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Escritório Online :: Artigos » Direito Penal


Crimes hediondos e progressão de regime

10/09/2006
 
Vladimir Brega Filho



Após longo debate o Supremo Tribunal Federal declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8072/90 que previa o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado para os crimes hediondos ou a ele equiparados [1].

A decisão modifica entendimento já consolidado da corte constitucional [2] e trará grande reflexo no sistema penitenciário brasileiro, pois mesmo tendo sido proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade, indicará um entendimento aos juízes e tribunais, e mais, em caso de não acolhimento da orientação, permitirá que os sentenciados, através de habeas corpus, pleiteiem a progressão de regime junto ao Supremo Tribunal Federal.

Assim, não resta dúvida que o novo panorama é a admissão da progressão de regime para os crimes hediondos ou a ele equiparados, impondo-se aos operadores do direito a análise de qual o montante de pena que deve ser cumprido pelo condenado para poder pleitear a progressão. A Lei de Execuções Penais, para crimes não hediondos, exige o cumprimento de um sexto da pena em regime mais rigoroso e a solução mais cômoda seria a de aplicar esse montante para todas as espécies de crimes.

Ocorre que a Constituição Federal, no art. 5º, inciso XLIII estabeleceu que os apenados por crimes hediondos devem ser tratados de forma mais severa, de onde concluímos que o tratamento igual a situações diferentes também pode ser considerado descumprimento da diretriz constitucional. Parece claro, portanto, que a aplicação do montante de um sexto da pena para a progressão nos crimes hediondos, é inconstitucional por descumprimento do princípio constitucional que determina maior severidade no tratamento dos réus condenados por crimes hediondos.

A respeito do tema, colacionamos trecho do voto do Min. Carlos Ayres de Brito proferido no já citado HC 82959.

“14. Acontece que essa utilização do parâmetro uniforme de pelo menos 1/6 da pena judicialmente aplicada redunda em tratamento jurídico igual para situações ontologicamente desiguais. Pois não se pode obscurecer o fato de que, pelo inciso XLIII do art. 5º da Magna Carta Federal, é sonegado às pessoas condenadas por crimes hediondos o acesso a determinados benefícios que ela, Constituição, deixou de interditar aos acusados por delitos comuns. São, especificamente, os benefícios da fiança, da graça e da anistia (inciso XLIII do art. 5º). Mais até, não se pode ignorar que a Magna Lei de 1988 exigiu que se levasse em conta a natureza do crime até mesmo para o efeito de segregação em estabelecimento penitenciário oficial (ainda o art. 5º, inciso XLVIII). A robustecer o juízo de que tanto o momento jurisdicional da cominação quanto o momento administrativo de execução da pena devem refletir aquela fundamental dicotomia entre os delitos timbrados pela hediondez e os crimes que não chegam a esse plus de lesividade social.

15. Daqui resulta que também tenho por inconstitucional a aplicação da regra geral de 1/6 aos condenados pelos delitos hediondos”. (grifo nosso)

Salientamos que a norma constitucional, inserida no capítulo dos direitos individuais, cuida-se de uma norma-princípio que deve inspirar a elaboração e interpretação de toda e qualquer norma [3] e qualquer entendimento que não a observe, será tido como inconstitucional.

Frisamos, ainda, que não é possível discutirmos a constitucionalidade do inciso XLIII, do art. 5º da Constituição, pois o dispositivo é fruto do poder constituinte originário. Isso porque diante do princípio da unidade da Constituição não é possível a existência de normas constitucionais antinômicas (inconstitucionais). Nesses casos, segundo Luís Roberto Barroso, “há de encontrar o espaço adequado de incidência de cada uma das normas que potencialmente podem incidir sobre o caso concreto”. [4]

A solução, então, é buscarmos no “sistema legislativo-penal-ordinário” dispositivo ou dispositivos dos quais se extraia o quantum da pena que deve ser cumprida no regime mais severo. Estaríamos utilizando o método de interpretação conhecido como sistemático ou lógico-sistemático.

Cezar Roberto Bitencourt explicando tal método de interpretação, escreve o seguinte:

“O critério lógico-sistemático de interpretação constitui valoroso instrumento de garantia da unidade conceitual de todo o ordenamento. Na verdade, somente se pode encontrar o verdadeiro sentido de uma norma se lhe for dada interpretação contextualizada. Com efeito, a ciência jurídico-penal constrói sistemas e microssistemas que auxiliam e facilitam a aplicação da lei penal”.[5]

Escreve Arnold Wald que pela interpretação sistemática “se interpreta um artigo de lei por outro, pela situação dentro do sistema legislativo”.[6]

Dessa forma, o intérprete pode e deve encontrar no sistema, normas que justifiquem a escolha do montante de pena a ser cumprida para a progressão de regime nos crimes hediondos.

Nessa busca, analisaremos o requisito objetivo estabelecido para a concessão do livramento condicional, já destacando que não se trata de fazer analogia, pois o livramento condicional e a progressão são benefícios completamente diferentes.

O sentenciado condenado à prática de crime não hediondo poderá ser beneficiado com o livramento condicional quando cumprir um terço da pena [7]. Sendo o crime hediondo, o mesmo benefício poderá ser concedido quando o réu cumprir dois terços da pena [8], ou seja, para beneficiar-se do livramento condicional em crime hediondo, a lei exige que o condenado tenha cumprido o dobro do montante exigido para o crime comum.

Seguindo esse raciocínio e, portanto, realizando uma interpretação sistemática do direito, podemos dizer que nos crimes hediondos, a progressão só poderá ser concedida quando o sentenciado tiver cumprido o dobro do que se exige para o crime comum, ou seja, um terço da pena.

Esse mesmo patamar deve ser aplicado para os sentenciados reincidentes, já que a Lei de Execuções Penais, para o fim de fixar o montante de pena a ser cumprido no regime mais rigoroso, não faz distinção entre reincidentes e primários. Reincidente ou primário, o sentenciado deve ter cumprido um sexto da pena para progredir de regime. A reincidência deve ser analisada dentro dos requisitos subjetivos da progressão.

Dessa forma, tratando-se de crimes hediondos ou a ele equiparados, o preso, primário ou reincidente, poderá pleitear a progressão quando tiver cumprido mais de um terço da pena no regime fechado, e cumprindo mais um terço poderá requerer a progressão ao regime aberto. Poderia, a seguir, como último estágio do cumprimento da pena, pleitear o livramento condicional.

Notamos que a doutrina considera o livramento condicional o estágio final do cumprimento da pena, o que seria preservado com esse entendimento.

Nesse sentido é o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt:

“O livramento condicional, a última etapa do cumprimento de pena no sistema progressivo, abraçado em geral por todas as legislações penais modernas, é mais uma das tentativas de diminuir os efeitos negativos da prisão” (grifo nosso).[9]

Anotamos que não se trata de interpretação ampliativa, pois não estamos ampliando o alcance da norma, que por sinal, sequer existe. Anotamos ainda que, não estamos aplicando a analogia, pois como já foi dito, as situações não são semelhantes, são díspares, e o pressuposto da analogia é a congruência das situações.

Concluindo, acreditamos que, uma vez admitida a progressão de regime para crimes hediondos pelo Supremo Tribunal Federal, o preso deve cumprir ao menos um terço da pena no regime mais severo para pleitear a progressão de regime. Este é o requisito objetivo decorrente do sistema “legislativo penal-ordinário” que deve estar conjugado aos requisitos subjetivos previsto na Lei de Execuções Penais.


Notas do texto:


[1] HC nº 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, decisão proferida em 23 de fevereiro de 2006.

[2] Súmula nº 698 do STF: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução de pena aplicada ao crime de tortura”.

[3] Walter Claudius Rothenburg, Princípios constitucionais, Porto Alegre: SAFE, p. 16.

[4] Interpretação e aplicação da Constituição, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p.192.

[5] Tratado de Direito Penal, v. 1, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 132.

[6] Curso de Direito Civil brasileiro, 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 70.

[7] Art. 83, inciso I do Código Penal.

[8] Art. 83, inciso V do Código Penal.

[9] Tratado de direito penal, v. 1, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 698.


Bibliografia:


BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001.

__________. Tratado de direito penal, v. 1. 9ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2004.

DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal, v. 1. 23ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999.

KUEHNE, Maurício. Lei de execução penal anotada. Curitiba: Juruá, 1999.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. (7ª tiragem), São Paulo: Malheiros, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. v. 1, 15ª ed., São Paulo: Atlas, 1999.

__________. Execução penal. 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

Fonte: Escritório Online


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