agente.

É importante notar que, a causa provocadora do resultado não deve estar na mesma linha evolutiva do perigo criado com a conduta do agente; pois, neste caso, extinta esta a superveniência causal. Esse dado é importante quando analisada a expressão “causa que por si só produziu o resultado”.

Se não vejamos. E se no exemplo anterior a vítima viesse a morrer, não em conseqüência dos novos ferimentos surgidos durante o acidente, mas devido a uma infecção contraída em uma transfusão de sangue, já que ela perdera muito desse líqüido após o disparo efetuado por A? Nesse caso a vítima morre em conseqüência de desdobramentos dos ferimentos iniciais e não por uma segunda causa. Responde, portanto, pelo homicídio consumado.


NEXO DE CAUSALIDADE NA OMISSÃO:

É incorreto a afirmação de que a omissão produziu o resultado, pois como observa Ricardo C Nuñez: “do nada nada surge”.

Dessa forma, o nexo causal na omissão só poderá ser analisado frente a uma norma jurídica, uma vez que o sujeito estava obrigado a realizar determinada conduta para impedir o resultado e não o fez.

Nas palavras de Damásio: “A causalidade não é formulada em face de uma relação entre a omissão e o resultado, mas entre este e a conduta que o sujeito estava juridicamente obrigado a realizar e omitiu”.

O Código Penal, em seu art. 13, §2.º, disciplinando a causalidade nos crimes omissivos impróprios prega o seguinte:

“A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.”


IV – Tipicidade:

Tipicidade é a adequação do fato praticado pelo agente a uma descrição legal. Surge com o objetivo de dar garantias aos cidadãos de que seus direitos individuais serão respeitados, uma vez que o Estado se manifesta a priori, e não arbitrariamente, a posteriori.

Faz-se necessário, entretanto, não confundir tipicidade com fato típico e tipo penal. Fato típico é a própria ação que contêm descrição legal. Por sua vez, tipo Penal é a lei propriamente dita, ou seja, a descrição encontrada no Código Penal.


BREVE HISTÓRICO DA TIPICIDADE:

Apareceu pela primeira vez no § 59 do CP alemão, com a denominação de Tatbestand, que tratava da culpa e do erro: “se alguém ao praticar uma ação punível, desconhecia a existência de circunstâncias do fato, que pertencem ao tipo legal (gesetzliche Tatbestand), ou que agravem a punibilidade, tais circunstâncias não lhe serão imputadas”.

O Tatbestand era, então, o fato do delito, seu conteúdo real. Era o conjunto de todos os caracteres do delito, de natureza interna ou externa e essenciais à sua existência. Compreendia até o dolo e a culpa.

A partir daí, surgiram várias teorias a respeito da tipicidade, quais sejam:

? Teoria do tipo independente ou avalorado: formulada por Beling, o Tatbestand passou a ter caráter descritivo e não valorativo, apresentando a natureza externa do delito, sem atinência à antijuridicidade ou à culpabilidade.

? Teoria indiciária: Mayer entendia o tipo sem qualquer valoração jurídica, atribuindo-lhe, todavia, a função de indício da antijuridicidade. Seria a ratio cognoscendi da ilicitude. Parece ser esta teoria que melhor se enquadra à prática penal. Praticado um fato típico, presume-se também antijurídico, até prove em contrário (causas da exclusão da antijuridicidade). Com isso não se quer dizer que o típico seja a razão de ser do injusto, mas que o concretiza e assinala.

? Teoria da identidade: Para Mezger, ao contrário de Mayer, o tipo constituiria a ratio essendi da antijuridicidade, Daí falar em ação tipicamente antijurídica. Essa teoria foi alvo de muitas críticas, pois não permite uma exata separação entre a tipicidade e a antijuridicidade. Em face dela, todas as condutas típicas seriam antijurídicas. O cirurgião, numa intervenção, ensina Antolisei, está cometendo o fato típico da lesão corporal; na figura externa do homicídio pode enquadrar-se o ato do soldado que mata o inimigo e se encontra o do carrasco que executa o sentenciado. Se, como pretende Mezger, o tipo somente contivesse atos ilícitos, todas essas condutas teriam de ser consideradas injustos tipificados, o que constitui absurdo.


ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO TIPO PENAL:

São elementos objetivos do tipo:

Elementares – São componentes fundamentais da figura típica sem os quais o crime não existe. É a descrição pura e simples que caracteriza cada delito. Existem algumas espécies de elementares ou elementos:

a) Elementos descritivos ou objetivos: são aqueles que existem no mundo físico e, portanto, não demandam nenhum juízo de valor. Diz respeito a objetos, seres ou atos perceptíveis pelos sentidos. (ex.: coisa móvel, homem, mulher, explosivo, etc).

b) Elementos normativos: São aqueles que exigem um juízo de valor para o seu conhecimento. Subdividem-se em: de valoração jurídica (referentes à norma jurídica – funcionário público, casamento, etc) e de valoração extra jurídica ou empírico cultural (juízos de valor fundados na experiência, na sociedade ou na cultura – ato obsceno, mulher honesta, etc).

NOTA: A ausência de uma elementar pode produzir dois efeitos: atipicidade absoluta (não há crime) e atipicidade relativa (subsiste outro crime).

Circunstâncias – São todos os dados acessórios da figura típica, cuja ausência não a elimina. Sua função não é constituir o crime, mas tão somente de influir no montante da pena. Ex.: a pena de estupro é aumentada de ¼ se o agente era casado ao tempo da ação.


CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS PENAIS:

a) Tipo básico/derivado/autônomo: O primeiro é o tipo fundamental (ex.: art. 121, caput, CP). Já o segundo deriva, justamente, do básico devido à adição de certas circunstâncias (art. 155, § 2.º e § 4.º do CP). O tipo autônomo tem conexão com outro tipo legal, mas representa uma variante autônoma, e se encontra, por isso, separada de todo outro tipo do sistema penal (ex.: art. 123 do CP).

b) Tipo simples/composto: O tipo simples compreende uma só ação (ex.: art.121, caput). O tipo composto envolve uma pluralidade de ações (ex.: art.135 e art. 175).

c) Tipo anormal/normal: O primeiro contém elementos normativos ou subjetivos, além dos elementos objetivos. O enquadramento pressupõe uma interpretação do juiz em cada caso concreto (art. 140). O tipo normal contém apenas uma descrição objetiva, sem referência a outros elementos (art.121, caput).

d) Tipo fechado/aberto: No tipo fechado a descrição legal é completa (ex.: art.129, caput). Já o tipo aberto descreve parte da ação proibida, devendo ser completado pelo julgador. (art. 177).


Elementos subjetivos:

TIPO DOLOSO:

Entende-se por dolo a consciência e a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo. Dolo nas palavras de Welzel é “saber e querer a realização do tipo objetivo de um delito”. Não exige a consciência da ilicitude, que é elemento da culpabilidade. Têm-se as várias espécies de dolo:

a) Dolo direto ou imediato: o agente quer o resultado como fim de sua ação. A vontade se dirige à realização do fato típico, querido pelo autor.

b) Dolo eventual: significa que o autor considera seriamente como possível a realização do tipo legal e se conforma com ela. O agente não quer diretamente a realização do tipo, mas a aceita como possível ou provável – “assume o risco da produção do resultado”.

A propósito do tema, podem ser elencadas as teorias:

a) Teoria da vontade: dolo é a vontade dirigida ao resultado (o autor deve ter consciência do fato, mas, sobretudo, vontade de causá-lo);

b) Teoria da representação: dolo é a previsão do resultado como certo ou provável;

c) Teoria do consentimento: dolo exige que o agente consinta em causar o resultado (além de o considerar como possível);

d) Teoria da probabilidade: para a existência do dolo, o autor deve entender “o fato como provável e não somente como possível”.

O Código Penal brasileiro agasalhou a teoria da vontade (dolo direto) e a teoria do consentimento (dolo eventual).


TIPO CULPOSO:

No tipo culposo pune-se o comportamento mal dirigido a um fim irrelevante e ilícito. Há uma contradição essencial entre o querido e o realizado pelo autor.

A culpa pode ser conhecida, nas palavras de Juarez Tavares, como “forma de conduta humana que se caracteriza pela realização do tipo de uma lei penal através da lesão a um dever de cuidado, objetivamente necessário para proteger o bem jurídico e onde a culpabilidade do agente se assenta no fato de não haver ele evitado a realização do tipo, apesar de capaz e em condição de fazê-lo”.

O Código Penal (art. 18, II, CP) enuncia fórmulas gerais através das quais se pode violar o cuidado objetivo.

a) Imprudência: vem a ser uma atitude positiva, um agir sem cautela, a atenção necessária, com precipitação, afoitamento ou inconsideração. Ex.: manejar ou limpar uma arma de fogo carregada; caçar em locais abertos ao público, etc.

b) Negligência: relaciona-se com a inatividade (forma omissiva), a inércia do agente que, podendo agir para não causar ou evitar o resultado lesivo, não o faz. Ex.: deixar remédio ou tóxico ao alcance de criança, não deixar o veículo frenado, quando estacionado, etc.

c) Imperícia: vem a ser a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos precisos para o exercício de profissão ou arte. Pressupõe a qualidade de habilitação para o exercício profissional. Ex.: falta de habilidade ao conduzir veículo (motorista profissional); não saber praticar uma intervenção cirúrgica ou prescrever um medicamento (médico); etc.


Espécies de culpa:

a) Culpa consciente: o autor prevê o resultado como possível, mas espera que não ocorra. Há efetiva previsão do resultado, sem aceitação do risco de sua produção (confia que o evento não sobrevirá).

b) Culpa inconsciente: é a culpa comum, que se verifica quando o autor não prevê o resultado que lhe é possível prever.


DA ANTIJURIDICIDADE:


Antijuridicidade ou ilicitude é a contrariedade de um fato à ordem jurídica. É a violação da ordem jurídica mediante a realização do tipo.

De acordo com a teoria indiciária, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, toda ação típica será considerada ilícita, se não acobertada por uma causa de exclusão da antijuridicidade.

Após ter sido constatada a tipicidade, será aferida a ilicitude através da averiguação de que não concorre qualquer causa justificante. Frise-se, por oportuno, que o juízo de ilicitude recai sobre a conduta típica – juízo do acontecer – não sobre o agente ou a personalidade (culpabilidade).


CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE:

As causas justificantes dividem-se em três grandes grupos: causas específicas de exclusão de ilicitude; causas supra legais de exclusão de ilicitude e causas genéricas de exclusão de ilicitude.

As causas específicas são as previstas na Parte Especial do Código Penal, vinculadas a determinados tipos penais e existentes nas situações particularizadas nos dispositivos que as mencionam. Ex.: no aborto para salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro (art. 128, I e II); nos crimes de injúria e difamação, quando a ofensa é irrogada em juízo na discussão da causa, na opinião desfavorável da crítica artística, literária ou científica e no conceito emitido por funcionário público em informação prestada no desempenho de suas funções; etc.

As causas supra legais são as que, embora não previstas no ordenamento jurídico, resultam do processo de auto-integração da lei penal, fundamentadas na adequação social do comportamento causador de um fato típico, que em função do assentimento social não tem conotação ilícita. São exemplos: a não punição de um professor que impõe ao aluno um cárcere privado não previsto no regulamento escolar e aceito pelas denominadas normas de cultura; o consentimento do proprietário da coisa quanto ao dano praticado contra a mesma.

Já as chamadas causas justificantes genéricas são as contidas na Parte Geral do Código Penal, especificamente nos artigos 23, 24 e 25. São elas: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito.

Para a aplicação de qualquer uma dessas causas de exclusão da antijuridicidade faz-se necessário, por parte do agente, o conhecimento dos pressupostos objetivos e dos pressupostos subjetivos.

O pressuposto objetivo é o conhecimento que o agente têm da norma justificante para a conduta típica, ou seja, para haver a exclusão da ilicitude, é necessário que o sujeito saiba do fato que lhe permita atuar justificadamente.

Já pressuposto subjetivo é o agir estritamente conforme a norma justificante, ou seja, que no caso do estado de necessidade, atue apenas para salvar o bem jurídico ameaçado. Por exemplo, para a maioria dos doutrinadores, o sujeito que mata, sendo que era necessário apenas ferir, não poderá invocar a legítima defesa, uma vez que deu outra direção à sua vontade, contraria daquela permitida pela norma. Segundo Hans Welzel, lembrado por Damásio E. de Jesus em seu Direito Penal:

“para a justificação de uma conduta típica não basta a satisfação de seus elementos objetivos, mas, além de o sujeito conhecê-los, é necessário que tenha conhecimento das tendências subjetivas especiais de justificação. Assim, p. ex.: na legítima defesa ou no estado de necessidade (justificante) o autor deve conhecer os elementos objetivos de justificação (agressão atual ou perigo atual) e ter “vontade de defesa ou de salvamento”. Se faltar um ou outro elemento subjetivo de justificação, o autor não fica justificado, apesar dos elementos objetivos de justificação”.


Estado de necessidade:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

Estado de necessidade, em termos legais, pode ser conceituado como “um estado de perigo atual, para legítimos interesses, que só pode ser afastado mediante a lesão de interesses de outrem, também legítimos. É a situação na qual se encontra uma pessoa que não pode razoavelmente salvar um bem, interesse ou direito, senão pela prática de um ato, que fora das circunstâncias em que se encontrava, seria delituoso.”

Existe muita divergência na doutrina quanto à aplicação desse dispositivo justificante. Por isso, os juristas dividem as hipóteses de estado de necessidade basicamente em dois grupos: aqueles em que os direitos ou bens em conflito são de valor diferencial e aqueles em que o conflito ocorre entre bens ou direitos de valor equivalentes (vida x vida). Daí resultam as duas principais teorias sobre a matéria: teoria unitária ou monista objetiva e teoria dualista ou diferenciadora objetiva.

Para a primeira o estado de necessidade é sempre uma causa de justificação independente da ponderação de bens em confronto (adotada pelo Código Penal, art. 24). Em sentido diverso, a teoria diferenciadora objetiva ou teoria da discriminação, que distingue entre colisão de bens de igual (ex.: A mata B, para sobreviver; náufrago que se agarra à tábua que afundaria com o peso dos dois), excludente da culpabilidade, por inegibilidade de outra conduta ( estado de necessidade exculpante); e o conflito de bens desiguais, com sacrifício do bem de menor valor, excludente de ilicitude ( estado de necessidade justificante – ex.: prestes a afogar-se , um indivíduo utiliza um barco alheio para poder alcançar a margem do rio, perdido na floresta, o agente furta lenha para se aquecer e evitar a morte por congelamento).

REQUISITOS:

Objetivos: a) perigo atual e inevitável: significa perigo concreto, imediato, com real probabilidade de dano (insuficiente a mera possibilidade) e que de outro modo não possa ser evitado, quer dizer, sem o sacrifício ou bem de outrem. b) direito próprio ou alheio, cujo sacrifício não era razoável exigir-se: a palavra “direito” está sendo empregada de forma a abranger qualquer bem protegido pelo ordenamento jurídico. É imprescindível que o bem seja tutelado pelo ordenamento. Além disso, o direito que se pretende salvar pode ser próprio ou de outrem, desde que seja razoável exigir a manutenção dele em detrimento de outro. Em caso de o sacrifício do direito ameaçado ser razoavelmente exigido, pode a pena ser reduzida de um a dois terços (art. 24, §2.º do CP). c) não provocado pela vontade do agente: evidencia-se que o agente não pode, de modo intencional, causar a situação de perigo. Isso quer dizer: se agiu com dolo não pode alegar o estado de necessidade. d) inexistência do dever legal de enfrentar o perigo: aquele que tem por lei a obrigação de enfrentar o perigo, não pode deixar de afrontar o risco, a pretexto de proteger bem jurídico próprio (ex.: bombeiro, policial, capitão de navio). É evidente, entretanto, que essa regra deve ser interpretada com bom senso, ou seja, quando o socorro às pessoas é impossível, não se pode exigir um sacrifício desnecessário.

Subjetivos: o agente, além do conhecimento dos elementos objetivos da justificante, deve atuar com o fim, com a vontade de salvamento. Esse requisito subjetivo é indispensável em ambas as espécies de estado de necessidade (justificante ou exculpante).


Legítima defesa:

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

A legítima defesa vem a ser a repulsa ou impedimento de ataque, atual ou iminente, pelo agredido ou terceira pessoa, contra o agressor, sem ultrapassar a necessidade de defesa e dentro da racional proporção dos meios empregados para impedi-la ou repeli-la.

Trata-se da mais saliente e antiga causa de justificação, que transforma uma ação típica em lícita, amparada pela ordem jurídica. Entre as várias teorias que buscam a natureza jurídica da legítima defesa, podemos elencar as seguintes:

a) Teoria da coação moral (Puffendorf): segundo essa teoria quem atua para se defender de um perigo atual não pode ser responsável se o fez em estado de perturbação de animo.

b) Teoria da defesa pública subsidiária (Camarra): o que importa é a defesa individual, sendo que a pública só interfere quando o indivíduo, por contrato social, renunciou à sua defesa. O provérbio “a necessidade não tem lei”, resume bem o conceito filosófico dessa teoria.

c) Teoria da ação culpável e imputável (Kant): Por ela não se poderia aprovar a morte de um ser humano, somente declará-la impune.

d) Teoria da retribuição (Geyer): para essa teoria a defesa particular é injusta, porque o direito de punir pertence somente ao Estado.

REQUISITOS:

Objetivos: a) Agressão atual ou iminente e injusta: deve entender-se por agressão, toda ação dirigida à produção de um resultado lesivo a uma pessoa, violenta ou não. A mera omissão não dá lugar a uma agressão. Nessa hipótese, o lesado poderia se escorar na eximente do estado de necessidade (art. 24, CP). É indispensável que o ato agressivo seja consciente e voluntário, com o objetivo de lesar a pessoa. No caso de realização por simples culpa, ou por ataques de animais, cumpre invocar, também, o estado de necessidade. A agressão deve ser atual ou iminente e injusta. Atual, como já observado, designa, presente e iminente significa imediata, prestes a acontecer. Injusta, por sua vez, designa ação que não tem amparo na ordem jurídica. Assim, não há legítima defesa contra legítima defesa ou qualquer outra causa de exclusão de ilicitude. Advirta-se, contudo, que isso não equivale a autorizar reações defensivas desproporcionais, contra ataques insignificantes. b) Direito próprio ou alheio: todo bem jurídico cujo portador seja o próprio indivíduo ou terceira pessoa. c) Meios necessários, empregados com moderação: isto é, indispensável à repulsa e sem ultrapassar os limites necessários para afastar a ação agressiva ilícita. Os meios necessários são os suficientes para arrostar a agressão. Demais disso, é mister que exista uma certa proporcionalidade ente a agressão e a reação defensiva, em relação aos bens e direitos ameaçados.

Subjetivos: O agente deve ter consciência da agressão e o ânimo ou vontade de atuar em defesa de direito seu ou de outrem.


EXCESSO:

É intensificação desnecessária de uma conduta inicialmente justificada. O excesso sempre pressupõe um início de situação justificante. A princípio o agente estava agindo acobertado por uma excludente, mas, em seguida, a extrapola.

O excesso pode ser:

a) Doloso: Descaracteriza a legítima defesa a partir do momento em que é empregado o excesso e o agente responde dolosamente pelo resultado que produziu. Ex.: uma pessoa que inicialmente estava em legítima defesa consegue desarmar o agressor e, na seqüência, o mata. Responde por crime de homicídio doloso.

b) Culposo: É o excesso que deriva de culpa em relação à moderação, e, para alguns doutrinadores, também quanto à escolha dos meios necessários. Nesse caso, o agente responde por crime culposo.

NOTA: O excesso, doloso ou culposo, é também aplicável nas demais excludentes de ilicitude (estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito, etc.).


Estrito cumprimento de dever legal:

O agente que atua em estrito cumprimento de um dever legal cumpre exatamente o determinado pelo ordenamento jurídico, realizando, assim uma conduta lícita. Há de ser, entretanto, dever legal proveniente de disposição jurídico-normativa e não simplesmente moral, religioso ou social. Por exemplo, é evidente que não podem ser tido por criminoso o encarregado da prisão de um delinqüente, embora privar a outrem da sua liberdade.




REQUISITOS:

Objetivo: cumprimento estrito, regular, isto é, nos limites do dever imposto pela norma, sendo punível todo excesso ou abuso de direito.

Subjetivo: conhecimento do dever e vontade de cumpri-lo, nos exatos termos da lei.


Exercício regular de direito:

Consiste na atuação do agente dentro dos limites conferidos pelo ordenamento legal. O sujeito não comete crime por estar exercitando uma prerrogativa a ele conferida pela lei. Exs.: na recusa em depor em juízo por parte de quem tem o dever legal de guardar sigilo, na intervenção cirúrgica (desde que haja consciência do paciente ou de seu representante legal), nas lesões esportivas, desde que respeitadas as regras do esporte, etc.

A Palavra “direito” foi empregada em sentido amplo, de forma a abranger todas as espécies de direito subjetivo, penal ou extrapenal. O exercício abusivo do direito faz desaparecer a excludente.

1 – Ofendículos: São aparatos visíveis destinados à defesa da propriedade ou de qualquer outro bem jurídico. Ex.: pontas-de-lança em portão, cacos de vidro em cima de um muro, tela elétrica com aviso. O uso de ofendículos é lícito, desde que não coloquem em risco pessoas não agressoras.

Quanto à natureza destes, há duas opiniões:

1ª. - Há legítima defesa preordenada. Existe legítima defesa porque o aparato só funcionará quando houver agressão, e é preordenada porque foi posta anteriormente a esta.

2ª. – Não há crime, pois há exercício regular do direito de defesa de bens jurídicos. Não se poderia cogitar de legítima defesa por não haver agressão atual e iminente.

2 – Defesa mecânica predisposta: São aparatos ocultos que têm a mesma finalidade dos ofendículos. Podem, dependendo das circunstâncias, caracterizar algum crime culposo. Ex.: colocar uma tela elétrica sem aviso. Se alguém encostar e sofrer alguma lesão, o responsável pela colocação da tela responde por lesão culposa.

REQUISITOS:

Objetivo: atuação efetiva no exercício regular de direitos.

Subjetivo: conhecimento do direito e a vontade de exercitá-lo.


Consentimento do ofendido:

Não é punível quem ofende ou põe em perigo um direito, com o consentimento da pessoa que dele pode validamente dispor. O consentimento pode ser expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria, livre e esclarecida do titular do interesse juridicamente protegido, e pode ser livremente revogada até a execução do fato. O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 14 anos e possuir discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance o momento em que o presta. Além disso, se o consentimento não for conhecido do agente, este é punível com pena aplicável à tentativa.


DA CULPABILIDADE:


É o terceiro requisito do crime para a maioria da doutrina (Aníbal Bruno, Nélson Hungria, Francisco Assis Toledo, por exemplo) e para outros é pressuposto de aplicação da pena (Damásio E. de Jesus, Júlio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto), não constituindo elemento do conceito de crime.

A palavra significa reprovabilidade, censurabilidade da conduta. Hodiernamente, é juízo de reprovação social realizado sobre um fato típico e antijurídico e sobre o agente que pratica o fato.

A conduta típica e ilícita não é punida por si só, necessitando de algo mais para que isto ocorra. A culpabilidade não se constata da mesma forma que a ilicitude ou a tipicidade, que são analisadas de forma objetivo-subjetiva. A culpabilidade é constatada através da observação do juiz, uma vez que ela nunca se apresenta de forma prática, constituindo-se, segundo a mais moderna concepção, um juízo hipotético, abstrato, de valoração, incidente sobre o fato tipicamente ilícito. Enquanto a tipicidade e a ilicitude se exteriorizam no fato material, a culpabilidade é idéia, é juízo de valor. Ela será feita de forma individualizada em relação ao fato e ao agente.

Por fim, a culpabilidade constitui o fundamento e o limite da pena.

A primeira teoria explicativa da culpabilidade, denominada psicológica, é produto do positivismo científico. Essa corrente filosófica concebeu-a como uma ligação psicológica entre o agente e o evento, que se manifestava na forma de dolo ou culpa, que constituíam a própria culpabilidade. Esta estaria na cabeça do agente, caracterizando a parte subjetiva do crime. Um de seus maiores equívocos é conceber a culpabilidade, em relação à culpa, como culpa consciente, porque vincula o evento ao agente, entendendo que este teria uma previsão do resultado, embora não o pretendesse e nem o admitisse. E a culpa inconsciente; como restaria? Inimputável? Inexplicável?

Os pressupostos da culpabilidade, para essa teoria, seriam: a imputabilidade, o dolo e a culpa.

A segunda teoria, oriunda do pensamento neokantiano, conhecida como psicológico-normativa, manteve dolo e culpa na culpabilidade. Seu idealizador, Franck, conceituou a culpabilidade como vínculo psicológico e como reprovabilidade por ausência de causas de inexigibilidade de outra conduta. Ou seja, inseriu em seu campo a exigibilidade de comportamento conforme o direito, exigibilidade de conduta diversa, bem como a imputabilidade, que para a teoria psicológica configurava-se em pressuposto da culpabilidade.

A teoria psicológico-normativa exige, ainda, a constatação da consciência efetiva da ilicitude quando da atuação do agente, concebendo o dolo como normativo, ou seja, composto pelo elemento normativo da consciência da proibição (a conduta só será dolosa se o agente conhecer a norma).

Com a introdução do finalismo, que posicionou o dolo e a culpa na ação e, por via de conseqüência, no tipo, a culpabilidade perdeu seu elemento psicológico, configurando-se, definitivamente, em normativa pura. Surgiu, portanto, a denominada teoria normativa pura, que concebeu a culpabilidade como um juízo de reprovação incidente sobre o agente e o fato, mas, mantendo os elementos imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa no âmbito da culpa lato sensu, desvinculou o dolo e a culpa da consciência da ilicitude, transformando-a em potencial consciência da proibição, autônoma do dolo e da culpa, que foram se posicionar no tipo penal. Portanto, tal teoria, consentânea com o finalismo, não exige, para a caracterização do dolo ou da culpa, que o agente tenha consciência da ilicitude do fato que pratica, não impondo, para a existência da culpa, que o sujeito preveja o resultado, satisfazendo-se com a possibilidade de previsão, baseada na previsibilidade objetiva. Assim, para a teoria normativa pura, que é conseqüência do finalismo, o que importa é que o agente tenha uma potencial consciência da ilicitude, uma possibilidade de conhecer a antijuridicidade do fato que pratica. Essa teoria, conforme a maioria da doutrina pátria, é adotada pelo nosso Código. A culpabilidade, para ela, está totalmente na cabeça do juiz.

Os elementos da culpabilidade para a teoria normativa pura são: a) imputabilidade; b) exigibilidade de conduta diversa; c) potencial consciência da ilicitude.


OS ELEMENTOS E AS CAUSAS LEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE:


Imputabilidade:

Imputar é atribuir algo a alguém, é a capacidade de culpabilidade. O Código Penal Brasileiro adotou, como regra, a chamada teoria biopsicológica, que se constitui em uma fusão das teorias biológica ou etiológica (também acolhida como exceção) e psicológica. A teoria biológica subordina a imputabilidade à saúde mental, afirmando, a contrário sensu, que inimputável é o sujeito que pratica o fato acometido de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, negando a necessidade de ulterior indagação psicológica. A teoria psicológica, ao revés, não indaga acerca da existência de uma perturbação mental mórbida, declarando a inimputabilidade se, ao tempo do fato delituoso, o agente, seja qual for a causa, não possuía capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se consoante a compreensão que tivesse.

A legislação brasileira acolheu, também, a teoria biológica, como exceção, no artigo 27, ao dispor que menor de 18 anos é inimputável. O critério etiológico, neste caso, não foi acompanhado pelo psicológico, regulando, por si só, a inimputabilidade por menoridade.

O sistema vicariante, adotado pela Lei nº. 7.209/84, impõe a aplicação de pena ao imputável, pena diminuída ao semi-imputável e medida de segurança ao inimputável. Caso o semi-imputável necessite de especial tratamento curativo, a pena que lhe foi aplicada deve ser substituída pela medida de segurança, necessária para tratá-lo, na forma disposta no artigo 98 do CP. Ao imputável somente é admitida a aplicação de pena, não se concebendo qualquer juízo de periculosidade ensejador da substituição daquela pela medida de segurança. O artigo 183 da LEP permite a conversão, no curso da execução penal, da pena pela medida de segurança, caso o condenado apresente quadro mórbido que exija tratamento curativo. Como a lei não distingue, em princípio é possível realizar a conversão em qualquer caso, seja o condenado imputável ou semi-putável.


QUEM É INIMPUTÁVEL?


I – Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado:

A doença mental abrange a demência, psicose maníaco-depressiva, histeria, paranóia, psicose traumática por alcoolismo, esquizofrenia, etc.

O desenvolvimento mental incompleto ocorre em relação aos menores de idade (para os quais, entretanto, existe regra própria no art. 27) e silvícolas não adaptados à vida em sociedade (quando parcialmente adaptados aos critérios culturais dos chamados homens civilizados, a hipótese é de semi-imputabilidade. Caso haja demonstração da plena adaptação do silvícola, o caso é de imputabilidade absoluta).

Desenvolvimento mental retardado é característico em pessoas oligofrênicas (idiotas, imbecis, débeis mentais) e nos surdo-mudos (dependendo do caso).

NOTA: Semi-imputabilidade – Nos termos do art. 26, parágrafo único, do Código Penal, se em razão da doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado, o agente, ao tempo da ação ou omissão, estava parcialmente privado de sua capacidade de intender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento, a pena será reduzida de 1/3 a 2/3. Nesse caso, ao agente é chamado de semi-imputável, pois perde apenas parcialmente a capacidade de entendimento e de autodeterminação.


II – Menoridade:

Nos termos do art. 27 do Código Penal (consagrado também no art. 228 da CF), os menores de 18 anos são inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Adotou-se, portanto, o critério biológico, que presume, de forma absoluta, ser o menor de 18 anos inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A legislação especial que regulamenta as sanções aplicáveis aos menores inimputáveis é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), que prevê a aplicação de medidas sócio-educativas aos adolescentes (maiores de 12 e menores de 18 anos), consistentes em advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, e a aplicação de medida de proteção às crianças (menores de 12 anos) que venham a praticar fatos definidos como infração.


III – Emoção e Paixão:

Estabelece o art. 28, I, que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade. Emoção é um estado súbito e passageiro de instabilidade psíquica, uma perturbação momentânea da afetividade. A paixão é um sentimento duradouro caracterizado por uma afetividade permanente.

A emoção e a paixão, apesar de não excluírem o crime, podem funcionar como atenuantes genéricas (art. 65, III, a) ou como causas de diminuição de pena (art. 121, § 1º.), desde que acompanhadas de outros requisitos.


IV – Embriaguez:

A embriaguez pode ser:

a) Não acidental:

Voluntária – O agente quer embriagar-se. Pode ser completa, quando retira a capacidade de entendimento e autodeterminação do agente, ou incompleta, quando não retira tal capacidade.

Culposa – Completa ou incompleta. O agente não quer embriagar-se, mas, agendo imprudentemente, ingere doses excessivas e acaba embriagando-se.

Em todos os casos não há exclusão da imputabilidade nos termos do art. 28, II, do Código Penal, que estabelece não excluir o crime a embriaguez voluntária ou culposa. Até na hipótese de embriaguez completa não fica excluído o crime, pois adotou-se a tese da actio libera in causa, segundo a qual o agente, ao se embriagar sabia da possibilidade de praticar o delito e era livre para decidir. A doutrina ressalva, entretanto, que, excepcionalmente, se nesse momento inicial, era imprevisível a ocorrência da situação que o levou à prática do ilícito, fica afastada a culpabilidade, para que não haja responsabilidade objetiva.

b) Acidental:

Proveniente de caso fortuito ou força maior. Se completa, exclui a imputabilidade, desde que, em razão dela, o agente, ao tempo da ação ou omissão, tenha ficado inteiramente incapacitado de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 28, § 1º.).

Ocorre caso fortuito, por exemplo, quando o sujeito está tomando determinado medicamento e, inadvertidamente, ingere bebida alcoólica, que acaba tendo seu efeito potencializado em face dos remédios, fazendo com que uma pequena quantia de bebida o faça ficar em completo estado de embriaguez. Força maior existe quando o agente é obrigado a ingerir a bebida.

O art. 28, § 2º., do Código Penal, por sua vez, esclarece que a pena pode ser reduzida de 1/3 a 2/3, se o agente, por embriaguez proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nesse caso, a embriaguez retira apenas parcialmente a capacidade de entendimento.

c) Patológica:

Se, em razão dela, era o agente, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, estará excluída sua imputabilidade (aplica-se a regra do art. 26, caput). Se houver mera redução dessa capacidade, o agente responderá pelo crime, mas a pena será reduzida (art. 26, parágrafo único).

d) Preordenada:

Quando o agente se embriaga justamente para tomar coragem para a prática do delito. Atua como agravante genérica, nos termos do art. 61, II, l, do Código Penal.

V – Dependência de substância entorpecente:

Nos termos do art. 19, caput, da Lei nº. 6.368/76 (Lei de Tóxicos), é isento de pena (inimputável) o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou omissão, qualquer que tenha sido a infração praticada (do Código Penal, da Lei de Tóxicos ou qualquer outra lei), inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo como esse entendimento. Se a redução dessa capacidade for apenas parcial, o agente é considerado imputável, mas sua pena será reduzida de 1/3 a 2/3 (parágrafo único).

Veja-se que a inimputabilidade pode ocorrer em duas situações: a) dependência de substância entorpecente; b) estar o agente sob o efeito de substância entorpecente, proveniente de caso fortuito ou força maior.


Potencial consciência da ilicitude:

Significa possibilidade de conhecimento, pelo agente imputável, da ilicitude do fato por ele praticado. Não é exigido o concreto conhecimento da proibição pelo sujeito, mas sim a mera possibilidade concreta desse conhecimento.

Estabelece o art. 21 do Código Penal que o desconhecimento da lei é inescusável. Presume a lei, portanto, que todos são culpáveis. Ocorre, entretanto, que o mesmo art. 21, em sua 2º. Parte, determina que o erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta a pena, e, se evitável, poderá diminuí-la de 1/6 a 1/3.

O erro inevitável sobre a ilicitude do fato é o erro de proibição. O erro de proibição não possui relação com o desconhecimento da lei. Trata-se de erro sobre a ilicitude do fato e não sobre a lei. Em outras palavras, o agente conhece a lei, mas se equivoca, entendendo que determinada conduta não está englobada pela mesma. Há uma errada compreensão acerca do significado da norma. O agente tem perfeita compreensão do fato, mas entende que este é lícito.

No erro de tipo, ao contrário, há erro quanto ao próprio fato (imaginar que objeto alheio é próprio, que mulher casada é solteira, que um homem é um animal, etc).

Veja-se que o erro evitável não exclui a culpabilidade, mas diminui a pena.


Exigibilidade de conduta diversa:

Tal requisito concerne à exigibilidade de comportamento conforme a norma legal. Ou seja, significa, no caso concreto, exame acerca da possibilidade, de o agente, diante da normalidade das condições objetivas em que se encontrava, atuar consoante o direito.

Essa possibilidade cessa diante de uma situação excepcional, que torna inexigível para o agente, no caso concreto, atuar conforme a obrigatoriedade indicada na norma legal. O artigo 22 do CP agasalha as duas causas excludentes da exigibilidade de conduta diversa. São a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.

A coação irresistível excluidora da culpabilidade é a moral (vis compulsiva), pois a física (vis absoluta) exclui a própria ação e, consequentemente, o próprio tipo, pois retira a voluntariedade da conduta do agente. Coação irresistível é aquela que não poderia ser vencida, superada pelo agente no caso concreto. Nessa hipótese há crime, pois existe um resquício de vontade por parte do coagido, mas o art. 22, 1ª. Parte, do Código Penal determina a exclusão da culpabilidade. A grave ameaça é o anúncio de um mal ao próprio coagido ou à pessoa a ele ligada. O coagido conserva sua liberdade de ação sob o aspecto físico mas permanece psiquicamente vinculado em face da ameaça recebida.

O coator é quem responde pelo crime praticado pelo coagido.

A segunda causa de exclusão da culpabilidade, concernente à inexigibilidade de conduta conforme o direito, é a obediência hierárquica ou devida. Diz o art. 22, CP, que é isento de pena quem pratica o crime em estrita obediência a ordem, não manifestadamente ilegal, emanada de superior hierárquico.

A eximente exige que a ordem não seja manifestamente ilegal e que a relação de subordinação fulcre-se no Direito Administrativo. Diz-se manifestadamente ilegal a ordem: a) quando é dada por autoridade incompetente; b) quando sua execução não se enquadre nas atribuições legais de quem a recebe; c) quando não se reveste de forma legal; d) quando evidentemente constitui crime. A ordem deve ser observada de forma estrita, ou seja, caso subordinado o se exceda no cumprimento da ordem responde pelo excesso. A obediência a ordem manifestamente ilegal de superior hierárquico é circunstância de atenuação da pena, conforme consta do artigo 645, III, “c”, do CP. Entretanto, conforme Damásio E. de Jesus, em seu “Direito Penal”, “pode ocorrer que a ordem seja ilegal, sendo que o subordinado pratica o fato típico por erro de proibição , na crença firme de tratar-se de ordem legal, sendo considerado o agente, também nesse caso, inimputável.



Bibliografia:

CARVALHO, Alexandre Victor de. Direito Penal. Juiz de Fora, 2000. – (apostila do curso A. Carvalho).

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal: parte geral. volume 7. 3ª. ed. rev. São Paulo: editora Saraiva,1999. – (Coleção sinopses jurídicas).

JESUS, Damásio E. de. Comentários ao Código Penal: parte geral. Volume 1. 2ª. ed. amp. atual. São Paulo: editora Saraiva, 1986.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. Volume 1. 3ª. ed. rev. amp. São Paulo: editora Atlas, 1887

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal. Volume 1. 3ª. ed. rev. São Paulo: editora Saraiva, 1995.

Fonte: Escritório Online


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