:: Seu mega portal jurídico :: inicial | sobre o site | anuncie neste site | privacidade | fale conosco
        

  Canais
  Artigos
  Petições
  Notícias
Boletins informativos
Indique o
Escritório Online
 

Escritório Online :: Artigos » Direito Penal


Crimes de sonegação fiscal

10/09/2006
 
Gianpaolo Poggio Smanio



1. A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO


1.1. Histórico – A extinção da punibilidade com o pagamento integral do débito antes do recebimento da denúncia


A Lei n. 8.137/90 dispunha, no art. 14, que os crimes previstos em seus arts. 1.º a 3.º teriam extinta sua punibilidade quando o agente (contribuinte ou servidor público) promovesse o pagamento do tributo ou contribuição social antes do recebimento da denúncia. Esse dispositivo legal foi revogado pelo art. 98 da Lei n. 8.383/91, deixando de ser, portanto, efeito do pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia a extinção de punibilidade. Logicamente, em face do princípio da irretroatividade da lei penal mais severa (lex gravior), essa alteração não se aplicou aos fatos anteriores.

Ocorre que a Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, em seu art. 34, restaurou o preceito nos seguintes termos:

“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.

Dessa maneira, a causa de extinção da punibilidade decorrente do pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia foi restaurada, voltando a viger em nosso ordenamento jurídico, em face do citado art. 34 da Lei n. 9.249/95.

Por se tratar de norma penal mais benigna, houve, portanto, sua retroatividade, nos termos do art. 5.º, XL, da Constituição Federal (CF), que consagra o princípio da retroatividade da lei mais benigna (lex mitior), atingindo os feitos em andamento, que tiveram, quando preenchidas as condições legais, qual seja o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, a decretação da extinção da punibilidade.

Ressalte-se, ainda, que a retroatividade da lei penal mais benigna atinge, também, a eficácia da coisa julgada. Dessa forma, caso alguém tenha pagado o tributo antes do recebimento da denúncia, sem gerar o efeito extintivo de punibilidade, em face da ausência de previsão legal à época do pagamento, a lex mitior retroagirá, mesmo que tenha sido posteriormente condenado.


1.2. A extinção da punibilidade com o pagamento integral do débito em qualquer fase do processo


Com o advento da Lei n. 10.684/2003, que trata do Programa de Recuperação Fiscal (Refis), o legislador ordinário alterou o posicionamento tradicional de nosso ordenamento jurídico, passando a considerar que o pagamento integral do débito, mesmo após o recebimento da denúncia, é causa extintiva da punibilidade do autor do delito contra a ordem tributária.

Esta é a determinação constante do art. 9.º, § 2.º, da Lei n. 10.684/2003, nos seguintes termos:

“Art. 9.º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

[...]

§ 2.º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.

Como podemos verificar, o texto legal não faz qualquer menção ao recebimento da denúncia ou ao momento processual em que o pagamento pode ser efetuado para que ocorra a extinção da punibilidade. Daí a conclusão necessária de que, em qualquer fase do processo, o pagamento poderá ser feito e o seu efeito será a extinção da punibilidade.

Embora o texto legal mencione o pagamento por meio de pessoa jurídica, a solução deverá ser a mesma para o pagamento da pessoa física, por meio da utilização da interpretação extensiva da lei em análise.

Trata-se, mais uma vez, de lei posterior mais benéfica ao réu e, portanto, tem aplicação retroativa.

Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), 1.ª T., no Habeas Corpus (HC) n. 81.929/RJ, rel. para o acórdão Min. Cezar Peluso, j. em 16.12.2003, publicado no Informativo STF n. 334, com a seguinte ementa:

“AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9.º da Lei federal n. 10.684/03, cc. art. 5.º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário”.

Importante questão a ser dirimida abrange o alcance do dispositivo legal em relação à espécie de tributo devido.

Como a referida lei federal não fez diferenciação entre os tributos para sua aplicação, entendemos ser aplicável a extinção da punibilidade, com o pagamento integral do débito, para todos eles, municipais, estaduais ou federais. A norma que trata da extinção da punibilidade é de natureza penal e não há que se questionar a competência federal para a sua edição, abrangendo processos na justiça federal ou estadual.

Ainda que o Município ou o Estado não disponha sobre o parcelamento dos respectivos débitos tributários (Refis), quando acontecer o pagamento integral do débito, ocorrerá a extinção da punibilidade, em qualquer fase do processo penal.

Concluímos, então, que o pagamento integral do tributo passou a ser causa de extinção da punibilidade, aplicável em qualquer fase do processo penal pelos crimes de sonegação fiscal.


2. O PARCELAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO (REFIS) E AS SUAS CONSEQÜÊNCIAS PENAIS


2.1. Histórico


Antes da legislação do Refis, muito se debatia a respeito do parcelamento do débito tributário e as suas conseqüências penais, havendo posições antagônicas tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Autores e acórdãos equiparavam o parcelamento ao pagamento do débito, propugnando pela extinção da punibilidade; outros entendiam que inexistiam conseqüências penais do parcelamento, uma vez que a legislação somente referia-se ao pagamento do tributo; por fim, outros ainda entendiam que deveria haver a suspensão da ação penal, aguardando o pagamento integral do débito tributário.

A discussão findou com a Lei n. 9.964/2000, na qual foi instituído o Refis, destinado a promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). O ingresso no Refis significa que a pessoa jurídica faz jus a regime especial de consolidação e parcelamento de débitos fiscais.

No art. 15, a referida lei determina a suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n. 8.137/90, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Durante esse período de suspensão da pretensão punitiva, não corre a prescrição penal, sendo o prazo prescricional igualmente suspenso (art. 15, § 1.º, da Lei n. 9.964/2000).

A extinção da punibilidade ocorrerá quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive seus acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento (art. 15, § 3.º, da mesma lei).

A lei estende a solução supra-referida para os parcelamentos obtidos alternativamente ao ingresso no Refis pela pessoa jurídica, inclusive de débitos não tributários inscritos em dívida ativa (art. 15, § 2.º, II).


2.2. A situação atual do Refis


Atualmente, está em vigor a Lei n. 10.684/2003 que alterou a legislação sobre o Refis, ampliando a proteção legal em seu art. 9.º. Abrangeu, primeiramente, na suspensão da pretensão punitiva não apenas os arts. 1.º e 2.º da Lei n. 8.137/90 mas também os arts. 168-A (Apropriação Indébita Previdenciária) e 337-A (Sonegação de Contribuição Previdenciária) do Código Penal (CP).

Além disso, o art. 9.º não exige que o Refis tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia penal para a obtenção da suspensão da pretensão punitiva, como fazia a Lei n. 9.964/2000, podendo ocorrer a suspensão em qualquer fase do processo.

O e. Tribunal Regional Federal (TRF) já firmou posição ao decidir:

“CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. 1. Dispõe o art. 9.º da lei n. 10.684, de 30/05/03, que ‘É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime do parcelamento’. 2. O benefício está ligado somente à obtenção do parcelamento, independentemente de ser ele anterior ou posterior ao recebimento da denúncia, diferentemente do que dispunha a Lei n. 9.964, de 10/04/2000 (art. 15), que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, bastando apenas que a parte interessada faça prova inequívoca da adesão ao Programa de Parcelamento Especial, isto é, da sua regularidade fiscal, o que não ocorre na espécie. 3. Denegação da ordem de habeas corpus” (TRF, 1.ª Região, 3.ª T., HC n. 01000392813/AC, rel. Des. Fed. Olindo Menezes, DJU de 6.8.2004, p. 43).

Foram mantidas pela Lei n. 10.684/2003 a suspensão da prescrição durante o período de suspensão da pretensão punitiva e a extinção da punibilidade com o pagamento integral dos débitos, inclusive acessórios.

Tratando-se de extinção da punibilidade com o pagamento integral do débito, notamos que, a partir da Lei n. 10.684/2003, ela poderá ocorrer em qualquer fase do processo e não apenas antes do recebimento da denúncia. Como é lei mais benéfica ao réu, possui aplicação retroativa. Nesse sentido, firmou entendimento o STF, 1.ª T., HC n. 81.929/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, j. em 16.12.2003, Informativo STF n. 334.

As conseqüências do Refis alcançam apenas os crimes previstos na lei, não produzindo efeitos para os crimes conexos. Assim, por exemplo, caso haja denúncia por quadrilha ou bando e sonegação fiscal, o ingresso do agente no programa do Refis causará a suspensão da pretensão punitiva apenas da sonegação fiscal, não atingindo o crime de quadrilha ou bando. Nesse sentido, também decidiu o STF, 1.ª T., HC n. 84.223-2/RS, rel. Min. Eros Grau, DJU de 27.8.2004, p. 71.


3. A AUTONOMIA DA INSTÂNCIA PENAL


Entendemos que as instâncias penal e administrativa são autônomas, não sendo necessário para a propositura da ação penal, ou mesmo para a instauração do inquérito policial, o prévio esgotamento da via administrativa. Ressalte-se que a apuração do débito fiscal, na instância administrativa, não constitui condição de procedibilidade da ação penal.

A lei penal descreve fatos típicos que são independentes e autônomos em relação aos fatos econômicos propriamente ditos. Da mesma maneira, a interposição de recurso na instância administrativa não afeta a jurisdição penal, de modo que impeça a persecução penal em juízo.

O oferecimento da denúncia, assim, dispensa esgotar a via administrativa, posto não ser essa pressuposta nem tampouco condição jurídica necessária para a atuação do Ministério Público.

O plenário do STF, entretanto, no julgamento do HC n. 81.611/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 10.12.2003 (Informativos STF n. 286, n. 326 e n. 333), por maioria de votos (vencidos os Ministros Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Carlos Britto), alterou posicionamento anterior, decidindo que nos crimes referidos no art. 1.º, da Lei n. 8.137/90, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa.

A conseqüência desse posicionamento é que, enquanto pendente recurso administrativo, não há justa causa para o oferecimento da ação penal. A referida decisão do STF ainda impõe a suspensão da prescrição até o julgamento definitivo do processo administrativo.


3.1. A representação fiscal do art. 83 da Lei n. 9.430/96


Conforme o texto da Lei n. 9.430/96, a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária, definidos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n. 8.137/90, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público (MP) depois de proferida decisão final na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Evidentemente, a norma legal não instituiu condição processual de procedibilidade para a propositura da ação penal, por parte do MP, tratando-se a representação aludida de mera decorrência do direito de petição, no caso, para informar sobre eventual crime praticado.

A norma é voltada para a administração pública, mais especificamente para as autoridades e agentes fazendários, evitando-se a remessa de representação ao MP antes da solução administrativa, porém obrigando-a após o término dessa.

Assim, em face da autonomia e independência da instância penal, a lei em questão não impede qualquer investigação a ser realizada pela polícia judiciária, ou eventuais requisições do MP ou do Poder Judiciário e a propositura da ação penal correspondente.

Nesse sentido, o Plenário do STF decidiu que “o art. 83 da Lei n. 9.430/96 não criou condição de procedibilidade da ação penal por delito tributário”, afirmando que “esse dispositivo rege atos da administração fazendária, prevendo o momento em que as autoridades competentes da área da administração federal devem encaminhar ao Ministério Público Federal expedientes contendo notitia criminis acerca de delitos contra a ordem tributária descritos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n. 8.137/90”, e, por fim, concluindo que “não está o Ministério Público impedido de agir antes da decisão final no procedimento administrativo”.

Como observou o Min. Néri da Silveira:

“é de observar, ademais, que, para promover a ação penal pública, ut art. 129, I, da Lei Magna da República, pode o MP proceder às averiguações cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal (CF, art. 129, VI), requisitando também diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII), o que à evidência, não se poderia obstar por norma legal, nem a isso conduz a inteligência da regra legis impugnada ao definir disciplina para os procedimentos da Administração Fazendária. Decerto, o art. 83 em foco quer que não aja a Administração desde logo, sem antes concluir o processo administrativo fiscal, mas essa conduta imposta às autoridades fiscais não impede a ação do MP, que, com apoio no art. 129 e seus incisos, da Constituição, poderá proceder, de forma ampla, na pesquisa da verdade, na averiguação de fatos e na promoção imediata da ação penal pública, sempre que assim entender configurado ilícito, inclusive no plano tributário. Não define o art. 83, da Lei n. 9.430/96, desse modo, condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública, pelo MP, que poderá, na forma de direito, mesmo antes de encerrada a instância administrativa, que é autônoma, iniciar a instância penal, com a propositura da ação correspondente” (ADIn n. 1.571, plenário, rel. Min. Néri da Silveira, j. em 20.3.1997, Informativo STF n. 64, 2.4.1997).

No mesmo sentido: “A representação fiscal a que se refere o art. 83, da Lei n. 9.430/96, estabeleceu limites para os órgãos da administração fazendária, ao determinar que a remessa ao Ministério Público dos expedientes alusivos aos crimes contra a ordem tributária, definidos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n. 8.137/90, somente será feita após a conclusão do processo administrativo fiscal. Todavia, não restringiu o citado dispositivo legal a ação do Ministério Público (CF, art. 129, I)” (STF, 2.ª T., HC n. 75.723-5/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 6.2.1998, seção I, p. 5).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) n. 1.571/DF, decidida em 10 de dezembro de 2003, o STF, por meio do rel. Min. Gilmar Mendes, por maioria de votos (vencidos os Ministros Carlos Britto e Ellen Gracie), julgou improcedente a ação ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 83, caput, da Lei n. 9.430/96, por entender que a norma impugnada, sendo dirigida à autoridade fazendária, não impede a atuação do MP no tocante à propositura da ação penal.
Ocorre que, com a nova posição adotada pelo STF quanto à necessidade do exaurimento da via administrativa para a propositura da ação penal, restaram apenas possibilidades investigativas ao MP enquanto não houver a decisão final na esfera administrativa.

Fonte: Escritório Online


Enviar este artigo para um amigo                            Imprimir


Para solicitar o e-mail do autor deste artigo, escreva: editor@escritorioonline.com



© 1999-2012 Escritório Online. Direitos Reservados. Leis 9.609 e 9.610/98.


Publicidade